sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Adeus

Como todos os meus antecessores, vou embora hoje e, estou convicto, ninguém terá saudades minhas. Aqueles poucos segundos que antecederão o meu eclipse servirão para toda a gente fazer votos de que o meu substituto - 2022 - seja bem melhor do que eu e traga só coisas boas (como se isso fosse possível).

Já cá não estarei para ver, mas também espero que a história venha a registar sensíveis melhorias em 2022, quando o comparar comigo. Eu próprio, no ano passado, trazia a missão e havia registado os inúmeros pedidos para fazer esquecer 2020. Não consegui e disso me penitencio, ainda que a culpa não me possa ser atribuída. Se algum poder me restar, o que duvido, vou mobilizar toda a minha competência, e experiência, para eliminar o malfadado "bicho", tentando contribuir para que um normal, ainda que novo, se reinstale.

Também procurarei, noutras áreas, exercer a minha influência discreta, tentando que o Rendeiro seja presente à justiça, que o Salgado melhore do Alzheimer e seja julgado, que as mulheres do Afeganistão deixem de ser perseguidas, que a Rússia não invada a Ucrânia, que o Mediterrâneo deixe de ser cemitério e volte à sua condição de mar, que os húngaros, os turcos, os bielorussos e os brasileiros se livrem daquela gentalha que neles manda, e que aconteçam muitas outras coisas que tornem o mundo mais justo.

Espero ainda conseguir ver o resultado das eleições provocadas no meu tempo e que irão ter lugar já sobre a égide do meu sucessor e não ouvir lamentações pelo sucedido, principalmente da boca de quem nelas apostou. Não tenho a menor ideia do que vai acontecer no Benfica, agora que deixou de haver Jesus na sua época e no resto do ano, mas o futebol todos os dias surpreende.

Estou louco!? No final do dia de hoje acaba-se tudo. À meia-noite já cantará outro galo e eu vou ficar na prateleira dourada dos anos passados, à espera que os historiadores me contem, descrevendo bem o que foi a minha vida em 365 dias de forte agitação e desventura. Tenho consciência que passo ao meu sucessor um mundo muito complicado, cheio de escolhos e contradições, com as pessoas, egoístas, a nem olharem para o chão que pisam.

O vosso impotente mas dedicado
2021

quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Pensamentos

Passarinhos ...

da charneca, da casa, da rua, do país, do mundo, onde cada vez é mais difícil viver sem pensar: virão melhores dias? Virão pois!

quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Cautelas

Os números sobem vertiginosamente e, apesar de os internamentos serem bastante inferiores aos do ano passado pela mesma altura, os alertas dos especialistas são inúmeros e o colapso do SNS, ao que se ouve, uma hipótese bastante provável.

As cautelas voltaram, as desconfianças também, que o medo é que guarda a vinha. 

Se o bom senso imperar, antevê-se um final de ano sossegado, sem grandes jantaradas nem festas bem animadas, com as passas a servirem para pedir uma dúzia de vezes que isto tudo termine em breve, se possível logo no início de 2022.

Os "especialistas" cá de casa já reuniram em plenário e decidiram que vão permanecer resguardados nesta rua sossegada, com pouco trânsito, sem aglomerações e com vizinhos tranquilos. 

Cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém!

terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Informação

Estou deliciado!

Vi, em directo, a chegada de Jorge Jesus a casa, após a sua saída de treinador de futebol do Benfica. E com pormenores:

1. A câmara filmou o carro e a casa, colocando em destaque uma porta existente no final da rampa de acesso à garagem, pormenor decisivo para que a notícia seja entendida;

2. O repórter referiu que JJ deveria ter estado em contacto com alguém da sua residência, uma vez que os portões se abriram antes mesmo de o carro estar a eles encostado.

3. Não foi possível confirmar se o contacto teria sido efectuado através do telefone "mãos livres", se o carro está dotado de algum "anão" que abre o portão à distância ou se, tão simples, o homem tem um comando para abrir. 

4.  Para grande tristeza de todos, Jorge Jesus não prestou qualquer declaração e era muito importante que o tivesse feito. Esclareceria a abertura do portão e também a utilidade daquela porta, existente lá no fundo da rampa de acesso à garagem. Também seria fundamental saber a razão pela qual a porta da garagem está escondida e não pode ser avistada pelo ângulo da câmara.

Não há bem que sempre dure nem mal que nunca acabe. Jesus já não é treinador do Benfica e o mundo vai mudar sem que ninguém dê por isso.

As equipas de investigação irão agora tentar descobrir o mais importante do imbróglio, porque é fundamental para a história. Quem terá tomado a iniciativa da separação: Jorge Jesus ou o SLB?

Não perca os próximos episódios ...

segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Poço da morte


Por mais contraditório que possa parecer, era a verdade: Marlene ganhava a vida no poço da morte!

- Marlene da Silva, a melhor do mundo a andar de mota. Daqui a cinco minutos! Venham ver!

Os espectadores adquiriam o bilhete, subiam a escada e arrumavam-se no varandim, bem lá no alto e o mais perto possível da grade de protecção. No fundo do poço, a mota, caída, aguardava a entrada da estrela mundial do equilíbrio em velocidade, que haveria de pôr todos de boca aberta com as suas acrobacias.

