domingo, 31 de dezembro de 2023

Ciclo

2023 está a despedir-se e não aparenta ter motivos para partir tranquilo e satisfeito. Não soube, não quis ou não pôde tratar da melhor forma os acontecimentos que lhe calharam em sorte. É certo que, em todos os seus antecessores, há coisas que correram menos bem, expectativas que saíram goradas, objectivos que não foram atingidos. Também muitos houve que deixaram marcas indeléveis na história, triste, deste mundo que, muitas vezes, parece uma barata tonta sem rei nem roque.

A invasão da Ucrânia está quase com dois anos e o fim não parece próximo, a não ser que, entretanto, falte a "gasolina" a um dos contendores; no Médio Oriente, aos olhos do leigo sentadinho na cátedra do sofá, tudo parece indiciar que o fim também está longe e deixará mais marcas impossíveis de esquecer em todos aqueles que conseguirem sobreviver.

Aqui, neste rectangulozinho à beira-mar desenhado, as vicissitudes do costume, ampliadas e repetidas até à saciedade por uma nova forma de fazer comunicação, massacrante, descuidada e, muitas vezes, desesperadamente estúpida. Às gémeas, coitadas, não lhe bastava o sofrimento físico e ainda as fizeram arcar com a responsabilidade de toldar as relações entre um pai, extremoso, e um filho, distraído mas muito preocupado com os outros; a senhora Procuradora Lucília Gago, a quem a tartamudez do apelido deve ter impedido a clareza e a reserva, dissolveu, na vertigem de um parágrafo, aquilo que os eleitores haviam destinado para ser consumido em quatro anos; a decisão obrigou à marcação de novo acto eleitoral e o "árbitro" marcou o "jogo" para 10 de Março (qual é a pressa?); nos Açores, as "comadres" desentenderam-se e, como mais vale cedo que tarde, o mesmo "árbitro" marcou a final do "jogo" para Fevereiro, provando que, afinal, esta coisa dos prazos é como o elástico: estica e encolhe conforme a vontade do seu detentor.

Se tudo correr dentro da normalidade, haverá, em 2024, eleições para a Assembleia da República e para o Parlamento Europeu, para além das regionais açorianas. Esperemos que os resultados não defraudam nem ensombrem a festa do meio século de Abril.

BOM ANO! 

sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Inverno

Noite escura, portas e janelas fechadas, lareira a crepitar, livros e música.

E ainda há quem não goste do Inverno!

quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

Livros (lidos ou em vias disso)

"(...) Observemos um caso concreto bem documentado e que já atrás aflorámos. Em 1742, o nosso rei D. João V teve um AVC, então descrito como um <<um estupor que o privou dos sentidos e ficou teso de toda a parte esquerda, com a boca à banda>>. Enquanto o rei repousava no real leito rodeado de pagelas, de mitras, de rezas e de estatuetas de santinhos, o que faziam os seus médicos? Sangraram-no, claro, e deram-lhe, à laia de primeiros socorros, uma infusão purgante de açafrão, <<xarope áureo>> (provavelmente uma mixórdia feita à base de açúcar de cana) e <<pós cornichos>> (desconhecemos o que seja). Depois, reuniu-se uma junta médica para fazer o diagnóstico, na qual se incluíam todos os físicos e os cirurgiões do paço.

Uns diziam que a causa de tal achaque (os termos <<trombose>> ou <<AVC>> nunca são referidos) se devia ao costume que o monarca tinha de dar despacho depois de comer; outros defendiam que tal sucedera porque o rei era guloso; outros garantiam que tal fora causado pelo facto de o monarca beber água do Chafariz d'El-Rei (que era o principal chafariz de Lisboa, lembre-se); uns tantos acusaram os cirurgiões reais de serem os culpados do ataque, por cobrirem as úlceras das pernas de el-rei com unguentos à base de ouro. Por fim, a opinião dominante foi a que afirmou que o ataque fora provocado por um tratamento à base de essência de Ambarum griseum (essência de âmbar), mistela que era dada ao monarca como afrodisíaco e espevitante sexual ... 

A decisão final da junta médica foi parar a aplicação desses remédios todos e enviar o rei a banhos termais para o Hospital das Caldas da Rainha. (...)"

Sérgio Luís de Carvalho
Das tripas coração
(Saúde, Higiene e Medicina no tempo dos descobrimentos)
Minotauro (2023)

terça-feira, 26 de dezembro de 2023

Sorte

Uma troca ou alguma desatenção própria da época trouxe ao Oeste um livro em duplicado, deixando outro sem direito à viagem aprazível que, pela certa, adoraria fazer. O contacto telefónico resolveu a questão.

- Não tem problema. Amanhã ou depois a carrinha passa por aí e recolhe-o. Entretanto, vamos enviar o correcto de imediato.

O diálogo ainda prosseguiu com as desculpas pelo sucedido, os votos da época e o "disponha sempre" para fechar.

A programação foi cumprida. A campainha tocou e o estafeta, já conhecido, apresentou-se a recolher a encomenda, que havia entregado alguns dias antes.

- Oi, sinhô Orlando, como vai?

- Bem, obrigado. E o senhor?

- Muito cansado, muito mesmo ...

- Começou cedo?

- Saí de casa ainda não eram seis ... e só vou chegar bem perto das nove, se tudo correr bem.

Notava-se que precisava de uma pausa, para desabar, desanuviar, descansar, falar com alguém que o ouvisse.

- Todo o dia é isto ... descanso ao Domingo. Imagina quanto ganho?

- Não faço ideia e nem quero dar palpite.

- Não chega a setecentos e vinte limpos ...

- Claro que sobram dias todos os meses ...

