domingo, 26 de fevereiro de 2012

Quotidiano

No princípio da noite de sexta-feira aconteceu o "abraço ao hospital".
Não consegui participar.
O regresso da capital foi tardio e havia bilhetes para o CCC, onde Eunice Munoz e Maria José Paschoal iriam representar O cerco a Leningrado, de José Sanchis Sinisterra.
Por estranho que possa parecer, há alguma similitude entre os dois acontecimentos: na peça, Natália e Teresa são duas mulheres que vivem num velho teatro, lutando contra a sua anunciada demolição; no "abraço ao hospital", cerca de 3.000 pessoas (segundo me contaram), tentam fazer-se ouvir, protestando contra o anunciado propósito de transferir valências hospitalares importantes, das Caldas da Rainha para Torres Vedras.
A pouco e pouco, a cidade percorre o caminho, trágico, da "demolição", como o velho teatro de Leningrado.
Quando olharmos com atenção, a cerâmica já terá desaparecido, o comércio seguiu-lhe as pisadas, o comboio deixou de vir, o hospital perdeu as valências, o CCC manterá o ar condicionado avariado (ou desligado?), as ruas continuarão sujas, pouco iluminadas e esburacadas, as obras da lagoa terão chegado ao fim sem resolver o problema, não aparecerá a criança que grite "o rei vai nu"...
Valha-me o meu neto mais velho, que já lê correctamente!

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Tributo a Zeca Afonso

Já lá vão 25 anos, um quarto de século, cinco lustres, uma geração ...
Zeca continua a inspirar novos músicos, novos sons, novas utopias.
A qualidade é eterna ... e a paciência, uma virtude.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Livros (lidos ou em vias disso)

Em 1986 José Saramago romanceou uma hipotética fractura nos Pirenéus, que colocou a Península Ibérica a navegar no Atlântico, num afastamento inesperado, surpreendente e contínuo, do continente europeu.

Já pouco recordava do livro, que devo ter lido à pressa, mas havia qualquer coisa que me ordenava voltar a ele. Vou a meio e acabei de degustar ( a Natália Correia dizia aos subalimentados do sonho que a poesia era para comer) o discurso aos portugueses feito pelo primeiro-ministro criado pelo Nobel.

"(...) Portugueses, durante os últimos dias, com súbita intensificação nas últimas vinte e quatro horas, tem vindo o nosso país a ser alvo de pressões, que sem exagero poderei classificar de inadmissíveis, provenientes de quase todos os países europeus onde, como é sabido, se têm verificado sérias alterações da ordem pública, que se viram subitamente agravadas, sem qualquer responsabilidade nossa, pela descida à rua de grandes massas de manifestantes que, de maneira entusiástica, quiseram exprimir a sua solidariedade com os países e povos da península, o que veio evidenciar uma grave contradição em que se debatem os governos da Europa, a que já não pertencemos, diante dos profundos movimentos sociais e culturais desses países, que vêem na aventura histórica em que nos achamos lançados a promessa de um futuro mais feliz e, para tudo dizer em poucas palavras, a esperança de um rejuvenescimento da humanidade. Ora, esses governos, em vez de nos apoiarem, como seria demonstração de elementar humanidade e duma consciência cultural efectivamente europeia, decidiram tornar-nos em bodes expiatórios das suas dificuldades internas, intimando-nos absurdamente a deter a deriva da península, ainda que, com mais propriedade e respeito pelos factos, lhe devessem ter chamado navegação. Esta atitude é tanto mais lamentável quanto é sabido que em cada hora que passa nos afastamos setecentos e cinquenta metros do que são agora as costas ocidentais da Europa, sendo os governos europeus, que no passado nunca verdadeiramente mostraram querer-nos consigo, vêm agora intimar-nos a fazer o que no fundo não desejam e, ainda por cima, sabem não nos ser possível."(...)

A jangada de pedra
José Saramago
Caminho (1994)

domingo, 12 de fevereiro de 2012