quarta-feira, 31 de maio de 2023

Tabagismo

Deixei de fumar em 31 de Outubro de 1995, depois de, durante quase trinta anos, ter poluído os meus pulmões e os dos outros, com a impetuosidade própria de quem achava, de forma egoísta, que, quando muito, aquilo faria mal só aos outros.

Sem quaisquer desculpas para o vício que me moldou a vida nesses largos anos, ainda permanece na retina um anúncio que a televisão, única e a preto a branco, passava na minha juventude: KART dá quilómetros de prazer! E eu fumei Kart, Sagres, Definitivos, Português Suave, SG Gigante, SG Ventil, SG Filtro, Sporting, Estoril, Sintra e muitos outros cujo nome já se varreu. Fumei em todo o lado: na rua, no trabalho, nos bares, nos restaurantes, em casa. Só o quarto e a cama nunca foram poluídos, que o respeitinho é muito bonito.

Permanece, ainda, a sensação de que, se voltasse a pegar num cigarro, correria de imediato a comprar um maço, para colocar no bolsinho interior do casaco, onde uma simples apalpadela dizia quantos cigarros por lá restavam e a maior ou menor urgência em adquirir mais. Se o vício se mantivesse, não imagino como reagiria às proibições, às regras, aos sítios fechados para "matar o vício", e concluo sempre que foi uma hora de sorte aquela que determinou a decisão de deixar.

Hoje é o Dia Mundial sem Tabaco, ainda que o tabaco não vá desaparecer tão depressa, mesmo com as leis que parecem estar a chegar, proibindo isto e aquilo, assim ou assado. O fruto proibido é sempre o mais apetecido.

O tabaco é um vício, faz mal a tudo e a todos e não traz, podem ter a certeza, nada de novo à personalidade e à felicidade de cada um, muito menos "dá quilómetros de prazer".

segunda-feira, 29 de maio de 2023

Liberdades e garantias

A minha carta de condução foi obtida no dia a seguir à morte do Botas - 28.07.1970 -, num exame realizado em Santarém, depois de uma viagem com a sombra de ser "um passeio à senhora da asneira", como referia o instrutor e condutor do veículo que transportava os quatro candidatos.

- Se calhar, chegamos lá e não há exames, por causa da morte do Presidente do Conselho.

Não aconteceu assim e, apesar do comboio que transportava o féretro para Santa Comba Dão ter parado na estação de Santarém e os exames terem sido suspensos naqueles dez ou quinze minutos, todos se submeteram ao Código e às provas de condução. Dos quatro, o mais velho tirou passaporte para lá voltar no mês seguinte, para mostrar ao engenheiro que, afinal, sabia muito daquilo. Voltou a não conseguir "explicar-se" e, pelo menos enquanto o não perdi de vista, o papel manteve-se longe.

O Código da Estrada que aprendi já se perdeu, quer pelas muitas alterações entretanto introduzidas quer pela minha memória mais ou menos relapsa. Permanece muito pouco desse tempo, mas mantém-se viva a lembrança de que "antes de efectuar uma ultrapassagem, o condutor deve sempre certificar-se de que não há trânsito em sentido contrário e ter muita atenção para com o trânsito que circula na sua retaguarda."

O cuidado referido já foi "chão que deu uvas." Agora é a quem ultrapassa que cabe averiguar se, do lado direito, tudo se encontra dentro da normalidade. Corre sempre o risco de, num ápice, o pisca-pisca ser accionado e lhe surgir à frente um avantesma apressado, que o obriga a uma travagem de emergência e a dar-lhe a passagem a que tem todo o direito, como é público e notório.

- Faça favor. Está no seu direito ... eu é que estou a mais!

domingo, 28 de maio de 2023

Impertinências

"Já não se pode ser padre numa freguesia destas."

Talvez este aforismo, velho e relho, seja adequado ao que, diariamente, nos passa pelos olhos e pelos ouvidos. Paulatinamente, parece haver muita gente a tentar demonstrar que somos todos parvos e necessitamos de "bengalas" explicativas para que entendamos o que nos é oferecido. Pretendem ser a voz entendida, que colmata a nossa (in)capacidade de entendimento e à qual devemos ficar eternamente gratos, por se dignarem partilhar connosco a sabedoria apenas ao alcance de alguns.