- Vai ser só até ao final do ano. Já arranjei outra coisa. Vou continuar a trabalhar muito, mas pagam um pouco mais ...

Um sorriso aberto, talvez por o ter ouvido, ainda que de sobrolho franzido.

- No Brasil era pior. E ainda consigo, de vez em quando, mandar para lá algum ...

Sentou-se ao volante da carrinha, despediu-se com um aceno prolongado e um sorriso interminável.

- Boa sorte, foi tudo o que consegui dizer.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Natal

Numa clara homenagem a todos nós, habitantes deste real burgo, as entidades responsáveis pelas iluminações de Natal desta cidade escolheram os anjinhos para nos "alumiarem" e, talvez, nos darem uma maior capacidade de entendimento sobre o que por aí vai, da região ao país, da Europa ao Mundo.

Há quem, sem grande esforço e com uma lata impressionante, continue a tentar mostrar que a iluminação só bafejou uns poucos e a eles cabe a "colonização" da mente do povaréu.

"Ninguém se lava duas vezes nas águas do mesmo rio, porque a água não é a mesma e as pessoas também não". Esta frase, citada de cor e sem qualquer rigor científico, pertence a Heráclito e data de cinco séculos antes do nascimento de Cristo, que se comemora nesta época. Não quero (longe de mim tal ideia) contrariar um pensador deste nível mas, por aqui, começa a cheirar muito ao antigo e eu preferia não ver o rio a correr, de novo, com água "podre".

BOAS FESTAS

terça-feira, 19 de dezembro de 2023

Vertigem

Já estamos a chegar ao Natal e o ano aproxima-se do final. Rimou ...

A falta de imaginação é notória e o "deixar de" faz perder o hábito, o rigor da disciplina diária e a segurança da mão.

Amanhã! E mais um dia passa. Hoje não me apetece, ontem nada me ocorreu, anteontem não havia assunto. Desculpas ... e já lá vai quase um mês!

Aconteceram tantas, mas tantas coisas que mereciam algum comentário, ainda que essas notas tenham sempre pouco ou nenhum nexo. 

Está frio, a geada surge nas manhãs do oeste, o "menino de Belém" está muito caladinho, o governo já só gere a procura das notas ... para a informação do dia. À volta, nem "musgo" existe, quanto mais presépio! 

terça-feira, 21 de novembro de 2023

Palavras bonitas

PEQUENA CANÇÃO DOS TRAIDORES

As figueiras do Diabo dão os figos
que às vezes os amigos
nos obrigam a comer.

As figueiras do Diabo têm todas
um dia qualquer Judas
enforcado por prazer.

Porque afinal
ao fim e ao cabo
há sempre amigos
e amigos do Diabo.

Obra Poética (Vol. 2)
Joaquim Pessoa
Litexa Editora

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Livros (lidos ou em vias disso)

"(...) A chegada de Dona Felícia ao palácio do governador está prevista para a detardinha do dia 29 de dezembro, já quase ao cair da noite. Ela se apresentará vestida de ponto em branco, como convém a uma donzela renascida das cinzas do mais feroz opróbrio e que já não contava vir a merecer qualquer tipo de piedade ou misericórdia da parte do marido.

O zeloso bispo providenciou uma égua igualmente branca e ajaezada a preceito, no lombo da qual Dona Felícia percorrerá as três léguas que separam a cidade da Ribeira Grande da vila da Praia, pudicamente montada na tradicional posição feminina chamada de amazona. Noutros tempos ela estava habituada a passear na cómoda charrua Princesa Real que, ao chegar a Santiago, o marido, o governador-geral Chapuzet, tinha encontrado desconjuntada e abandonada a apodrecer num armazém de velharias, e a tinha mandado restaurar, com minucioso rigor, pelo engenheiro Teive Cabral, que nas suas horas vagas também se dedicava a trabalhos em madeira, para que a sua jovem esposa pudesse viajar com comodidade pelos diversos recantos da ilha que valia a pena conhecer.

E de facto não foram poucos os passeios que fizeram a dois ou em grupo mais alargado pelo vale da Fonte Ana ou até à nascente de Monte Agarro, para além de diversas jornadas a locais no interior da ilha, tendo ficado a lembrança de uma ida às imediações da Ribeira dos Engenhos, sítio que tinha ficado com curiosidade de conhecer depois de o cirurgião Lima, que tinha acompanhado o governador na sua digressão à zona para convencer os rendeiros, lhe ter contado com evidente entusiasmo a indiscritível beleza de toda aquela área.

Porém, hoje as situações estão mudadas. O próprio marido, que não teve uma única palavra para retorquir à proposição do bispo, e vai por isso obrigado, praticamente manu militari, a perdoar e de novo aceitar a esposa repudiada, não fez qualquer oferecimento do veículo, nem o próprio bispo se atreveria a ir tão longe pedindo-lhe também a cedência desse excelente transporte oficial. (...)"

Infortúnios de um governador nos trópicos
Germano Almeida
Caminho (2023)

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Percentagens

Era mais uma das habituais reuniões mensais, para análise dos resultados alcançados, em confrontação directa com os objectivos definidos para o ano em curso. Nelas, era apresentado um quadro com os resultados - o PowerPoint estava a dar os primeiros passos - e cada um comentava os seus, ensaiava justificações para o que ficara por realizar, enfatizava o que tinha acontecido de bom. O PowerPoint dava suporte visual e colorido, sendo o verde a esperança e a satisfação de todos.

Naquela reunião iriam, pela primeira vez, ser apresentados os resultados obtidos pelo contact center, contratado recentemente em outsourcing. O seu objectivo era contactar diariamente, via telefone, todos os clientes com prestações em atraso e assim, com a pressão, obter a regularização integral ou parcial do crédito vencido.