O altifalante, meio roufenho, continuava o anúncio vibrante para despertar a vontade dos passeantes.

- Arrojo, audácia, desprezo pela vida. Compre o seu bilhete. O espectáculo começa dentro de instantes.

 No fundo do poço já estava um homem junto da mota. Levanta-a, dá ao pedal, o barulho e o fumo sobem pelas paredes de madeira, chegam ao varandim e assustam toda a gente. Com a mota a trabalhar, entra a estrela, com pose de diva, sai o anónimo, cabisbaixo e meio escondido. Marlene agradece os aplausos que recebe de toda a alta plateia, sacode os longos cabelos, faz vénias em todos os sentidos, acelera a máquina sem sair do sítio. Os altifalantes, cada vez mais roufenhos, anunciam:

- Vai começar. Quem comprou, vai ver. Quem se atrasou, espere pela próxima actuação, daqui a duas horas. Mas é melhor comprar já, antes que esgote.

E começa o espectáculo, primeiro devagar, depois a velocidade vertiginosa, sempre à roda, cabelos ao vento, a mota bem apertada pelas pernas, os braços firmes no guiador. Piruetas, saltos, idas abaixo e acima.

- Arrojo, audácia, desprezo pela vida. Cuidado, Marlene! Foi assim que seu pai morreu!

A mota quase bate nos espectadores, vai mesmo até ao final da parede, a emoção toma conta de todos. A aceleração é tremenda. O barulho ensurdecedor. O fumo engasga os mais ousados. Diminui o barulho, o punho deixa de acelerar, a velocidade baixa, a força centrífuga já não produz nenhum efeito, o espectáculo termina.

A Marlene sobreviveu. E o circo, conseguirá?

domingo, 26 de dezembro de 2021

Livros (lidos ou em vias disso)

Chegou na noite de Natal, já está lido e arrumado. É verdade que é apenas uma pequena novela, com pouco mais de cinquenta páginas, mas há por lá muita coisa escondida, à espera de quem decifre, recorde ou reviva. Não sei se consegui, mas valeu a pena ler, como sempre.

(...) Apesar das voltas todas que a vida nos fez dar, tantos anos depois estamos, de certo modo, onde nunca deixámos de estar, cada um a pensar no outro, separados e nunca separados.

Vai-te lixar, Sasha, vai-te lixar mais a tua literatura, não era preciso inventares uma tentação no Norte nem uma conspiração que já passou, de quem já ninguém se lembra e a quem ninguém liga nada, querem lá saber da Resistência, cada um por si, o imaginário é outro, herói é quem andou a cortar orelhas em África ou quem está disposto a matar ciganos aqui, conta a tua história nas redes sociais e vais ver os nomes que te chamam. Já foste e já vieste. E assim se foi um tempo, uma cultura, um imaginário.

Se quiseres vir ter comigo não precisas de me pôr descalça numa praia do Norte, descalça e de cabelos ao vento, que é como estava ainda há pouco e vou voltar a estar depois de terminada esta, também tenho direito às minhas metáforas e a uma praia que talvez não exista lá onde tu dizes, ao norte do Norte, para ser mais bonito. Não se refaz a vida. O tipo sobre quem disparaste afinal não morreu, como já deves saber. Teve filhos e netos que talvez gostassem de ajustar contas contigo, já que com a instituição, a PIDE, as ditas ficaram por fazer. (...)

Tentação do Norte
Manuel Alegre
D. Quixote (2021)

sábado, 25 de dezembro de 2021

Animação de Natal

O Natal de 2021 está no fim. 

Saíram as visitas, fechou-se o portão, arrumou-se a sala, baixaram-se os estores, abriu-se a porta da rotina diária, que voltará amanhã.

O Natal irá regressar no próximo ano e espera-se que tudo se tenha composto até Dezembro voltar ao nosso calendário.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Bom Natal!

Com a devida vénia e sem autorização do autor, transcrevo a crónica de Miguel Esteves Cardoso, publicada hoje no Público.

"Ao fazer as compras para o Natal, parei diante da garrafa do meu vinagre preferido e olhei para os outros vinagres, para aqueles que não estava a levar e, sobretudo, para aqueles que de bom grado levaria, caso não houvesse o vinagre que eu queria.

Havia dois ou três. Depois olhei para os azeites. E para os vinhos. E para os queijos. E para os pães. Estão muito melhores do que eram há 50 anos. E não são só um ou dois que é preciso perseguir - ou conhecer alguém ou pagar os olhos da cara.

Uma das desvantagens de se ser conservador é que se atrai uma catrefa de reaccionários, que querem companhia para cantar o fado do "antigamente é que era bom".

Mas o que é que era bom antigamente? A saúde? A educação? A liberdade? O prestígio de Portugal no mundo? A fome?

Não é só a escolha de vinhos. Mesmo os vinhos piores, se fossem comparados com os piores de antigamente, seriam bons. Os piores vinhos de agora podem não ter qualidades, mas, em contrapartida, quase não têm defeitos.

