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sábado, 23 de março de 2024

Poeiras

A poeira, parece que africana, suja os carros, a roupa estendida e até a relva do quintal. Torna o azul do céu meio acinzentado e cria alguma dificuldade na respiração ... dos velhos, principalmente daqueles que fumaram desalmadamente, em tempos idos.

Já lá vão muitos anos, mas o tabaquito alugou uns quartos nos alvéolos e por lá se vai mantendo, quase sempre sossegado, sem pagar alojamento e dando um ar da sua graça de quando em vez. Um médico amigo bem me avisou e em tempo útil:

Olha que alvéolo fechado nunca mais reabre ...

O aviso deve ter entrado a 100 no ouvido esquerdo e saído a 200 pelo direito. Era fixe, como agora se diz. Dava um certo charme, ocupava as mãos e permitia ganhar tempo em situações críticas, propiciando pensar melhor antes de sair asneira.

Deixou marcas, que acordam de vez em quando, lembrando que as asneiras se pagam sempre e, muitas vezes, os custos são enormes e nunca cobrem os pretensos benefícios.

Mas a que propósito me lembrei eu disto, agora?

Ah! Já sei! 

Os fumos do 10 de Março passado vão ter consequências no futuro, mais cedo do que tarde, digo eu que conheço bem os malefícios do tabaco. Assim não fechem todos os alvéolos ...

domingo, 12 de fevereiro de 2023

Alzheimer

Não existe. Está presente. Sorri, às vezes sem razão aparente, noutras parecendo que está a entender o que se diz. A mão deixou de se movimentar para o cumprimento. Nada o aproxima e tudo o afasta. Dão-lhe a comida na boca e parece que isso lhe dá algum prazer. Sorri, a olhar para a colher. Saboreia, sem sofreguidão. Não se lhe escuta um som, uma palavra, nada.

E tanto que ele gostava de falar. Desloca-se com dificuldade, na cadeira de rodas que a mulher ou o filho empurram. Meia dúzia de passos, para ir mantendo alguma força nas pernas, mas sempre amparado.

- Tenho muito medo que escorregue, mesmo segurando-o.

Não tem memória. Os olhos vêem e não transmitem nada. Talvez o coração sinta, quem sabe. O cérebro parou e as reacções são escassas, esgares apenas. A malvada doença sacou-lhe tudo, até a dignidade.

A dedicação da mulher é enorme, o trabalho, uma luta inglória, noite e dia. Oficialmente está vivo. Estará?

terça-feira, 21 de junho de 2022

Degradação

Nasceu num berço de prata, pelo menos. Os pais pertenciam à média burguesia, sempre viveram bem e, aparentemente, também lhe proporcionaram as melhores condições. O aspecto visual da altura assim o indicava e não havia quaisquer razões para pensar diferente.

Ainda jovem, o vício das drogas tomou conta do seu quotidiano e também do irmão, um pouco mais novo. A degradação foi-se acentuando. Os pais morreram e já não assistiram à derrocada. Está um farrapo, embora ainda conserve algumas regras de higiene. O irmão desapareceu daqui. Não se sabe - eu, pelo menos, não sei - se ainda está vivo.

Hoje, a meio da manhã, estava sentada na esplanada e a cerveja ia quase no fim. Talvez fosse a primeira do dia, mas outras se iriam seguir, entremeadas com o "charro" que não dispensa à vista de todos. A manhã acabará com meia dúzia de cervejas e uns quantos "charritos". Por vezes tem companhia: um "namorado" com quem discute acaloradamente e um cãozito, sossegado, aos pés dos dois. Hoje estava sozinha. Terá tido companhia nestes últimos anos?

Dentro do café, um companheiro de juventude, um pouco mais velho. Antigo craque de futebol, jogou na Luz e acabou no Caldas, onde tinha começado miúdo. Tem a doença da moda. Fui cumprimentá-lo, com a dificuldade de quem não sabe o que dizer. Riu-se muito mas claro que não me reconheceu. A mulher fez o sorriso de circunstância, revelador da necessidade de compreensão do que deve ser uma luta diária e terrível.

Pensei para comigo: vai escrevinhando, lendo e passeando. É bom sinal!