A conversa de apresentação foi novidade para todos e decorreu de forma eloquente, não deixando margem para dúvidas: são "sabões". O arrazoado foi extenso, as justificações, claras, a concretização definitiva e sem peias. O PowerPoint suportava os discursos e registava, a verde Bold, que havia sido conseguido sucesso em 99% dos telefonemas efectuados.

- Mas o valor do vencido não desceu ... murmurou-se à boca pequena, observação que, apesar de sussurrada, deve ter sido escutada ou imaginada no palco. A resposta, esclarecida, não tardou:

- A percentagem indicada diz respeito às chamadas atendidas. Se pagaram ou não, já não é connosco. 

terça-feira, 14 de novembro de 2023

A escada do humor

Com a devida vénia, muito respeito pelo autor e sem pagar direitos ao dito, transcrevo, uma vez mais, a crónica, diária, que Miguel Esteves Cardoso mantém no jornal Público.

" O INTER-IDADES PARA O PORTO

     Quando eu tinha 27 anos e me davam 30, protestava violentamente: "Calma aí! Não tenho 30, só tenho 27!" Quando tinha 38 e me davam 40, ainda era pior: "Quais 40?! Quarenta tinha a tua tia. Fica sabendo que só tenho 38!"

     Aos 47, quando começaram a atribuir-me a idade caluniosa de 50 anos, até tremi de raiva: "Ainda sou um quarentão! Deixa-me em paz! Vai morrer longe!" E dez anos depois, quando cheguei aos 58, lá estavam os caluniadores outra vez ao ataque, dando-me sessentas sem mais nem menos: "Sessenta? Estão malucos ou quê? Ainda não tenho 60! Sou só um jovenzinho de 58!"

     Agora tenho 68 e estranho que ainda não me deem 70. Se calhar, já estou tão velho que passei essa barreira, e entrei no mundo mentiroso dos elogiozinhos de lar da terceira idade: "Ele hoje está muito bonito! Foi ele que escolheu as calças, não foi? E calçou os sapatos sozinho, não calçaste?"

     Mas, caso alguém esteja prestes a dar-me 70 anos, está bem, pronto, já aprendi a minha lição. As piores armadilhas são aquelas que nós próprios nos encarregamos de montar. Aquilo que nos envelhece escusadamente não é a prontidão dos outros para nos fazer mais velhos do que somos. É a veemência com que negamos ser de uma idade que estamos mesmo à beira de atingir.

     Disse mal dos trintas? Mais me agarrei aos trintas. Eram muito piores do que os vintes, mas era o que havia. Amaldiçoei os quarentas? Mais malditos foram os meus quarentas. E assim sucessivamente.

     É como ir no Inter-Idades de Lisboa ao Porto, em que, depois de nascer em Lisboa, os 10 anos são Vila Franca, 20 anos são Santarém, 30 são Entroncamento, 40 são Pombal, 50 são Alfarelos, 60 são Coimbra, 70 são Aveiro, 80 são Espinho, 90 são Gaia e a morte é o Porto.

     A Pampilhosa ficou de fora para que se faça dela o que quiserem.

     Já que vamos todos a caminho do Porto, parando nas estações todas, faz algum sentido protestar que ainda não chegámos a Alfarelos? Que bom seria poder ficar sempre em Alfarelos!"

sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Livros

Os livros, tenho a certeza, têm inúmeras utilidades, sendo uma delas - não sei bem se a principal - o de serem lidos, embora as gentes que estudam estas coisas, digam que são cada vez menos os que perdem tempo com isso.

Cá pela Casa, paradeiro de muitos desde sempre, os livros são, nas últimas semanas, uma ocupação diária não apenas para a leitura que sempre foi rotina, mas para uma nova arrumação. Os espaços que lhes são destinados não esticam e a ordem, apesar do suporte informático, é essencial para nos entendermos (eu e eles).  Passá-los de um lado para o outro permite, para além do manuseamento que, por vezes, não acontecia há anos, passar o pano do pó,

- já nem me lembrava deste ...

(re)ler o princípio ou o fim, ou ambos, intercalado por uma página "ao calhas". A tarefa está muito longe de ser concluída, mas ... qual é a pressa? Uma pequena alteração na ordem, o intercalar de mais um que estava ausente, um outro que regressou, provoca a desordem total e obriga a mais trabalho.

E para quê?

Porque dá gozo, traz recordações e transmite-lhes o conforto de se saberem lembrados, o que, para quem não fala e convive sem se manifestar, não deverá ser despiciendo.

Apesar do muito trabalho já desenvolvido, ainda não encontrei nenhum envelope com dinheiro, o que, como eu esperava, me diferencia claramente do outro e me garante que o Ministério Público, em princípio, não passará por cá para colaborar na (des)arrumação.

As eleições estão marcadas para 10 de Março do próximo ano e, até lá, ou muito me engano ou os resultados das investigações em curso não verão a luz do dia. 

É muito mais fácil arrumar livros ... 

terça-feira, 7 de novembro de 2023

Novos tempos

"(...) Cesse tudo quanto a antiga musa canta,
que outro valor mais alto se alevanta. (...)"
Os Lusíadas - Luís de Camões

Acabaram as notícias e as imagens das guerras. Num ápice, tudo se alterou e as atenções viraram-se para o pedido de demissão do Primeiro Ministro António Costa, que o Presidente da República aceitou de imediato.

Sobre António Costa recaem suspeitas da prática de ilícitos criminais e tráfico de influências, no âmbito da exploração do lítio e do hidrogénio, que levaram à detenção de personalidades que lhe são próximas, de entre as quais se destaca o seu Chefe de Gabinete.

A Procuradoria- Geral da República, o Ministério Público e a PSP (?) irão investigar com a habitual celeridade e eficiência, e apresentar as provas irrefutáveis que, quase de certeza, se encontram já disponíveis e bem guardadas.