Nos vinhos e nos azeites, tal como nas casas de banho em geral, há uma limpeza e uma higiene que antes não havia. E essa higiene não é só uma questão de produtos químicos e de dinheiro: está cada vez mais nas atitudes de cada um.

É Natal. No meio dos discursos interesseiros da catástrofe e do mal-a-pior lembre-se de todas as coisas que melhoraram.

Até para os pobres. Até para os ricos.

É verdade que, sem queixas, ameaças e catastrofismos, nada melhora, nada teria melhorado. Mas bem que podíamos fazer um intervalo, quando deitamos o azeite sobre o bacalhau, puxamos de um bocado de pão e damos um golo de vinho.

Ainda falta muito? Claro que falta. Mas também não convém termos pressa para termos tudo.

O que interessa - e encoraja - é que já faltou mais.

Bom Natal!"

quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Presépio

Havia sido decidido pelos mais velhos que o presépio seria o maior de sempre.

- Ali, junto ao altar, aproveitando a reentrância da parede.

O Prior concordou e incentivou os jovens adolescentes a fazerem o trabalho com toda a dedicação.

- Vai ser o maior e o mais bonito, tenho a certeza. Vocês são impecáveis.

Atribuíram-se as tarefas, decidiu-se a quem cabia ir apanhar o musgo, quem fazia a caminha do Menino Jesus, quem arranjava o papel de lustro para recortar a estrela que iluminaria o caminho dos Reis Magos. O acidentado do "terreno" ficaria a cargo do carpinteiro, não o de Belém, claro, mas um outro que tinha muito jeito para montagens e já se havia disponibilizado para a tarefa.

Os elementos a utilizar na decoração são os que fazem parte do espólio da igreja, talvez com o reforço de mais uns quantos prometidos por alguns fiéis. O espelho que garantirá a ilusão do lago também já está assegurado e é proporcional à dimensão de toda a estrutura. Os patinhos farão sucesso, reflectidos na "água".

Tudo planeado. Mãos à obra. Um projecto "profissional" executado por "artistas" dotados. Sucesso garantido. Mas, não há bela sem senão ...

Ao ser colocada na gruta, a lâmpada ficava a ver-se, por ser grande, quando o que se pretendia era que ela apenas iluminasse e não fosse vista.

- Tenho lá em casa uma pequena, com o mesmo casquilho. Vou buscar.

A nova lâmpada não deu luz.

- Não está fundida. Lá em casa dava. Deve ser do casquilho ...

 A chave busca pólos estava ali à mão. Foi só pegar-lhe e tentar levantar a patilha do fundo do casquilho. Um estrondo, fumo e todas as luzes apagadas.

- Queimaram-se os fusíveis. Um curto-circuito. Isto não é trabalho que se faça com a luz ligada. São novos ...

O mal estava feito. Alguém foi chamar o electricista para substituir os fusíveis e o casquilho, e tudo se resolveu. O presépio foi o maior e o mais bonito, como era previsível, dada a qualidade dos "artistas".

quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

Alternativas

A altura não é favorável a grandes dissertações, nem a pequenas, quanto mais a insignificantes. Não adianta escrevinhar sobre isto, aquilo ou aqueloutro, sobre senhorios ou pinhos, fugas ou prisões, coronas, vacinas, testes ou confinamentos. 

É muito melhor ouvir música, da boa, de preferência.

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Esperança

A época natalícia convida à paz, à solidariedade, ao entendimento, à diminuição das diferenças, à procura da sociedade mais justa e, se fosse possível, perfeita. Afinam sempre por este diapasão os votos que todos formulamos, com maior ou menor sinceridade. 

Infelizmente, os votos acabam por nunca se concretizar, mas nada impede, antes obriga, que mantenhamos viva a esperança de que um dia irá surgir a possibilidade de todos poderem fazer festas de Natal à sua escolha e em paz.


Carlos do Carmo faria hoje 82 anos.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

BOAS FESTAS

Ainda não vai ser neste Natal que regressaremos à normalidade. Permanece viva a esperança de poder acontecer para o ano e isso, por si só, dar-nos-á a força para suportar a desdita que nos martiriza há quase dois anos.

Boas Festas a todos!

domingo, 19 de dezembro de 2021

sábado, 18 de dezembro de 2021

Pontaria

Para não fugir à normalidade, o cartoon de António no Expresso de hoje é mais eficaz e elucidativo do que um qualquer artigo ou comentário televisivo.

É muito feio ser invejoso, mas eu adoraria ter apenas um pequeníssimo jeito para desenhar e, nabo me confesso, nem de um risco direito sou capaz.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Boné

Nos últimos dias andava pensativo, cabisbaixo, sem a alegria e a boa disposição do costume, sem paciência para ninguém e, muitas vezes, respondão. Alguma coisa o preocupava. E muito.

Era sempre o primeiro a chegar, ainda o sol não se havia levantado, e o último a sair, já com a lua a preparar-se para iluminar o caminho de regresso a casa. A sua preocupação era manter o jardim bonito, verdejante, florido, um brinquinho. Detestava ser chamado à atenção quando havia algo que corria menos bem, quando se excedia na poda de um arbusto ou um canteiro demorava mais tempo a florir.