Cada vez mais parece que o importante é o supérfluo, o mesquinho, a caricatura, o diz que disse e a minhoquice. O pior é que quem tem responsabilidades, coloca-se muitas vezes a jeito e contribui para que estes iluminados nos massacrem a pinha. 

- O Ministro Galamba telefonou-lhe ou não?

- O governo preocupa-se com o bem-estar dos portugueses, bla-bla-bla ...

- Mas é ou não verdade que o Ministro Galamba lhe telefonou?

- A economia tem vindo a crescer, tudo indica que o futuro vai ser melhor, bla-bla-bla ...

- Mas recebeu ou não uma chamada do Ministro Galamba?

- ...

- O Ministro telefonou-lhe ou não? Porque não responde?

E a saga continuou até que o Secretário de Estado pediu desculpa e se foi. A menina repórter completou o seu brilhante desempenho repetindo que o governante, apesar de várias vezes questionado, não tinha respondido à pergunta se tinha, ou não, recebido um telefonema do Ministro Galamba.

O país permanece, assim, na ignorância, em brasa, com o coração a palpitar e os nervos em franja, por uma pergunta tão importante para o futuro de todos nós não ter sido respondida. A ausência daquela resposta traz um prejuízo incalculável à vida de cada português, só comparável ao aumento dos grelos de nabo na praça das Caldas da Rainha.

sábado, 27 de maio de 2023

Efeméride

No dia em que se decidirá quem vai ser o novo Campeão Nacional de Futebol e ainda antes de ser conhecido o resultado que irá dar o 38º. título ao Sport Lisboa e Benfica, passam 36 anos de um dia inesquecível vivido em Viena de Áustria, onde assisti à primeira vitória do F.C. do Porto na Taça dos Campeões Europeus de Futebol, feito que só tinha sido alcançado nos distantes 1961 e 1962 pelo "Glorioso".

Foi uma viagem fantástica, cheia de peripécias. Talvez um dia se deixem por aqui, ajude o vagar e a memória o permita. Dois dos companheiros já partiram e o tempo, esse carrasco imperturbável, vai deixando marcas nos restantes cinco aventureiros que, em tempos de fronteiras, moedas diferentes, dificuldades muitas, não hesitaram e fizeram-se à estrada para uma faina de vários milhares de quilómetros. Tão novos e tão loucos ...

quinta-feira, 25 de maio de 2023

Mau feitio

A tendência para ser do "contra" vem de há muitos, muitos anos, até talvez se possa dizer, sem exagero, desde o começo de ser gente. 

A primeira reacção perante um dado novo é sempre de dúvida, em busca de alguma coisa que esteja menos clara ou tenha sido esquecida. Talvez a idade e a experiência, em vez de atenuarem esta característica, a tenham vindo a acentuar ainda mais. Parece que os olhos e os ouvidos estão cada vez mais atentos ao que está mal e não valorizam, como é devido, o que é feito de forma correcta.

Aprendi, bem cedo, que quem se dirige a algum sítio para ser atendido, deve ser cumprimentado tão breve quanto possível, nem que seja com uma simples troca de olhares. Também me ensinaram que a delicadeza deve estar sempre presente e que, até prova em contrário, o cliente tem sempre razão.

Cada vez mais me complica com o sistema nervoso chegar a um sítio e encontrar as pessoas do balcão em amena cavaqueira, talvez importante, mas que nada tem a ver com o "cliente" acabadinho de chegar para ser atendido. A água ferve quando, passados uns largos momentos (uma eternidade para quem espera), um dos "conversadores" se lembra do que está ali a fazer e, delicado, delicia-nos:

- Você quer alguma coisa?

Apetece sair pela porta fora e dizer que só ali fui espreitar a sua cara. Conto até dez.

- Boa tarde, desculpe. Precisava que este documento fosse anulado, porque tem validade de 30 dias e não é possível utilizá-lo nesse prazo.

- Não sei se vai ser possível ... mas deixe ficar.