Aguardemos, sentados, os capítulos seguintes da novela que hoje teve a sua estreia e que terá, nos próximos capítulos, as eleições antecipadas. 

Felizmente, serão as cruzes dos eleitores a determinarem as caras que virão a seguir.

segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Ecos

Como se uma não bastasse, agora são duas as guerras que abrem telejornais, preenchem primeiras páginas e, vejam só, alimentam a verve do nosso Marcelo que, apesar do imenso trabalho, ainda consegue dar um saltinho à manifestação e opinar em grande.

O fim destas catástrofes não se vislumbra, ainda que muitos milhares já o tenham sentido e sofrido. O  diálogo é coisa que não existe, apesar de toda a gente falar inglês fluentemente. 

Procura-se, analisa-se, opina-se, acontecem cimeiras, e nada. 

Como sempre, quando o mar bate na rocha quem se lixa é o mexilhão mais pequenino que o grande nada com facilidade para fora da zona perigosa.

Talvez a solução apareça quando os americanos decidirem se querem ser mandados pelo mais velho ou pelo mais tonto!

domingo, 5 de novembro de 2023

sexta-feira, 6 de outubro de 2023

Livros (lidos ou em vias disso)

Crónica datada de Setembro de 1946, certamente por lapso ou descuido. Poderia e deveria ser Outubro de 2023. 

LOUVAÇÃO

Já escrevi sobre isso: mas a coisa me impressionou, e além do mais ainda não recebi os jornais, são seis e quarenta, e Chico Brito combinou de passar com o Cavalcanti às oito horas para irmos às enchovas. Se começar a procurar assunto, acabo perdendo a pescaria. E acontece que há pouco, quando acordei, eu estava sonhando com isso. Via um homem de avental e touca, como se fosse um sacerdote, mas um sacerdote em paramentos brancos de padeiro. E ele erguia à luz um pequeno pão branco. A luz era a mesma luz de meu quarto, um raio de sol fraco e louro: e o pequeno pão brilhava como hóstia e o homem dizia: "É puro, é puro."

O jornal deu esse caso do padeiro de Brás de Pina que foi autuado por estar fabricando pão com farinha de trigo pura. Entende-se que a Prefeitura tem razão. Temos pouco trigo - e precisamos misturá-lo. O padeiro será punido, mas que ele ouça este canto matinal em seu favor.

Glória a ti, padeiro de Brás de Pina, padeiro do pão puro.

Entre o falso leite, a falsa arte, a falsa crítica de arte, o falso dinheiro do governo, a falsa palavra do político; entre a falsa democracia - glória a ti. Mergulhamos no frenesi das falsificações; nossos panos são de falsos tecidos, os sapatos de falso couro, as garrafas de falsa bebida, as palavras de falsa moral. Há orquestras tocando falsas músicas e oradores com a voz embargada, pela falsa emoção; e o chefe de Polícia resolve punir falsos crimes. Os partidos fazem uma falsa coalizão ou se colocam em falsa oposição ou hipotecam falso apoio; e todos comem falsa manteiga, bebem água de falsa pureza e tomam falsos banhos sem água. De tudo isso nos queixamos aos falsos amigos; e todos nos fazem falsas promessas, e nos oferecemos falsos banquetes; quando tudo piora, o povo nas ruas promove falsos distúrbios, quebrando falsos artigos de falsos comerciantes.

Tu, só tu, fazes o puro pão. Às escondidas, nesta cidade pecaminosa; contra as posturas municipais e contra os costumes; é aí, na penumbra de Brás de Pina, que formas a tua massa pura e a levas ao forno de verdadeiro fogo do ideal, ao fogo do teu coração. Glória a ti, verdadeiro padeiro, último preparador da branca hóstia da verdade eterna e terrena do pão dos homens: glória a ti.

Sim, glória ao padeiro que acredita no pão. Não acreditam na paz os homens que a fazem; até a guerra a fizeram sem acreditar. Glória a ti, padeiro que fazes pão.

Rubem Braga
Desculpem tocar no assunto
Tinta da China (2023)

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Limpinho

Uns dias fora do ambiente oestino deram para relaxar, estar com amigos, comer diferente, dormir em cama nova, acordar cedo sem vento nem nuvens, dar uns mergulhos logo pela manhã (antes da "invasão" dos limos), andar na água sem os artelhos se queixarem da temperatura.

O sítio da estadia era bonito, agradável, sossegado, óptimo para recuperar forças e não pensar em problemas. Nestas experiências, confirmo sempre uma ideia de há longos anos: tenho feitio para estar de férias. Ainda para mais, num sítio cuidado, limpo e bem arranjado. Agradou-me sobremaneira a preocupação com a limpeza, expressa no cuidado que toda a gente envolvida nela colocava, e no aviso, afixado em vários sítios, bem visível para todos os frequentadores:

" Sr. Cão: por favor apanhe os seus cócós. Se não for capaz, chame o seu dono."

Faz tanta falta um aviso destes pelas ruas desta cidade ... 

sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Inveja

Palram pega e papagaio ...


Está poisada no passadiço, logo pela manhã, ainda o sol mal despontou no horizonte. Altiva, desligada de tudo que se passa à volta, olha ao longe e não quer reparar em quem se aproxima. A cabeça não se move na direcção de quem está quase, quase a chegar-lhe. Parece não ver. Não dá quaisquer sinais de susto ou de receio. Tudo lhe passa ao lado e ao largo. 