Quem viria de noite para o jardim? Não em todas, é verdade, mas de dois em dois, de três em três dias apareciam pegadas no saibro, duas maiores e outras tantas um pouco mais pequenas, de dois caminhos diferentes mas com um destino comum: a casa da ferramenta.

- Aqui há gato, dizia. E gata também, pensava. 

Imaginava a enxerga da sesta a servir de cama e isso não era coisa que lhe agradasse. A vontade de descobrir convenceu-o. O cordão era resistente e escuro, e havia duas árvores em frente uma da outra, logo após a curva que iniciava a descida. Ao final da tarde, bem esticado, uma ponta atada a cada árvore, mais ou menos a dez centímetros do solo, o cordão ficou preparado para a armadilha nocturna. Assim fosse dia de "o gato vir às filhós", o que já não acontecia há quase uma semana.

Logo pela manhã verificou que tudo tinha corrido como planeado. Havia pegadas nos dois caminhos e um espaço enorme com o saibro revolvido e vestígios de mãos a arrojar por ele. O cordão partira-se mas cumprira a função, admitiu. A queda devia ter sido dolorosa para o viajante nocturno, mas havia passos marcados até à casa. Apesar da queda, a festa não devia ter ficado estragada.

- Bom dia. Este boné é seu?

- É meu, é. Perdi-o ontem. Onde o encontraste?

- Estava ali em baixo, no meio das heras.

A cara mostrava um pequeno raspão na testa e o homem tentava evitar que lhe vissem as mãos. Nada de grave, pensou.

A conversa ficou por ali. Ambos sabiam que há evidências que nem sequer vale a pena insinuar, quanto mais explicitar e que há lugares que não se devem visitar sem autorização.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Dúvida metódica

A rua tem o piso novo, lisinho e tão agradável que até os carros se deliciam, embora não comentem. Os passeios foram reformulados, alargados e levaram calçada nova, bem calafetada e óptima para o peão se deslocar com conforto e segurança. Os estacionamentos estão bem definidos e acabados também em calçada à portuguesa. 

Perante este cenário quase idílico se comparado com o anterior, o que fará este poste plantado no meio do espaço, sem se vislumbrar qualquer outra utilidade que não seja estorvar quem por ali estaciona.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Tradutor, a profissão do futuro

O Público de hoje titula, na primeira página, que o MP (Ministério Público) "arrisca falhar prazo para extradição de Rendeiro por falta de tradutores". É preocupante, assustador e tira o sono a alguém que tenha um mínimo de preocupação sobre o que se passa. Um país sem mão de obra está condenado ao fracasso e a existência de tradutores é vital para o presente e, claro, para o futuro.

Tomando como certa a informação do jornal, os dois tradutores que trabalham no MP não têm capacidade para, em tempo útil, efectuar o trabalho necessário. E é fácil demonstrar à evidência essa impossibilidade. É considerado adequado o rácio de 10 páginas traduzidas por cada dia de trabalho e uma, apenas uma,  das decisões a carecer de tradução, sempre de acordo com o veiculado pelo Público, tem 422 páginas. Seguindo a informação, os dois tradutores do MP trabalharão, em conjunto, 20 páginas por dia, o que implica um trabalho árduo de, pelo menos, 20 dias para concluírem a tarefa. 

Percebe-se o pânico que deverá ter-se instalado. Depois da retumbante vitória que foi terem descoberto o paradeiro do Rendeiro sem quaisquer informações do senhorio, surge agora este contratempo, agravado pelo facto de a tradução do direitez não ser acessível a um tradutor qualquer, exigindo, na certa, conhecimentos técnicos de alto coturno, impedindo que qualquer bicho careta que "palre" inglês possa dar uma ajuda.

Só vejo, em Portugal, uma pessoa que podia colaborar na resolução do problema: José Sócrates. O seu inglês técnico seria precioso neste imbróglio mas, ele e o MP andam, há muito, de candeias às avessas. Sem ele, o coitado do Rendeiro irá ficar por terras africanas, com dificuldades em arranjar casa por não haver senhorio que lhe queira dar a mão, sujeito a todas as desconsiderações e flagelos e à inclemência de um clima a que não está habituado. A vida é mesmo madrasta ...

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Aluguer de curta duração

Uma meia meia feita,
Outra meia por fazer.
Diga lá, minha menina
Quantas meias vêm a ser?

- Conhece a solução?

- Já sei que só fiz meia meia, mas não tive tempo para mais. O fio acabou, a máquina avariou, o electricista sumiu, a televisão distraiu.

- Devia preocupar-se mais com o trabalho que lhe cabe e com os objectivos a que se comprometeu, e menos com a coscuvilhice.

- O senhor está a ser injusto. Não sei resolver problemas que mal consigo identificar e também é importante que dê atenção às notícias. Estar a par do que vai pelo nosso país e pela África do Sul é fundamental para conseguir perceber alguma coisa daquilo de que toda a gente fala. Aquele senhor de óculos e camisa rosa abre todos os telejornais, sujeito aos maiores enxovalhos e pode até ir parar às espeluncas prisionais desse país. Coitado, ninguém lhe acode. E olhe que até parece boa pessoa, não desfazendo.

