sexta-feira, 31 de março de 2023

Cumprimento

Cidadão sempre atento às notícias, obtive informação de que a entrega do IRS já estava disponível, ainda que o prazo determinado só se inicie amanhã. Nestes tempos de fake news e de incertezas, o melhor é verificar se é verdade ou não passa de uma atoarda para entreter papalvos e encher chouriços.

Fui ver, não a neve que caía do azul cinzento dos céus como dizia o poeta, mas se o sistema se abria à minha identificação fiscal e me proporcionava o acesso publicitado. Apareceu a informação. Era uma (des)agradável surpresa, ainda que eu estivesse prevenido para ela. Enfim, malhas que o império tece, de novo parafraseando outro poeta.

Executei os procedimentos indicados e confirmei. Já lá mora e, agora, basta esperar calmamente que me indiquem qual o prazo que tenho para largar o pilim. Se fosse dependente da minha vontade, não me importava de assumir o compromisso de pagar daqui a 20 anos. Assinava papel e tudo ...

Longe vão os tempos de preenchimentos manuais, papel químico, fila na repartição, conferência de facturas, etc., etc.

A tecnologia simplifica tudo. Sem espinhas!

quinta-feira, 30 de março de 2023

Partida


Um, dois, três, quatro ... cinco minutos de Jazz!

Acabou! José Duarte partiu hoje e o jazz perdeu um dos seus grandes divulgadores e conhecedores. Em apenas cinco minutos, era tanto o que se ouvia e aprendia! Em sua memória, ficam cá por casa 4 CD's editados em 2006, aquando dos 40 anos do programa de rádio que o celebrizou e que era o mais antigo no ar. É uma recolha meticulosa, como o era o seu autor.

Fica ainda uma colectânea de poesia com referências à música de jazz, organizada em parceria com Ricardo António Alves, da qual "saltou" esta pequena amostra.

INCONFIDÊNCIA MINEIRA

Tem dois escravos Padre Toledo:
José Mina, que toca trompa,
Antônio Angola, rabecão.
O padre mete-se no rocambole
da insurreição.
A Real Justiça levanta o braço
da repressão.
Engaiola o padre na fortaleza
de São Julião.
Confisca os músicos, confisca a trompa
e o rabecão.
Música-gente, crioula música
duas vezes
na escravidão.

Carlos Drummond de Andrade
Poezz - Jazz na poesia em língua portuguesa
Almedina (2004)

quarta-feira, 29 de março de 2023

Embirrações

Há coisas que me fazem fernicoques e com as quais embirro solenemente. Não sou infalível, longe disso, mas o descuido, a falta de rigor, o desleixo, os erros ortográficos, fazem-me pele de galinha e dão-me vontade de abanar os colarinhos dos responsáveis ... apenas durante alguns segundos, claro.

Nos noticiários de ontem e de hoje, várias vezes escutei que o navio NRP Mondego foi rebocado, em consequência de uma avaria tida quando se deslocava, em missão, para as Ilhas Selvagens. Acontece que a palavra navio está a mais no texto e quem escreveu a notícia não cuidou de ser rigoroso. As iniciais NRP são comuns à designação de todos os navios da Armada e significam Navio da República Portuguesa, dispensando, por isso, a repetição. Quem leu também tem alguma culpa, mas enfim ...

Para ajudar a "azia", dirigi-me hoje à entrada de um grande espaço comercial e, numa das portas, estava este mimo:

"Agradeçemos que utilizem outra porta, porque esta está avariada"

O corrector ortográfico estava desatento, quem mandou escrever não verificou, quem escreveu estava distraído.

A culpa é dos telemóveis. Emitem notícias sem parar e a grande maioria das pessoas dobram o pescoço para mirarem as novas e nem reparam no que se passa à sua volta. Só os picuinhas se exasperam com estas minudências ...

terça-feira, 28 de março de 2023

Consciência

A experiência de vida ensina que, por muito má que a atitude se mostre, deverá pôr-se em equação a hipótese da existência de alguma coisa que traga, não a justificação, mas o motivo para que a perda das estribeiras aconteça.

E quem, por muito ponderado que seja e bem educado que tenha sido, pode atirar a primeira pedra?

Os que estudam, conhecem e entendem o comportamento humano - não é o meu caso, humilde ser sem atrevimentos nesse ramo do saber - conseguem explicar os motivos que levam um qualquer ser humano a perder a noção do certo e do errado, do bem e do mal e a comportar-se de forma tão violenta que culmina na morte do outro.

Não há nenhuma justificação para um indivíduo matar duas pessoas e ferir mais algumas, como hoje aconteceu no Centro Ismaelita de Lisboa. A primeira reacção, perante a notícia, é de condenação clara, com a esperança de que a Justiça, não ressuscitando os mortos, castigue exemplarmente o criminoso. Daí a pouco, alguns pormenores vão acordando outros pensamentos e abrindo caminhos para outras avenidas de culpa, que podem ter contribuído para a criação do cenário que levou à desgraça.