Quando se julga que vai ser desta que fará guarda de honra aos veraneantes, levanta voo, rápida, e interna-se na vegetação dunar. Desaparece completamente. Por mais esforço que os olhos façam, não se vislumbram aquelas penas negras debruadas a branco, num conjunto harmonioso e raro. Sabe-se que está ali bem perto. Ouve-se o palrar de várias, que já se tinham precavido dos visitantes indesejáveis. A cena repetiu-se várias vezes. Nada garante que a pega rabuda fosse a mesma, mas que parecia ser, parecia.

A caminhada, prévia ao mergulho no oceano sempre agradável  ainda que, vezes demais, impregnado de algas inoportunas, tornava-se mais apetecível e motivadora quando se descortinava, lá ao fundo, a sua pose altaneira e se apreciava, invejando, a capacidade de aguentar, sem pestanejar nem tremer, as vozes, os delírios, as inconveniências, os dislates e os disparates do mundo que a rodeia.

Deve ser bom ser pega, rabuda e a preto e branco.

segunda-feira, 25 de setembro de 2023

Livros (lidos ou em vias disso)

(...) Por vezes é difícil explicar por que razão algumas pessoas de repente fazem as coisas que fazem. Às vezes, claro está, é porque sabem que vão acabar por as fazer mais cedo ou mais tarde, e portanto mais lhes vale fazê-las o quanto antes. E outras vezes é precisamente o contrário porque se apercebem de que deveriam tê-las feito há muito tempo. Ove provavelmente já sabia desde o início o que tinha de fazer, mas todas as pessoas são, no fundo, otimistas em relação ao tempo. Achamos sempre que teremos tempo suficiente para fazer coisas com as outras pessoas. Tempo para lhes dizer coisas. E depois, de repente, um imprevisto acontece e ficamos agarrados aos "ses".

(...) Às vezes é difícil explicar por que razão algumas pessoas de repente fazem as coisas que fazem. (...)

Um homem chamado Ove
Frédéric Backman
Porto Editora (2023)

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Metáforas

Vinha sozinho, no seu voar balanceado e pontuado pelo chilreio característico e tão bonito quanto o amarelo das suas asas e o vermelho forte da sua pequena cabecita. Voava à beira de água, sem pressas, deliciado com a brisa vinda do mar, meiga e facilitadora do seu voo. O esforço era pouco, contrastando com outros dias em que a força das asas quase não conseguia movimento.

O canavial, denso, despertou-lhe a curiosidade e nele se embrenhou à procura do desconhecido ou apenas porque sim. A cana, nova e fina, despertou-lhe os sentidos e foi nela que pousou, deixando-se balançar de poente para nascente, sem grandes oscilações, enjoos ou perigos.

Apreciando a paisagem, o pintassilgo foi meditando na sua vida, aproveitando-se de estar sem companhia e nem sequer um companheiro para lhe toldar o cérebro. O sol ainda ia alto e o mar, sereno, espelhava tudo, desde uma ou outra nuvem que passasse, devagar, às árvores que circundavam a margem, ou às gaivotas e aos patos que se deliciavam nos voos de aproveitamento do bom tempo.

Que bom não ser humano, pensou o pintassilgo. Faço o que quero e sobra-me tempo. Já não corro o risco de alguém me fisgar ou dar um tiro, os pesticidas diminuíram o suficiente para me alimentar sem grandes riscos, embora deva ter sempre presente algum cuidado. Ninguém me proíbe nada, não cumpro códigos de conduta nem de circulação, voo e paro onde me apetece, não tenho casa nem beira e durmo sem cabeceira.

No meu "principado" existem muitas aves diferentes e, embora o meu chilreio seja, de longe, o mais melodioso, seria estultícia pensar que toda a passarada se identificava com a sua harmonia. Muito embora adore alpista, tenho de admitir, e admito, que há muitas outras aves que a detestam. Enfim, gostos não se discutem e muito menos se impõem.

Não me preocupo com o tamanho dos decotes das pintassilgas, não adjectivo nem recrimino as gorduras supérfluas, o aumento dos juros não é coisa que me aflija e o preço do azeite esbarra na couraça da minha indiferença. Vantagens de ser avezinha alheia à sociedade de consumo ...

Só a guerra me preocupa! Os tiros perturbam a minha cabeça e retiram-me o sossego que eu tanto prezo. Mesmo ainda lá longe, impedem-me de voar alto e levam-me a pensar o que será de mim se a alpista acabar ...

sábado, 16 de setembro de 2023

Passeio

Podia ser um moinho holandês e um "turista" a sonhar com a juventude.

Não é!

O "jovem" é oestino e o moinho fica aqui bem perto, nas Boisias, localidade que, para quem não sabe, pertence à freguesia de Alvorninha, neste concelho que tem muito para ver.

quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Natália Correia

Aos cinquenta e tal escreveu este soneto, para celebrar o seu aniversário.

Se ainda por cá estivesse, o que sairia da sua mão livre e irreverente, no dia em que completaria um século?

NO MEU ANIVERSÁRIO

Já por cinquenta e tal esta jangada
Do corpo em águas negras abrevia
De Aqueronte a outra margem; e corada
De moça fica a alma à rebelia

Da ruga pelo tempo concertada.
Pede bengala a reuma? Assim a Pítia
Pede o tripé que só nele sentada
Inala os fumos da Sabedoria.

Amigos que ao fortuito aniversário, 
Por édito do torto calendário,
Cinquenta e tal hortênsias me trazeis!

Pelos anos letais descendo as pernas,
Sobe a alma por louros às lanternas
Do canto que me furta a humanas leis.

O Sol nas Noites e o Luar nos Dias II
Natália Correia
Círculo de Leitores ( 1993)

segunda-feira, 11 de setembro de 2023

11 de Setembro

Para recordar e ter sempre presente!