- Eu quero que quem aqui trabalha esteja atento e saiba o que se passa lá fora, mas primeiro está o trabalho. A menina não cumpriu o objectivo, não tem qualquer contrato com esta fábrica, não vai cá continuar. Já mandei um mail para a sua entidade patronal. Amanhã já não vem.

Grandes males, grandes remédios. Por causa de um Rendeiro, o senhorio pôs na rua o "material" alugado.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Barretes

Trabalhava no campo, à jorna, como muitos outros que conheci na minha juventude. Tinha uma perna torta, fruto de algum acidente ou proveniente de "defeito de fabrico", nunca cheguei a saber. Era um dos que se apresentava, logo pela manhã, em busca de um diazito de trabalho que desse uns trocados para a mercearia. Poucas vezes era escolhido. A mazela condicionava a sua ligeireza e, por isso, só quando a necessidade de braços era muita, tinha sorte. 

Numa pequena leira, arrendada ao proprietário e, às vezes, seu patrão, cultivava as batatas, as couves, as cebolas e os tomates, as nabiças, algumas favas e ervilhas, e era de lá que retirava o sustento para a sua casa, onde vivia só com a mulher. A renda da leira era, se bem recordo, dez escudos por ano.

- Venho cá pagar os dez mil réis do ano ...

O barrete já vinha na mão, retirado que fora à porta do escritório, e que assim permaneceria até à saída, sempre com a reverência de quem servia e não podia ser apanhado em falta. As moedas estavam lá no fundo, junto à borla mas pelo interior daquela peça preta que, fosse Verão ou Inverno, lhe tapava a cabeça e só de lá saía para o devido cumprimento a alguém importante.

Chamavam-lhe o Pica-Milho, não por ser especialista em milho ou possuir algum milharal, mas talvez porque sim ... toda a gente tinha uma alcunha. Podia ser Pulga, Maestro, Roto, Pacau, Jabarda, Larau ou outra qualquer das muitas que, tantas vezes sem razão aparente, eram a identificação de alguém cujo nome de registo não era registado por ninguém.

domingo, 12 de dezembro de 2021

Teatro

Foi uma tarde (bem) passada, ontem, no Teatro da Rainha. Primeiro, a 5ª. Edição do Colóquio "Teatro, Espaço Vazio e Democracia", durante o qual se debateu a situação da projectada sala que há-de ser a deles, nossa, para que a Companhia dê largas às suas ideias, criando e desenvolvendo aquilo que sabe fazer: ARTE.

A situação da obra, nesta altura, é literalmente um buraco, detectado quando se iniciaram as escavações e que resulta de um antigo areeiro, entulhado, e, por isso, sem condições de segurança para as fundações. A situação foi omitida a quem fez o projecto e o caderno de encargos da empreitada não a previu. O imbróglio "esburacado" ainda está longe de ser resolvido, com a Câmara Municipal a procurar chegar a acordo com a empresa, a qual, entretanto, abandonou a obra. Os responsáveis da Câmara presentes no Colóquio estão moderamente optimistas e esperam que, dentro de três anos, o espaço esteja a funcionar em pleno. Tenho as minhas dúvidas mas sou, por natureza, pessimista.

Depois dos assuntos "sérios", nada melhor do que desfrutar de cerca de uma hora e meia de teatro, com uma encenação óptima de Fernando Mora Ramos para o "Discurso sobre o filho da puta", um texto de Alberto Pimenta, que já conhecia mas nunca tinha visto encenado. A interpretação dos quatro actores foi soberba e deu ainda mais vida à qualidade do texto. No regresso a casa, já noite cerrada, vinha reconfortado.

Nota final: O Teatro da Rainha já tinha programado o espectáculo há muito, pelo que é manifestamente exagerada a presunção de que a sua apresentação tem alguma coisa a ver com a prisão de João Rendeiro, na África do Sul, acontecida na manhã de ontem. E eu, que sou pessimista, fico preocupado com as actuais restrições aos voos da África do Sul, que poderão obrigar o senhor a vir de barco ou a nado.

sábado, 11 de dezembro de 2021

Livros (lidos ou em vias disso)

"(...) Assistíamos juntos aos jogos do Bayer Leverkusen. Ele costumava dizer que os presidentes dos clubes de futebol estão completamente errados. Insistem em contratar treinadores, quando qualquer adepto sabe muito mais do assunto. Pareceu-me uma ironia que funcionava então e que continua a ressoar nos dias de hoje. Basta entrar num café e perguntar como vai o Benfica, o Sporting ou o Porto, que aparecem treinadores com um copo de três na mão e palito na boca, ou mesmo, como agora, de fato e gravata na televisão, que evitariam contratos milionários pondo tudo a trabalhar na perfeição, graças às análises óbvias feitas a posteriori. Nós também éramos assim, claro, a História compreende-se de trás para a frente e é hermética em relação ao futuro. Compreender o que passou e o que deveria ter sido feito é relativamente fácil, o que é difícil é imaginar todos os "ses" possíveis que o futuro nos coloca, e, dizia, nós, como qualquer outro adepto, sabíamos perfeitamente quais os jogadores que deveriam jogar e quais deveriam ficar no banco ou ser vendidos, que estratégia usar, com que perna determinado jogador deveria rematar ou driblar, sabíamos tudo, era um bom tempo, esse em que sabíamos tudo com toda a certeza possível, hoje já não consigo ter certezas sobre nada. Acho que compreender o futebol era um treino para compreender a vida. Ao perceber as jogadas possíveis, as intenções, dissimuladas em fintas ou abertamente provocadoras ou explícitas, compreendíamos as relações entre as pessoas e, ao olhar para o jogo como um todo, também percebíamos a vida como um todo, desde a tristeza inalterável do resultado negativo até à euforia do triunfo esporádico. É a idade que corrói esta felicidade, não é?(...)"