"Vitória, vitória, acabou-se a história!"

segunda-feira, 22 de maio de 2023

Livros (lidos ou em vias disso)

"(...)Morriam as pessoas, morria a aldeia, morriam as memórias, os costumes e a história de uma aldeia, de um pequeno mundo que toda a vida fora dele. Sentia, por isso, ser seu dever fazer alguma coisa. E, já que não podia evitar aquelas mortes - as mortes dos que lhe eram queridos -, lembrou-se de fazer renascer a aldeia com outras pessoas. Não seria a mesma coisa, mas não era isso que acontecia a todos os lugares? E, se os que ali habitavam não tinham já idade para procriar, ele traria para aquele lugar quem estivesse ainda em condições de o fazer.

Primeirissimamente, havia que criar condições para as pessoas ali viverem, condições que atraíssem gente nova. E tal empreendimento passava por fazer de uma aldeia em ruínas uma aldeia habitável, hercúlea tarefa para um homem só. No entanto, porque sentia que lhe tinha sido confiada uma missão de importância capital para o mundo - para o mundo dele, para o mundo que conhecia -, deslocou-se Baiôa à sede do município por quatro vezes: a primeira, para falar com quem mandava, mas que só lhe serviu para ficar a saber como poderia tentar falar com quem mandava; a segunda, para devolver o requerimento de audiência; a terceira, dois meses e meio depois, para falar com o adjunto do vereador; a quarta e última vez, para levantar um documento, assinado pelo presidente da Câmara, no qual este declarava que, por entender o valor da empreitada a que o cidadão supranomeado se propunha, merecia da autarquia e dele próprio, enquanto respectivo governante, o maior dos apreços, desde logo por não possuir a autarquia verbas - tão pequena era a dotação que recebia do erário público - para ela própria executar tão necessários trabalhos, atribuindo-lhe pois um alvará provisório para a realização das obras de construção civil, e isentando-o de todas as burocracias e formalismos necessários à execução de trabalhos de conservação e de reconstrução, no âmbito do disposto no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, considerando-se assim devidamente instruído e comunicado o aviso de início dos trabalhos em todas as edificações dentro do perímetro urbano de Gorda-e-Feia, desde que cumprido nos referidos trabalhos um conjunto básico de normas previstas pelo Regime Geral das Edificações Urbanas e simplificadas pelo Regime Excecional de Reabilitação Urbana, nas redações então em vigor, tais como as respeitantes às fachadas e à volumetria das edificações, bem como todas as demais regras para intervenções consideradas de escassa relevância urbanística e identificáveis nos documentos em anexo, um conjunto de textos legais eficientemente sublinhados a marcador amarelo fluorescente, que tive oportunidade de ler e de ajudar Baiôa a reanalisar numa longa tarde de chuva, etc. (...)"

Baiôa sem data para morrer
Rui Couceiro
Porto Editora (2022)

domingo, 21 de maio de 2023

Domingo

Bem alinhadas e sob vigilância da que comanda a embarcação, as gaivotas da Lagoa aguardam, serenamente, que a próxima semana seja tão divertida como a que hoje termina, e que as notícias as mantenham atentas e bem divertidas, sem tédio nem modorra e, muito menos, novos discursos do homem de Boliqueime.

Mesmo com o tempo a fazer carantonhas, a caminhada matinal é sempre reconfortante e a paisagem, diferente todos os dias.

sábado, 20 de maio de 2023

Fama

A telenovela TAP versus computador surripiado, roubado, desviado, transviado, com gritaria, ameaças, diz que disse, seguranças e polícia à mistura, conhece uma curta pausa de fim-de-semana. Outros valores mais altos se alevantam e é fundamental concentrar energias no futebol, que está ao rubro e a dar audiências e vendas, antecipando-se que o Benfica será campeão se ganhar em Alvalade e o Porto perder com o Famalicão, o que garante a permanência de todos os olhos e ouvidos bem atentos.

Segunda-feira haverá novos episódios, com muitos Zandinga a fazer previsões e a afirmar certezas sobre quem prevaricou, se é roubo ou furto, ou se, afinal, é apenas uma brincadeira de garotos, que se poderia resolver com um par de estalos e nunca com dois socos, como parece ter sido ameaçado pelos dois principais actores.