Há 50 anos, em Santiago do Chile,

e há 22, em Nova Iorque,


a barbárie irracional.

sábado, 9 de setembro de 2023

Vizinhanças

O cais palafítico está quase, quase construído, ou melhor, reconstruído.

E vai ficar bonito, convidando à olhadela imprescindível sobre a beleza da Lagoa e ao passeio pela "estrada" assente nas estacas, com o cuidado e o respeito que se impõem.

Como não há bela sem senão, mantém-se a estranheza perante a ausência de quaisquer sinais de ligação à margem esquerda, que facilitaria o acesso a todo o conjunto para procurar as diferenças entre um lado e o outro, nalguns casos bem significativas e com a beleza sempre presente.

Ficaria, até, como símbolo do entendimento entre dois concelhos vizinhos, que têm uma lagoa em comum e, por vezes, mais parece que nem se conhecem.


quinta-feira, 7 de setembro de 2023

Pedagogia

O senhor professor quer que os alunos sejam e se mantenham atentos, sorridentes e com capacidade de o ouvir, entender e idolatrar.

O senhor professor fala muito, mesmo muito, e não deixa margem para que os aprendizes se exprimam, dêem opiniões, usem o silêncio, que é quase sempre bom conselheiro.

No início do curso, o senhor professor explicitou, com a clareza e a verborreia que todos lhe reconhecem, a metodologia e as regras que presidiriam às aulas, realçando que a sua (muita) qualidade de pedagogo lhe dava a obrigação de gerir a matéria a seu gosto e sempre de acordo com as suas determinações.

As regras genéricas e há muito estabelecidas deveriam ser cumpridas com rigor, e os comentários deveriam ser permitidos e incentivados, na procura das melhores soluções para os problemas de todos, mas deveriam ficar circunscritos à sala de aula. Devia ser e foi sempre assim, a bem do prestígio das instituições.

A gente coscuvilheira adora este diz que disse e há quem, apesar das obrigações, ame contribuir para isso.

Descobrir quem, é trabalho de Hércules, sendo certo que "quem muito fala, pouco acerta". 

quarta-feira, 6 de setembro de 2023

Limpinho


Decorrido já mais de um mês sobre o final das Jornadas Mundiais da Juventude, o alto do Parque Eduardo VII exibe esta selecta maravilha, para turista apreciar e fotografar como "recuerdo".

- O que é que quer?! Faltam recursos humanos ... 

domingo, 3 de setembro de 2023

Livros (lidos ou em vias disso)

"(...) Verónica percorre as áleas da clínica, exibindo a segurança da superintendente de um goulag e arvorando por regra a doce satisfação do dever cumprido.

A especialista de saúde mental ocupa-se dos recém-admitidos com ostensivo empenhamento em os ajudar, e nesta primeira fase prescinde da neutralidade do código, chegando a tratar quem dela precisa por <<minha querida>>, ou por <<meu bom amigo>><<Minha querida>>, toma ela assim as rédeas do roteiro terapêutico da bibliotecária, <<eu mesmo tenho experienciado o pânico, nenhum de nós está a coberto disso, e ainda que se declare ele uma única vez na vida.>> Preparada em tais moldes a receptividade da doente, Verónica expande-se neste discurso imparável, dobrando o busto sobre o tampo da secretária do gabinete onde a atende agora, molemente aluída na poltrona de couro. <<Vou confiar-lhe um segredo>>, participa ela, e investe, <<um segredo que nem aos mais próximos me atrevo a confessar, há uns anos, submetida a uma intervenção cirúrgica, de correcção do septo nasal, verifico posteriormente nunca mais me recompor, enjoos e vertigens, sinais precursores de um inferno que não tarda a abrir-se-me, manifestado por alterações de marcha, por uma espécie de repentina paralisia geral, e como se alguém me amarrasse com cordas invisíveis, além da decorrente impossibilidade de descerrar os lábios para comer, ou para falar, em suma, a conturbação dos mecanismos vitais, dominados por uma vontade muito superior à minha.>> Verónica afasta o busto do tampo da secretária, assume a posição erecta, introduz ao computador umas quantas mudanças medicamentosas na ficha da internada, levanta-se com solenidade, acaricia os cabelos descuidados da que dela depende, e dá por terminada a consulta.(...)"

Teoria das Nuvens
Mário Cláudio
D. Quixote (2023)

sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Distância

Tudo tão próximo e tudo tão longe ...

A aparente contradição confirma-se, apesar de os meios tecnológicos permitirem mitigá-la, trazendo perto quem está longe e levando ao fim do mundo a imagem de quem preferia, mil vezes, dar apenas um afago e sussurrar, ao ouvido, qualquer coisa mesmo que efémera e sem nexo.

O meu "menino" nasceu há quarenta e dois anos e, nessa altura, não passava pela minha capacidade imaginativa vê-lo tão adulto e tão longe. A Polónia é já ali, no centro da Europa a que pertencemos, tão distante do mar da Foz do Arelho e tão próxima dos trovões da guerra ... cujo fim não se vislumbra.

quinta-feira, 31 de agosto de 2023

Dúvida!?

A Foz no seu melhor:

Sol ausente,

Vento presente,

Água "quente",

Mar decente,

... E não há gente!

Porque será?

terça-feira, 29 de agosto de 2023

Sabedoria

Eu não tenho vistas largas
nem grande sabedoria,
mas dão-me as horas amargas
lições de filosofia.

António Aleixo
Este livro que vos deixo

  • Quem procura sempre alcança ...
  • Nem sempre nem nunca ...
  • Quem porfia mata caça ...
  • Mais vale um pássaro na mão que dois a voar ...

  • Na terra onde fores ter, faz como vires fazer ...

  • Roma e Pavia não se fizeram num dia ...