Sinopse de Amor e Guerra
Afonso Cruz
Companhia das Letras (2021)

sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Decisões

Já germinava há bastante tempo. Grandes decisões têm de ser ponderadas, amadurecidas, repensadas, para não darem asneira.

Foi hoje, finalmente. Tenho três televisores em casa e resolvi adquirir um quarto. Dirão uns:

- Não sabe o que fazer ao dinheiro.

Argumentarão outros:

- Para quê, se cada vez se vê menos televisão. Só pode ser vício e parvo.

E não é. É necessidade imperiosa de ter um televisor diferente, mais completo e adaptado à realidade que temos hoje. Um televisor que permita desligar metade do ecran, de forma independente e sempre que eu queira. Explico melhor: passou a ser normal que todos os canais, ao transmitirem notícias, dividam o ecran em duas partes distintas, colocando, normalmente à esquerda, quem noticia ou comenta, seja Presidente da República, Primeiro-Ministro ou entendido na matéria e, no outro lado, um braço despido a ser espetado por uma agulha. A câmara aproxima bem a imagem, de forma a não se perder pitada.

Estou farto! Quero continuar a ver e a ouvir notícias mas dispenso as agulhadas. Aprendi cedo que "tudo quanto é demais é moléstia" e isto já acontece há demasiado tempo, sem que haja qualquer necessidade ou justificação. 

Falta apenas decidir qual a marca do televisor a adquirir e, como o tempo não convida a sair, vou consultar esse grande sabichão Google, que tem resposta para tudo.

Bolas! Que desilusão! Ponderei tanto, demorei a decidir para tomar a melhor opção e, afinal, ainda não há televisores que permitam fazer o que pretendo. Parece impossível! No século XXI! Não se admite!

quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Impulsos

Como qualquer pessoa normal, julgo, também faço compras apenas por impulso. Tento controlar-me mas, por vezes, até nos livros isso acontece.

Quando era criança, se o fui, havia uma tia-avó que morava, sozinha, em Lisboa. Chamava.se Dionísia e o contacto com ela foi muito pouco, pela distância e pela idade. Veio acabar os seus dias na Misericórdia das Caldas, por força de influências que o meu padrinho exerceu, conseguindo o seu internamento no lar da Instituição. Na época, o estabelecimento de internamento não se chamava lar, mas a palavra que era utilizada caiu em desuso ou foi suprimida pela violência que continha.

Numa das, na altura poucas, deslocações a Lisboa, fomos de propósito a uma rua estreita, por detrás do Cinema S. Jorge e paralela à Avenida da Liberdade, visitar a tia.

- É neste prédio que mora a tia Dionísia, referiu a minha mãe.

E lá fomos, escada acima, até ao último andar.

Rua Júlio César Machado. Fixei, sem cuidar de saber quem era nem a razão de a rua ter aquele nome. Anos mais tarde, soube que se tratava de um escritor mais ou menos esquecido, contemporâneo e amigo de Camilo Castelo Branco, sem mais acrescentos.

A semana passada, num dos habituais mails de divulgação, a Tinta da China dava conta da edição, na sua colecção Literatura de Viagens, do livro "Do Chiado a Veneza", de Júlio César Machado. Mandei vir. Chegou hoje. Julgo que são crónicas de uma viagem a Itália. Ainda não li, mas já está na fila.

Foi a minha tia Dionísia que me ordenou a compra.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Matina

Apesar do mar encapelado, do vento que se faz sentir, dos avisos sobre a depressão Barra, o João está Feliz. Recebeu a Canária, amarelinha e talvez cantadeira como convém a quem enfrenta o mar e ali estão, juntos a alguma distância, não vá o corona traí-los e estragar a felicidade. O Pena está triste. Se dúvidas houvera, o nome com que se exibe eliminava-as. À sua beira não há mais ninguém e o "casal", embevecido, nem para ele olha.

As gaivotas não arriscam o voo e procuram sítios mais abrigados do que a proa dos barcos. Os patos nem devem ter saído de Tornada, não por o calendário determinar que hoje não se trabalha mas por haver no ar e na água a sensação (ou a certeza) de que vai haver borrasca.

A água está escura, agitada, longe daquele verde azulado ou azul esverdeado que exibe, orgulhosa, no Verão que ainda vai tardar uns meses a voltar. 

