quarta-feira, 23 de setembro de 2009

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Livros (lidos ou em vias disso)

Quando a vontade de ler se desvanece, quando a concentração se dispersa, quando o ouvido é massacrado de "barbaridades" sem nexo, "marketizando" o que devia ser sério, com meias verdades a ilustrarem as realidades, o folclore demagógico servido na bandeja da propaganda, coloco no aparelho o CD "Longe daqui", de Pedro Barroso, pego em Torga e "desapareço".

"(...) Tropeçar? Não aguentar a carga? Se fosse apenas isso! Embora pessimamente dormido e com a barriga vazia, nem as pernas lhe quebravam às primeiras, nem três sacos de centeio lhe faziam mossa. Os aborrecimentos que temia eram doutra natureza ... Qualquer encontro desagradável, por exemplo ...

Nem de propósito! Ele a pensar no mal, e a ponta de um uivo tenebroso a furar-lhe os ouvidos.

Um arrepio fundo percorreu-lhe o corpo. E, a seguir, todo ele ficou hirto, frio, pregado ao chão, num pânico mortal. Obra de um segundo, apenas. O justo tempo de a arreata ficar esticada entre a mão que a segurava e o argolão do cabresto. É que reagiu logo. Que diabo! Ia ali quem o defendesse ... Não havia razão para um terror assim!

Mas o dono, enigmaticamente, recuava. Aos poucos, encurtava os passos e chegava-se ao seu bafo. Mau! ...
Novo uivo, quase sobre eles, fendeu a noite. E ambos, agora como se fossem um só, de tão cingidos, se puseram a pisar o chão ao de leve, encolhidos no bioco da noite, com a respiração suspensa.(...)"

Bichos
Miguel Torga
Gráfica de Coimbra (1995)

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Palavras bonitas

Para o meu filho, que hoje fez 28 anos, a poesia e o mar ... da Foz!

 
E POR VEZES

E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos

Obra Poética 1948-1988
David Mourão-Ferreira
Editorial Presença (1997)