  • Dois ouvidos e uma boca. Ouvir o dobro do que se fala ...
  • Nunca confundir a beira da estrada com a Estrada da Beira ...

  • Bem prega Frei Tomás. Faz sempre como ele diz, nunca como ele faz!

segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Ocupações

O vento assentou arraiais no Oeste (e noutras zonas do país) e não se cansa de varrer tudo a eito, lembrando que o Verão se aproxima do fim e testando a resistência das árvores. 

Os preparativos para o Inverno começam quando se ajeita e acondiciona a lenha trazida do pinhal há algum tempo e ainda amontoada na garagem, se pensa em duas ou três (trans)plantações que o jardim necessita e, cúmulo, se recebe um telefonema ao início da noite:

- Podemos ir amanhã levar a lenha, por volta das dez?

Claro que sim! A praia deverá continuar encerrada ou, melhor, com as portas escancaradas. Nada melhor do que uma manhã ocupada com algum esforço físico, para manter a forma. 

quarta-feira, 23 de agosto de 2023

Palavras bonitas

Para o meu pai que, há 8 anos, subiu as colinas e desceu em busca da clareza do olhar definitivo.

Estou sentado nos primeiros anos da minha vida,
o verão já começou, e a porosa
sombra das oliveiras abre-se à nudez
do olhar. Lá para o fim da tarde
a poeira do rebanho não deixará
romper a lua. Quanto ao pastor,
talvez um dia suba com ele às colinas,
e se aviste o mar.

Poesia
Eugénio de Andrade
Fundação Eugénio de Andrade (2000)

terça-feira, 22 de agosto de 2023

Passo certo

Há muitos, muitos anos que a praia - todas as praias - tem indicação de "zona concessionada" e "zona de chapéus de sol". Toda a gente sabe que, pretendendo impedir que o sol lhe moleste a mona, pode utilizar o chapéu do dito, sem quaisquer limitações a não ser o espaço disponível, nas zonas indicadas pelas bem visíveis placas espetadas no areal.

Não vale a pena analisar se a regra não tem razão de existir, se deveria ser alterada ou se era fundamental a permanência de um "cabeça de giz" em cada areal, para sinalizar o percurso de cada um. Mesmo com espaço bem demarcado, parece haver gente que muito gosta do "todos ao molho". São contas de outro rosário, que serão prestadas um dia ...

O que importa é que a regra (ainda) existe e, como sempre, na companhia não vai toda a gente com o passo trocado e só "eu" com o passo certo ...

Manias mas, se quiserem, chamem fado!

segunda-feira, 21 de agosto de 2023

Deslocações

Não fui à Polónia, mas podia ter ido. Uma viagem low-cost, baratinha, e aproveitando um quartinho que por lá se acharia disponível e à borla. Teria valido a pena mas optei por Viana, para ver a romaria ...

O Presidente Marcelo, sempre com a preocupação de manter os portugueses muito bem informados, havia anunciado, na passada sexta-feira, que hoje nos comunicaria a todos a sua decisão sobre o diploma das novas regras para a habitação, que lhe tinha sido submetido pelo Governo. E cumpriu ...

Na Polónia, Marcelo Rebelo de Sousa, num português bem escorreito para polaco não entender, informou toda a gente que, afinal, tinha optado pelo veto político ao diploma e que, agora, caberia à Assembleia da República a decisão de o manter ou alterar. Clarinho como água e só não entende quem não quer ...

Os polacos devem ter exultado ao constatarem a sua importância. Recebem um Chefe de Estado que aproveita a viagem para aclarar uma decisão que, imperativamente, teria de ser comunicada não ontem nem amanhã, mas hoje, sem qualquer dúvida. E foi ...

O Presidente, principalmente nos últimos tempos, não se cansa de mostrar que trabalho não lhe falta e que a capacidade para o executar ainda lhe sobra, apesar de os dias se manterem com "apenas" 24 horas. Das águas de Monte Gordo ao avião para a Polónia, aquela cabeça não pára ... 

quarta-feira, 9 de agosto de 2023

Desassossego

A partir de hoje, os olhos e os ouvidos estarão muito mais atentos ao que se passa na Polónia, sempre com a esperança de que a guerra, cujo fim parece estar cada vez mais longe, não se instale por lá. 

Acabaram as férias ...

Pode parecer egoísmo (e se calhar é), mas há muitas coisas que provocam desassossego e nem todas constam no livro do Pessoa.

" Que tragédia não acreditar na perfectibilidade humana! ...

- E que tragédia acreditar nela!"

Fernando Pessoa
Livro do Desassossego

segunda-feira, 7 de agosto de 2023

Habilidades

A fila para a caixa do supermercado tem três ou quatro pessoas. À minha frente, um casal, acompanhado da filha, bem jovem, aguarda a disponibilidade da passadeira para colocar as suas compras. Não demorou muito e ele começou a descarregar o carro, dos pequenos. A mulher "admira" o telemóvel, passando o dedo a grande velocidade. A filha "absorve" um doce branco, fino e comprido que parece ser um poço de açúcar.

- Sabes bem que isso te faz mal aos dentes, mas és teimosa ...

- Não me fales em dentes, que fico em pulgas, diz a mãe exibindo uma dentadura com falhas visíveis a olho nu.

Compras colocadas, o carrinho colocado no sítio devido, dentro do último que lá se encontra. A empregada carrega no pedal, a passadeira desloca-se e abre espaço para a meia dúzia de produtos que irei pagar. O meu carro segue o caminho do anterior mas ... há uma lata, grande, bem lá no fundo.

- Desculpe, aquela lata não é sua?

- É, é. Bebi o sumo e esqueci-me dela ali e ... afinal até ainda tem um bocadito.