Faltam peças e gente, mas a Lagoa é sempre (muito) bonita!






terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Inventário

Baixinho, poucos cabelos e brancos debaixo do boné, engravatado a azul claro sobre camisa de terylene branca, fardado de azul escuro, a calça com uma "risca" de cetim de alto a baixo e o casaco com botões dourados, sempre cintilantes. Era o caixa da Banda.

Transfigurava-se. Não sabia uma letra do tamanho de um comboio, como respondia sempre que o questionavam sobre saber ler, mas dominava completamente as pautas de música. Era ele quem o maestro incumbia de suprir as falhas e as desatenções do colega do bombo, que não entendia a diferença entre uma semicolcheia e uma semibreve e dava a pancada mais forte quase sempre atrasada. Nas arruadas, era o único que tocava sempre, mesmo quando a banda se calava. Marcava o compasso da marcha, com as duas baquetas a rufar e fazia com que todos os músicos marchassem certinhos, sem necessidade de regência.

Durante a semana de trabalho era o fiel do celeiro. Cabia-lhe, também, manter a entrada da quinta livre das folhas dos plátanos ou de quaisquer outros lixos, não fosse chegar alguém importante e o saibro não estar um brinquinho para ser pisado. Tratava do Bob, um boxer meigo que o acompanhava quando não dormitava, deitado à sombra, sempre com um olho meio aberto e atento a tudo o que se passava à sua volta.

- Ainda temos muita aveia?

- Quase seiscentos quilos. Encetei hoje uma saca e estão ali mais onze.

Sem máquina de calcular ou papel e lápis, era na cabeça que tinha o inventário, sempre actualizado.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Dissolução

Apesar de ser Domingo, dia tradicionalmente dedicado ao descanso, o Presidente da República foi ontem trabalhar, assinou o decreto de dissolução da Assembleia e confirmou, dando-lhe forma legal, a marcação das eleições para 30 de Janeiro do próximo ano.

É a primeira vez que a Assembleia da República é dissolvida sem haver demissão do Governo, situação que já levanta polémica entre constitucionalistas e opinadores. Uns consideram que passa a ser apenas um Governo de gestão, enquanto outros argumentam que a ausência da demissão permite e determina que as funções e os poderes se mantenham intactos.

Mais um excelente contributo do "direitez" para "opinações" várias, de entre as quais seria importante também existir uma neste espaço. Não vai acontecer. Parafraseando um chefe que tive há muitos anos, falece-me competência no assunto e não dou palpites. Todavia, fico certo de que não haverá conclusões em tempo útil, demonstrando, se isso ainda fosse necessário, que o Direito pode ser tudo menos direito e conclusivo, e que é sempre bom existirem, pelo menos, duas opiniões sobre o mesmo assunto.

domingo, 5 de dezembro de 2021

Dia cinzento

Se tivesse aceitado o convite, teria mergulhado hoje nas águas cálidas de Cabo Verde, descansando a mente e pigmentando a pele mais um pouco. Ouviria mornas e coladeras tradicionais, sempre tão bonitas, para quem gosta, claro. 

Por aqui, faz frio e chove, num daqueles dias em que só apetece lareira ...

sábado, 4 de dezembro de 2021

Responsabilidades

Já não há Cabrita Ministro!

O Ministério Público decidiu processar o motorista do antigo (desde ontem) Ministro da Administração Interna e Eduardo Cabrita foi à vida, não sem antes revelar a sua interpretação clara sobre o sucedido.

- O veículo onde eu seguia foi vítima de um acidente ...

Sem querer, o ex-Ministro "encomendou" mais trabalho para o Ministério Público (MP) levar a cabo. 

O motorista já está acusado de homicídio por negligência, tarefa que não deve ter sido difícil por que toda a gente sabe que os motoristas oficiais são seres completamente irresponsáveis, que não obedecem às regras nem às ordens de quem sobre eles detém prevalência disciplinar e hierárquica, e, ainda por cima, decidem sempre chegar com grande antecedência aos locais de destino, criando, com isso, situações embaraçosas às autoridades que transportam. 

O MP deverá também mover uma acção contra o trabalhador atropelado que atravessou a auto-estrada num local onde, legalmente, não era permitido (nem passadeira havia), provocando um despiste que poderia ter tido consequências terríveis para os ocupantes da viatura. No entanto, o Tribunal não chegará a pronunciar-se por já não ser possível citar o prevaricador.

Por último, talvez o MP proponha que o Tribunal se pronuncie sobre o montante da indemnização a atribuir ao veículo sinistrado, pelos estragos com que ficou e por ter sido obrigado a abandonar a carreira de que tanto gostava, não passando hoje de mais um "chaço" numa garagem qualquer. É vital que se faça justiça ao veículo que sofreu um acidente e disso não teve qualquer culpa.

Há momentos na vida em que o silêncio é o melhor discurso, por mais insistências e vontades que surjam. Todo este triste espectáculo seria evitado se, naquele fatídico dia 18 de Junho de 2021, Sua Excelência tivesse vindo a público, de preferência por escrito para evitar baboseiras, dizer que se ia embora e que o Estado assumiria, de imediato, as responsabilidades integrais junto da família do falecido, uma vez que já não lhe poderia devolver a vida.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Organização

Há muitos, muitos anos, tive nas mãos um postal, dirigido por uma repartição pública a um cidadão, que dizia o seguinte:

A fim de tratar de assunto do seu interesse, queira comparecer com urgência nesta Repartição, fazendo-se acompanhar deste postal.

