quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Livros (lidos ou em vias disso)

Numa visita relâmpago, em final de tarde, à minha amiga Isabel Castanheira (as tuas melhoras), da Loja 107, comprei e comecei a ler, enquanto esperava ser atendido para uma consulta médica de rotina.

Vou no quinto dia - 25 de Março de 2007 - com uma vontade enorme de continuar, sem paragens, para desvendar o muito que lá está. Não é possível. O tempo é pouco e a leitura exigente, num vai e vem constante para entender e digerir, sem pressas que o caminho certo é de difícil descoberta, mas entusiasmante quando se descobre a linha.

"(...) a hera a crescer na varanda não pareceu entusiasmar-se quando o tio o ensinou a andar de bicicleta entre o castanheiro e o portão trotando-lhe ao lado a equilibrar o selim

- Pedala

o tio exausto lá para trás e ele sozinho direito à garagem sem conseguir travar, a garagem subitamente enorme e o tio distintíssimo

- Pára

ultrapassou um canteiro, um segundo canteiro, o médico

- Vamos explorar as hipóteses

e ele contente embora a incisão principiasse a maçá-lo, isto é não dor ainda, a vizinhança da dor, o que em algumas horas se tornaria dor, impossível de travar como a bicicleta apesar dos gritos do tio, uma raiz desviou o pneu da frente e não o portão agora, um pilar de granito com um vaso em cima, o avô distraído com o rato de chocolate não o via da sala, chinelos cuja existência desconhecia, o avô sempre calçado até então, (...)"

E chega, para aguçar o apetite.

Sôbolos rios que vão
António Lobo Antunes
D. Quixote (2010)

domingo, 17 de outubro de 2010

Foz do Arelho

Sendo certo que olhos que gostam vêem diferente, a rotina de ir olhar a Foz é sempre quebrada por surpresas do mar, do tempo, da paisagem, resultantes de variadíssimos factores, quiçá, até, da disposição que se leva.
Hoje o nevoeiro apresentava-se de norte para sul, ou melhor, para quem conhece bem, do mar para a lagoa, ao contrário do que normalmente acontece, quando se tem um sol radioso na lagoa e o mar envolto naquele enorme “capacete” que nem o deixa ver.
O Sol já convidava ao passeio e havia no areal uma exposição de arte contemporânea a não perder. Uma série de instalações, em diversos materiais, onde predominavam as canas mas onde se podiam distinguir outros tão diferentes e banais como chinelos, sapatilhas, garrafas (de plástico e de vidro), bóias, troncos de árvores, embalagens de iogurte, latas de sumos, num conjunto de obras que, embora não tendo autor identificado nem título, se presumia serem da autoria conjunta do mar e da lagoa e se chamarem Desleixo.
Ainda bem que, certamente por causa da crise, não existirá capacidade financeira (ou de decisão?) na Junta de Freguesia nem na Câmara Municipal para mandar retirar aquilo.
Perder-se-ia a oportunidade de ver obras de grande qualidade estética e ficava-se, de novo, com possibilidades de passear descalço pela praia …




sábado, 16 de outubro de 2010

Inveja

Sou um invejoso!
Padeço de um mal muito comum no nosso país, que afecta muito mais portugueses do que a bactéria helicobacter, o cancro do colo do útero, a doença dos pézinhos, o reumático ou a rinite dos fenos. Porém, a minha inveja não provoca a reacção mais habitual de que os outros têm sempre o melhor carro, a mulher mais bonita e o melhor emprego apenas porque nasceram com o dito virado para a Lua ou foram bafejados com uma "sorte do caraças".
A minha inveja resulta daquilo que outros fizeram e que eu muito gostaria de ter sido, antes, capaz de conseguir. Esta semana, no Expresso, (não sou accionista) vêm insertos textos que me causaram um ataque do mal de que sofro, dos quais destaco algumas partes:
Henrique Monteiro - Sócrates, a fonte do problema
Aqui há um mês e meio, o Governo acusava o PSD de querer acabar com o Estado Social. Ontem, apresentou um Orçamento do Estado que o destrói. As coisas têm de ser vistas no real e não nos discursos - a retórica, a habilidade, a falsa promessa, a demagogia, o ataque soez (e lamento não me lembrar de mais palavras dizíveis) que então campearam eram injustificados.(...)
Nicolau Santos - Um sangrento massacre fiscal
Pode-se justificar com o estado de urgência em que se encontra o país, com a pressão dos mercados, com o aperto em matéria de financiamento em que se encontram os bancos e a República. Mas a proposta de lei sobre o Orçamento do Estado para 2011 só pode ser classificada como um saque brutal à bolsa dos contribuintes, um tsunami que arrasa toda a economia à sua passagem, uma bomba atómica que levará milhares de empresas a fechar as portas e milhões de cidadãos a passarem a viver bem pior a partir do próximo ano.
Além disso, é um Orçamento sem esperança.(...)