Passa a lata à mulher, que já está para lá da menina da caixa. Sempre com os olhos no telemóvel, bebe o resto da lata e coloca-a no saco onde a mão disponível vai pondo as compras.

A lata não apitou na caixa e a menina não viu ou fez que não viu. Era o que eu devia ter feito, mas não resisti. Mau feitio ...

É preciso lata!

quarta-feira, 2 de agosto de 2023

E se ...

A chuva, cumprindo o ditado, lá veio trazer o Agosto - ou a inversa, o que, para o caso, pouco interessa - e não parece querer abandonar este cantinho oestino, sempre fustigado pelo "mau-feitio" de S. Pedro.

Não há praia, ainda que, a espaços, o sol apareça e faça convite - com "água no bico" - para captar os incautos; há paredes a receberem tinta e a água a ameaçar não as deixar secar; o jardim precisa de água ... ou talvez não.

- Choveu de manhã. Não é necessário ...

- Vê lá bem. Agora está muito quente ... 

A indefinição, até no clima, é massacrante e desgasta a paciência de um santo.

E se chove?

terça-feira, 1 de agosto de 2023

47

A contagem vai acontecendo, devagar e sem sobressaltos de maior.

Mas, como em tudo, as aparências iludem e o que parece de velocidade reduzida é, afinal, uma andança vertiginosa. Por este andar, ainda nos apreendem a carta ...

domingo, 30 de julho de 2023

Ecos

- Isto está a acabar. Terça-feira é o primeiro de Agosto (primeiro de inverno), logo a seguir chega a feira do 15 e depois ... é Natal!

Conversa da treta, à espera que o sol seque a pele, bronzeada mas ainda vergastada pela frieza daquela massa gelada que vive na Foz, sem nunca aquecer nem um bocadinho.

- Ainda não corta os artelhos, mas, como se vê, só "meia dúzia" experimentam.

Todos os anos se repetem expressões. Em cada um, as conclusões, brilhantes, são sempre as mesmas. O vento norte obriga à instalação do "tapume", bem enfiado na areia para não se correr o risco de o ver abalar; a água vem sempre do frigorífico instalado na Berlenga ou na Pedra do Guilhim; as ondas obrigam à concentração e ao cuidado, para que o "artista" não seja derrubado e ofereça espectáculo a quem não se muniu do devido bilhete. 

- Hoje não está mar para velhos. Vamos à aberta.

E fomos! E o banho foi bom, apesar de ... o costume.

Amanhã estará melhor, espera-se, que a esperança é quem nos arrasta todos os dias para a Foz.

quarta-feira, 26 de julho de 2023

Palavras bonitas

ARRÊT À VADUZ

Do verdenegro 
dos alpes sai
castiçal lerdo
o Liechtenstein

Como vidrilhos
que gargalhassem
no fim do mundo
uma louca valsa

o Liechtenstein
por capitosa
capital tem
uma espuma rosa

Buquê de montras
entre as maminhas
de uma teen-ager
Vaduz se aninha

Não é Vaduz
maior que um selo
suscita o sonho
e remetê-lo

para o século XX
nuvem de moscas
num sobrescrito
de riso às roscas

Para a noite grácil
que faz frufrús
ri o castelo
em altos us

Redige a lua
pena de pato
o príncipe que acha
o meu sapato

é só por isso
que este punhado
de margaritas
é principado

O Liechtenstein
do pouco o todo
tira de um cómico
chapéu de coco

Da liberdade
do que é escasso
o apocalipe
faz um terraço

para saudosas 
vistas deitar
ao mundo desse
último andar

A dor com que a
razão nos multa
filtra-a uma gota 
de violino fútil

Neste brinquedo
terei na mão
os vãos confins
da evasão?

O anjo do ocidente à entrada do ferro
Natália Correia

terça-feira, 25 de julho de 2023

Tarefeiro

Não há tempo para nada, nesta vida de reformado. Sem horários, sem férias, sem fins-de-semana, sem pausas para café. Uma estafa difícil de aguentar para quem já não tem o vigor de antanho.

Fica sempre algo por fazer e, por mais cuidado que se tenha com o planeamento, surge um imprevisto que deita tudo por água abaixo, trazendo o adiamento à tona. No dia seguinte, outra urgência aflora e o que tinha ficado adiado, adiado continua. E mesmo abusando das horas extraordinárias, não é possível atender a tudo, vai aumentando o monte e desfazê-lo torna-se cada vez mais difícil.

Amanhã prevê-se um óptimo dia de praia. Vamos a isso, antes que chegue o Inverno!

sábado, 22 de julho de 2023

Fugas

Nesta semana, a Assembleia da República debateu o estado da nação - com casas de alterne a serem chamadas à colação - e o Presidente Marcelo convocou o Conselho de Estado, orgão que, julgava eu, servia para aconselhamento do Presidente da República, com a regra de nada transparecer do que por lá é discutido, afirmado ou concluído. As actas registarão os factos que, a seu tempo, a história analisará.

A Presidência emitiu um lacónico comunicado do acontecimento, sem quaisquer comentários sobre conteúdos ou posições como, de resto, é norma. No entanto, fontes próximas da reunião deixaram escapar alguns temas e opiniões vindas de gente importante, identificada, e crítica da actual situação. Soube-se, até, que o Conselho teria sido interrompido para que o Primeiro-Ministro pudesse apanhar o avião para a Nova Zelândia, a tempo de assistir à estreia da selecção feminina no mundial de futebol.

A esta hora, a Procuradora-geral da República e o Ministério Público deverão estar a ponderar a abertura de um rigoroso inquérito, mobilizando meios para confiscar os telemóveis e os computadores portáteis dos participantes, e descobrindo, com a eficiência de sempre, quem "bufou" o acontecido, violando a lei e o regimento do Conselho.