Ambicionemos que o bom senso regresse ao local de onde nunca deveria ter saído e que, do acontecido, se tirem conclusões rápidas e se corrijam procedimentos. Talvez seja de ponderar a obrigação de frequência e aproveitamento na disciplina de "Serviço Público".

Entretanto e para que se habituem a trabalhar, talvez seja importante passarem os olhos pel'Os Lusíadas, não para lerem toda a obra mas fixando a atenção nas estrofes 95 e 97, do Canto IV.

Aprende-se sempre alguma coisa ...

95
Ó glória de mandar, ó vã cobiça
Desta vaidade, a quem chamamos Fama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
Cua aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles experimentas!

97
A que novos desastres determinas
De levar estes Reinos e esta gente?
Que perigos, que mortes lhes destinas,
Debaixo dalgum nome preminente?
Que promessas de reinos e de minas
De ouro, que lhe farás tão facilmente?
Que famas lhes prometerás? Que histórias?
Que triunfos? Que palmas? Que vitórias?

Os Lusíadas
Luís de Camões

quinta-feira, 18 de maio de 2023

Aprendizagem

As conversas, ou melhor, as dissertações profundas e eloquentes a que temos assistido nas nossas televisões, reproduzindo o que se tem passado no Governo, no Parlamento e em Belém nos últimos tempos, fazem lembrar a velha anedota picante que suscita sempre o comentário: está a descer de nível e a subir de interesse.

Assessores, ministros, chefes de gabinete, deputados, comissões, políticos em geral, têm dado, com poucas e honrosas excepções, um exemplo claro de como não se deve actuar na causa pública, da necessidade de transparência e do dever de servir objectivamente o país, como consta do juramento que, solenemente, todos os titulares de cargos públicos, subscrevem.

Aos olhos de quem vê de longe e já vai sofrendo de miopia, salta à vista que há meninos a quem não chega portar-se mal no recreio e acabam também a fazer asneiras nas aulas.

Há uns meses, foi tema de conversa um inquérito que deveria ser preenchido por todos os candidatos a governantes, com vista a deixarem explícitos os activos detidos antes da entrada na esfera do poder. Os últimos acontecimentos parecem aconselhar que, cumulativamente, haja acções de formação a antecipar a ida para o governo, e que seja condição obrigatória a obtenção de nota positiva, sem recurso a cábulas ou copianço. 

quarta-feira, 17 de maio de 2023

Palavras bonitas

Contraste entre a vida campestre e a das cidades

Nos campos o vilão sem sustos passa,
Inquieto na corte o nobre mora;
O que é ser infeliz aquele ignora,
Este encontra nas pompas a desgraça.

Aquele canta e ri; não se embaraça
Com essas coisas vãs que o mundo adora;
Este (oh cega ambição!) mil vezes chora,
Porque não acha bem que o satisfaça.

Aquele dorme em paz no chão deitado,
Este, no ebúrneo leito precioso,
Nutre, exaspera velador cuidado.

Triste, sai do palácio majestoso.
Se hás-de ser cortesão, mas desgraçado,
Antes ser camponês e venturoso!

Obras escolhidas - Volume I
Bocage
Círculo de Leitores (1985)

segunda-feira, 15 de maio de 2023

Obrar

O Verão está a chegar e, ao que indicam as imagens obtidas no dia em que a cidade se celebra a si própria, as obras também estão a surgir vindas lá bem do fundo da sabedoria e na altura indicada para não prejudicar ninguém e dar uma imagem de progresso e atenção ao espaço que é de todos.



O que será?

sexta-feira, 12 de maio de 2023

quinta-feira, 11 de maio de 2023

Alcatruzes

No balcão da clínica onde me havia deslocado para uma consulta de rotina, surgiu a confrontação com o 25 de Abril, quando a menina do atendimento, simpática, quis confirmar que o cliente postado na sua frente era mesmo este e não outro.

- Qual a data do seu nascimento?

- 25 de Abril de 1952.

- 25 de Abril?! Engraçado ...

