sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Pois é, nem mais, se fosse só isso

Ler a Visão é um ritual das quintas-feiras, com o prazer acrescido na semana da crónica de António Lobo Antunes, que nela escreve (apenas) quinzenalmente. É pena, porque as suas crónicas são sempre uma delícia pelo tema, pela forma, pela beleza da escrita. 

"Pois é!"
(...) e porque me horroriza a ideia de gramar audiências semanais com o Presidente da República, que também só diz
          - Pois é
mas de maneiras compridíssimas, que é para isso que lhes pagam. Aliás pode lidar-se com as pessoas só com estas três frases e garanto, a quem as usar, um futuro de perpétua paz e permanente concórdia. Tive um tio que levou uma vida difícil por desconhecimento destes princípios simples. O que lhe saía da boca, em vez de 
          - Pois é
          - Nem mais
e
          - Se fosse só isso
era um fatal
          - O problema não é bem esse
que é a expressão ideal para uma existência atormentada.
          - O problema não é bem esse
até é capaz de ser verdade, mas os humanos, que detestam a verdade, preferem o que consideram ter razão, que é uma coisa que não existe porque ninguém tem razão e, aqui entre nós, o que custa dar-lhes essa prenda inestimável e útil? A mim não me custa nada, ter razão não me interessa um pito, quero lá saber da razão. No fundo gosto muito mais de não ter razão nenhuma, adoro enganar-me, estar errado, passar ao lado das coisas, porque, no fundo, ter ou não ter razão que importância tem?(...?

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Palavras bonitas

20-1-1933

Olhando o mar, sonho sem ter de quê.
Nada no mar, salvo o ser mar, se vê.
Mas de se nada ver quando a alma sonha!
De que me servem a verdade e a fé?

Ver claro! Quantos, que fatais erramos,
Em ruas ou em estradas ou sob ramos,
Temos esta certeza e sempre e em tudo
Sonhamos e sonhamos e sonhamos.

As árvores longínquas da floresta
Parecem, por longínquas, 'star em festa.
Quanto acontece porque se não vê!
Mas do que há ou não há o mesmo resta.
(...)
Fernando Pessoa
Novas Poesias Inéditas
Edições Ática - 1973