Miguel Sousa Tavares - A lição do Chile
Um a um, vou vendo sair os mineiros das profundezas do Atacama: duas madrugadas e grande parte de um dia de televisão sempre ligada, fascinado com essa extraordinária oportunidade de seguir em directo, a milhares de quilómetros, a extracção, corpo a corpo, de 33 condenados à morte de encontro à superfície, à luz e à vida. O mundo inteiro esteve, em diferentes fusos horários, preso desta transmissão televisiva planetária, que é daquelas que ficará para sempre na nossa memória, como as da chegada à Lua ou do início da Guerra do Iraque, em directo. A transmissão foi preparada ao pormenor e teve imagens inesquecíveis, como a da agulha progredindo num mostrador, da esquerda para a direita, à medida que a Fénix ia fazendo cada uma das suas ascensões ao longo dos 700 metros de túnel. Ou as fantásticas imagens recolhidas no interior do próprio abrigo, de onde a Fénix partia, desaparecendo no buraco perfurado na rocha para uma viagem que, de facto, tinha toda a carga simbólica e quase física de um parto.(...)

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Palavras bonitas

Sê como és: o sol é bom,
o ar vivaz.
Do azul aos azuis, do verde aos verdes,
a terra é menina e o tempo rapaz.
Também tu és menina
(um bichinho rebelde, de tão natural!)
e correr descalça era mesmo o que querias,
mas seria indecente nesta capital ...
E enquanto, doutro verde possuído,
em versos me explico, bem ou mal,
à primavera corres, já descalça,
por uma relva ideal!

Tomai lá uma Antologia
Alexandre O'Neill
Círculo de Leitores (1986)

domingo, 10 de outubro de 2010

Foz do Arelho

O mar vai voltar a fazer das suas e a demonstrar quem por ali manda?
Hoje estava assim, no final da tarde. Aguardemos ...



quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Quotidiano

Num dia que começou atribulado, com pouco mais de oitenta quilómetros percorridos em quase três horas, por uma auto-estrada com obras que nunca mais terminam, com a chuva a misturar-se com o pó e a fazer uma estranha "papa" que alimenta os acidentes, com o "senhor" do rádio a dizer que o trânsito está parado no IC 19, no nó de Frielas, na A5, no viaduto do Feijó, etc.,  e a recomendar aos "senhores" condutores que conduzam com a máxima precaução (necessária para não dar um toque no da frente, quando se distende, por momentos, o pé que está no travão), segue um número inacreditável de veículos a passo de caracol.

No final da jornada, cansativa e longa, a mesma dança, com a chegada a casa atrasada com mais acidentes, numa altura em que a noite, sem ser ainda velha, já tinha passado há muito a adolescência.

Valha-nos ser quinta-feira, dia em que Vargas Llosa foi distinguido com o Nobel da Literatura, prémio que ainda não foi desta que contemplou António Lobo Antunes. Talvez seja melhor assim, não fosse dar-se o caso de o marketing do Nobel tirar o tempo ao nosso escritor para nos oferecer os, como ele diz, nossos livros - entregar-nos-á outro ainda este mês - e as crónicas com que, quinzenalmente, nos delicia na Visão. A desta semana, conta a história de um cabo ferrador que cumpriu serviço militar em Chaves e termina assim:

" (...) - Tenho dormido num degrau, sabia?

levantou-se da cadeira e foi-se embora, aposto que sem pensar em Chaves, nos montes, nas gajas, todo inteiro no interior de uma incomodidade com picos que o atormentavam, o filho morto em criança, a mulher ida com um caixeiro viajante, os duzentos euros, a sopinha. Mas havia de acabar por animar-se

- Isto já passa amigo

porque não há azares que um cabo ferrador como deve ser não aguente, em sentido para o toque a silêncio, que nos mexe a todos por dentro e é o mais bonito que existe."

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Ciência em alta

Numa altura em que Portugal vive deprimido, a braços com a crise, a antipatia dos mercados financeiros, a eventual saída do euro, os arrufos dos líderes dos dois maiores partidos, o calculismo do Presidente da República, o pessimismo de Medina Carreira, o optimismo de José Sócrates, o flagelo do desemprego e muitos mais casos que nem vale a pena enumerar, é bom ver surgir algo que, no futuro, trará competência e prestígio ao País e contribuirá para que o sofrimento de quem perde a saúde possa ser minimizado, independentemente das capacidades financeiras que a crise lhe dê ou lhe tire.
Não conheço Leonor Beleza nem com ela tenho ou tive qualquer afinidade, mas dá prazer ver a vontade e a felicidade que transparece daqueles olhos e das suas palavras.
Estou convicto que o Centro de Investigação para o Desconhecido, da Fundação Champalimaud, entrará na História em 2010 pela mesma porta que a Fundação Gulbenkian abriu em 1969 - a do êxito e do respeito de todos. 

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Palavras bonitas

Nos 100 anos da República, que hoje se comemoram, sempre com a esperança de que os seus ideais se mantenham bem vivos e que, apesar dos escolhos e da falta de capacidade de alguns "pedreiros", a razão e o interesse de todos se sobreponha, sempre, às mesquinhas conveniências de cada um.

HINO À RAZÃO

Razão, irmã do Amor e da Justiça,
Mais uma vez escuta a minha prece,
É a voz dum coração que te apetece,               
Duma alma livre, só a ti submissa.

Por ti é que a poeira movediça
De astros e sóis e mundos permanece;
E é por ti que a virtude prevalece,
E a flor do heroísmo medra e viça.

Por ti, na arena trágica, as nações
Buscam a liberdade, entre clarões;
E os que olham o futuro e cismam, mudos,

Por ti, podem sofrer e não se abatem,
Mãe de filhos robustos, que combatem
Tendo o teu nome escrito em seus escudos!

Sonetos
Antero de Quental
Ulmeiro (1994)