- Sem dúvida. Foi no dia em que fiz 22 anos e nunca mais me esquecerei.

- Eu ainda não tinha nascido, nem jeito ...

Deveria ter 28, 30 anos, não mais. Mas sabia que o 25 de Abril tinha acontecido e era qualquer coisa importante, o que, nos dias de hoje, começa a ser cada vez mais raro.

- Olhe que isto está muito mal ... não sei se valeu a pena.

- Tem essa opinião porque não viveu no tempo "da outra senhora" e não faz a mínima ideia de como era. E ainda bem!

Mais duas ou três frases de circunstância, feito o registo que se pretendia e dada a informação necessária, a despedida. Era necessário atender outro cliente, dos vários que aguardavam.

O tempo, que passa a correr, limpa a memória dos mais velhos e cria o "quero lá saber disso" nos mais novos. Nada disto é privilégio destes tempos, embora pareça acentuar-se. Lembro-me bem de, na década de sessenta do século passado, dar por mim a questionar a razão pela qual um grupo de "velhos" organizava um almoço comemorativo do 5 de Outubro de 1910, uma evidente inutilidade para uma data tão longínqua.

A nora da vida não cessa o seu trabalho constante.

terça-feira, 9 de maio de 2023

Recordar é viver

No passado sábado realizou-se o habitual almoço de confraternização dos antigos alunos da Escola Rafael Bordalo Pinheiro. Como sempre, aconteceu um excelente convívio e um desfilar de recordações que nunca mais tem fim, mesmo que as estórias já tenham barbas e todos saibam o seu final.

- Lembras-te disto?

E, com maior ou menor esforço, mais pormenor ou apenas pela rama, o acontecimento surge tão nítido quanto o nevoeiro da memória ainda permite. E lembram-se os que já partiram, os que não aparecem, os mais ousados, os tímidos, os habilidosos do desporto, os "chefes" que não permitiam que os "putos" pusessem pé em ramo verde.

- Já não vejo F. há tanto tempo ...

- Está muito em baixo. Acho que já pouco sai de casa.

Uns coxeiam, outros já aparecem amparados, os bailarinos, ainda que sempre animados, são cada vez menos e muitos acabam a dança sem a música terminar. O número dos que nunca mais estarão presentes vai subindo e tem colegas de turma, dos jogos, das brincadeiras. A vida!

A festa dura até ao final do dia. São já poucos os que se mantêm até ao apito do árbitro. A comida sobra, a bebida também, a conversa esgota-se.

- Vou andando. Estou cansado e quero ir ver o Benfica ...

- Tenho um compromisso. Para o ano há mais ...

E haverá. Infelizmente, já não irá ser para todos, mas continuará a valer a pena estar presente, mesmo que seja apenas para um caldinho ...

segunda-feira, 8 de maio de 2023

Centenária

 A minha mãe faz(ia) hoje 100 anos. Para ela, uma Strelitzia Reginae, vulgarmente conhecida como Ave do Paraíso, de produção própria, e a música que enche sempre o coração.

domingo, 7 de maio de 2023

Primeira vez

- Estamos na Foz do Arelho. Nem calculas, isto é fantástico. Está um bocadinho de vento, mas é tudo lindo. Que maravilha!

A conversa, telefónica, pretendia retratar a alguém a satisfação e o espanto que estava a sentir, enquanto caminhava à beira da Lagoa. Era notório ser a primeira visita, bem pincelada com a descrição do que estava a ver e com a dificuldade de expressar o que estava a sentir. As sensações pareciam enormes e, a avaliar pelo tom de voz, o seu interlocutor devia ter o telemóvel afastado do ouvido, para não correr o risco de ver o tímpano perfurado. 

- O céu está lindo, o mar um espelho. E tudo azul, tão bonito. 

Apesar de haver nuvens no céu, duas ou três bem negras, a admiração era francamente entusiástica. O espelho de água era descrito como uma coisa nunca vista, sem nada comparável.

- O vento nem sequer é frio ... uma maravilha. Nunca tinha posto os olhos em alguma coisa semelhante!