O texto impresso trazia uma nota manuscrita com a seguinte mensagem: Devolver a esferográfica que, nesta data, retirou do balcão e levou.

Não mais esqueci o preciosismo e a organização revelados no postal. O visado compareceu, devolveu a esferográfica, sem pagar qualquer coima. Teve sorte, ficou a reprimenda.

Mais de meio século depois, a organização continua a primar pelo rigor, pela determinação e pelo cumprimento das regras, mesmo que sejam ilógicas, insensatas e inconsequentes.

  • Vacinação 
Recebido SMS com marcação para as 14H07, um rigor que indicia tudo pensado ao minuto, sem lugar para falhas. Chegada ao local, a pessoa depara-se com uma fila enorme e um "organizador" a proclamar, do alto do seu poder majestático:

- Fila única. A hora não interessa nada. Quem chega primeiro, entra. Seja covid, covid mais gripe ou só gripe.

  • Centro de Saúde
Ninguém à espera. Dedução: talvez os doentes não tenham ouvido os pedidos e continuem a dirigir-se às urgências do hospital.

Atendimento.

- O que sente?

- Dói-me a cabeça, tenho alguma tosse ...

- Não diga mais. Só às seis horas. Se não tivesse dito isso, era atendido. Assim, volte às seis.

 Organização sempre presente e acima de tudo. Os problemas alguém resolverá ...

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Sinónimos

A tasca era o centro de convívio, exclusivamente para homens, e na qual as mulheres só entravam, excepcionalmente, quando já noite fora e por força dos copos entornados, os maridos não conseguiam ter trambelhos para voltar ao ninho.

Todas tinham aspecto mais ou menos parecido, com duas ou três mesas no interior, entre a parede de fora e o balcão, comprido, que ocupava sempre toda a largura da loja. A entrada de quem trabalhava fazia-se por uma pequena "porta", sempre lá ao fundo, meia disfarçada que quase se não dava por ela.

Atrás do balcão, para além do taberneiro, que a todos servia, solícito mas sem grandes conversas, estavam as pipas, a grande ao meio e, em escada, mais três ou quatro de cada lado. O tonel maior era mais motivo decorativo do que utilitário. O vinho distribuía-se pelos mais pequenos e nem todos eram utilizados. A pipa grande ostentava, pendurado, um azulejo com bordadura "bordaliana" que, ao centro, tinha uma inscrição, em bonitas letras pretas:

"O que está não fia! O que fia não está!"

Quando passava, o Carlinhos mirava com toda a atenção o que se passava no interior da tasca. E o que via: o taberneiro numa roda viva a servir copos cheios de vinho tinto, que os homens, sôfregos, despejavam pela garganta abaixo. Nas mesas jogavam-se cartas e dominó, discutia-se muito, faziam-se silêncios, bebia-se de novo, voltava-se à discussão.

O azulejo intrigava. "O que está não fia?". Mas não se via por ali nenhum tecido, muito menos um tear. E aquilo confundia-o e perturbava-o o desconhecimento. Imaginava fundos falsos, gavetas enormes, talvez até algum sótão escondido. Um dia espreitou e, sorte, o taberneiro estava só. Entrou, cheio de coragem.

- Bom dia, Sr. António.

- Bom dia, Carlinhos. Olha que isto ainda não é para a tua idade. 

- Eu sei e não quero vinho nenhum. Só queria que me explicasse como se fia aqui, se não vejo nem tecido nem tear? 

A gargalhada foi imediata e exuberante. Exasperou-se o Carlinhos, ansioso pela resposta.

- Este "fia" não é do "fiar" que tu conheces. Também se diz quando alguém quer comprar qualquer coisa e não tem dinheiro para pagar. Pede fiado, comprometendo-se a pagar mais tarde.

- ???

- Ora eu não tenho dinheiro que me permita esperar pelo pagamento que, em alguns casos, não chega a aparecer. Tenho de receber logo, para poder pagar a quem me vende o vinho. Daí o aviso. 

- Percebi e aprendi hoje, na taberna, que uma palavra tem, muitas vezes, mais do que um significado. Obrigado, Sr. António. Vou ler mais! 

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

1º de Dezembro

O feriado de hoje comemora a restauração da independência, após sessenta anos de domínio espanhol, com três reis de nome Filipe. Os conhecimentos de História não são de molde a tecer grandes comentários sobre um acontecimento tão marcante, e muito menos para analisar as suas causas e consequências.

Fica apenas o registo do dia em que D. João IV foi aclamado Rei e deu início à IV Dinastia, a qual viria a durar até ao reinado de D. Manuel II. Em 5 de Outubro de 1910 acabaria, finalmente, o direito sucessório da governação e as lutas que, em seu nome, foram desencadeadas. E foram muitas.

A partir dessa data, a "cor" do sangue deixou de ser condição para exercer o mando, embora se mantenha, ainda, com bastante influência para abrir portas.

O berço não é determinante ... mas ajuda muito.