A senhora continuava extasiada e excitada. Os adjectivos já iam faltando para a descrição completa que permitisse o entendimento do outro lado. Percebia-se que tinha sido desencadeada a inveja na outra pessoa, por não poder usufruir da beleza tão entusiasticamente explicitada.

- Eu disse-te ... não quiseste. Foi quanto perdeste.

Nada como a primeira vez. Depois, a gente habitua-se ...

sexta-feira, 5 de maio de 2023

Na escola ...

Os alunos têm andado deveras distraídos na sala de aula, coisa estranha e deveras preocupante, quando as condições eram mais do que suficientes para um excelente aproveitamento. Não prestam atenção à matéria, brincam quando deviam estar concentrados, adiam a concretização dos trabalhos, metem os "pés pelas mãos", têm a resposta na ponta da língua ou na mensagem do telemóvel, usam linguagem bué da fixe, mas inconsequente.

O director, atento, há já algum tempo que vinha avisando que lhe apetecia fechar a escola e tinha esse direito, tal como o de criar condições para que pudesse ser recrutado um novo professor, mais apto a dar as aulas como ele gosta. O seu mandato vai chegar ao fim e não há recondução possível. Por isso, é importante conseguir os objectivos, para que a história registe a sua passagem com letras garrafais. 

Como acontece quase sempre, a vontade, por si só, não resolve nenhum problema. A procura incessante de alguém disponível e capacitado tem sido muito difícil e os vários candidatos que já apareceram não parecem reunir as condições necessárias. Vai daí, o director resolveu manter a escola aberta e, duma cajadada, matou dois coelhos: o primeiro, dando umas palmadas bem fortes em alguns alunos brincalhões e distraídos, colocando o professor em sentido, advertindo-o que, ou entra na linha e executa o programa, ou marcha a toque de caixa da escola, só parando em Bruxelas; o segundo, dando tempo que os candidatos ao lugar cheguem a acordo entre si, por forma a que só um se sente na cadeira, ainda que apoiado por outros, sem grande barulho nem malcriadices.

O director falou grosso, o professor ouviu, no caminho para casa, através do rádio do automóvel. Os alunos tremeram de medo, foram espreitar Braga por um canudo e juraram portar-se melhor. Os comentadores da ocasião demoraram a perceber que, afinal, não tinham adivinhado nada e que o director não tirara as ilações que eram óbvias.

A dúvida, agora, é se as aulas chegam ao fim do período e há exame na data marcada ou se, pelo contrário, o director tem um acesso de mau humor, faz um teste inopinado e aproveita um qualquer candidato que se perfile e tenha boas sondagens.

O dilema persistirá ainda uns tempos, na expectativa de que os cursos de verão façam surgir, como por milagre, alguém com perfil para dar a matéria como convém.

Até lá, tento na língua, que hoje é o dia dela: Dia Mundial da Língua Portuguesa!

quarta-feira, 3 de maio de 2023

Estrelas

Sentada num banco de madeira, bem perto do cão de flores que guarda o Guggenheim de Bilbao, acompanhava dois irmãos (?) uns anitos mais novos e bem mais discretos. O rapaz bocejava, vá-se lá saber se de sono ou de tédio, entrelaçando os dedos no moderno frasco de água que segurava e lhe deveria matar a sede, quando a tivesse. A irmã deliciava-se com o chupa-chupa, mirando o infinito, talvez à procura de algum apoio de ombro ou de uma paisagem deslumbrante e nova, adequada à sua juventude.

Quem passava não ficava indiferente. A sua presença, a pose, o ar, davam nas vistas. Cigarro na mão, comprido e fino, como são agora quase todos os cigarros; cabelos loiros com raiz castanha, que fica sempre bem e mais bonito; mala bem encostada ao corpo, não vão aparecer algumas mãos afoitas e a serem tentadas; vários anéis a decorarem os dedos; casaco de napa preta, com vários fechos nas mangas e de lado; um vestido, vermelho, encolhido pela lavagem ou por economia de tecido. O copo, vazio, ostentava uma legenda que mandava andar para outro lado (to go), para evitar ajuntamentos de eventuais apreciadores da paisagem.

Usava sapatilhas All Star, como convém a qualquer estrela em ascensão!