O assassino é um refugiado afegão, que fugiu da guerra no seu país, acompanhado da mulher e de três filhos menores. Na caminhada que o trouxe até à beira do Atlântico, perdeu a mulher na Grécia. Chegou a um país distante, desconhecido, com cultura e língua completamente diferente, onde foi instalado e passou a viver, com os filhos, do apoio que lhe era concedido.

Não justifica o acto, mas deve deixar muita gente de consciência intranquila e a pensar que não deverá ser pelo aumento das capacidades militares que se resolvem os problemas no mundo.

segunda-feira, 27 de março de 2023

Teatro

Comemora-se hoje, em todo o mundo, o Dia Mundial do Teatro.

O Teatro da Rainha, como sempre, assinala a data, repondo, no pequeno auditório do CCC, a peça "Discurso sobre o filho-da-puta", de Alberto Pimenta. Pelo país fora, há muitos outros espectáculos, com toda a gente que intervém, trabalha e gosta de teatro, a tentar cativar cada vez mais espectadores para esta actividade cultural antiquíssima, fundamental para o crescimento, o saber e a diversão de todos nós.

O ano de 2023 ficará para a história das comemorações bem sucedidas e com uma divulgação adequada, feita por ilustres representantes da nação, além-fronteiras e com três dias de antecedência.

Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa deslocaram-se à República Dominicana, onde participaram na 28ª Cimeira Ibero-Americana. No intervalo dos trabalhos e de alguns mergulhos nas águas cálidas caribenhas, resolveram antecipar as comemorações e levar à cena uma peça que bem podia ter como título "Cenas da vida conjugal", sem necessidade de aquisição de bilhetes e disponível para todo o mundo que tinha, naqueles momentos, a televisão ligada. Os que não estavam disponíveis ainda poderão ter acesso, graças às novas tecnologias play.

E foi bonito de ver como o teatro faz milagres, não com o "simples vestido preto" da saudosa Ivone Silva, mas sim com as camisinhas brancas e compridas, distribuídas pela organização da cimeira. A encenação foi impecável, os dois actores estiveram muito convictos do papel que desempenharam, o texto era adequado e assertivo.

As palmas batidas no mundo inteiro não puderam ser ouvidas pelos dois actores em cena, circunstância que os deve ter deixado um pouco tristes, sabendo-se que essa é a grande recompensa de quem pisa um palco.

domingo, 26 de março de 2023

Flores

Convive, de perto, com as roseiras, as hortênsias, uma fileira de framboesas, alguns jarros e meia dúzia de sardinheiras. A ginjeira, mais afastada, ocupa um espaço que já foi seu, dominando a parte final da "álea". Marca bem a sua qualidade de "habitante" mais antiga do jardim e, como a antiguidade é um posto, controla toda a área, exibindo a sua autoridade sem peias nem cedências.

Faz questão de florir antes de todas as outras que lhe fazem companhia, e já vai dando possibilidades às abelhas de recolherem a matéria-prima que há-de ser transformada em mel e ir adoçar a boca a muita gente. E cada vez há mais gente a precisar de ter a boca doce ...

Chama-se glicínia. Por aqui vive há mais de três dezenas de anos e, de novo, já exibe os seus cachos bonitos e bem cheirosos, provando que a Primavera está instalada e a praia quase a chegar.

É muito bonita a minha glicínia!


sábado, 25 de março de 2023

Lirismo

"Numa sociedade democrática, as leis têm de ser cegas, claras e iguais para todos. A nossa obrigação é tentar fazer com que isso aconteça."

Há quase meio século que aprendi esta formulação, sempre presente nas palavras do consultor jurídico a quem, na altura, dava apoio. Era um lírico, digo sem receio de o ofender, por já cá não estar e porque, hoje, encontrar uma lei clara, concisa e sem segundas intenções é quase tão difícil como achar a agulha num palheiro.

Era o tempo do voluntarismo, da pressa de resolver, da tentativa de criar a sociedade mais justa e mais feliz para todos. Hoje, todos esses sonhos se eclipsaram, e as influências, as cunhas, os interesses, voltaram em força, fazem parte do dia a dia dos actualizados e fecham portas aos que, líricos, pensaram um dia que o homem se transformaria e que o elevador estaria disponível para todos os que pretendessem a ele aceder.

Dois exemplos:

1. Com pompa e circunstância, o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, visitou uma residência para estudantes, construída pelo esforço e empenhamento de privados, talvez com um pequeno apoio de moedas públicas, que pratica rendas entre os 700 e os 1.000 Euros mensais a cada um que para lá vá morar. Está bem de ver que, com estes preços, só não estuda quem é burro...

2. O arrastamento da decisão sobre o hipotético julgamento de José Sócrates, que evolui há quase uma dezena de anos, demonstra bem que os interesses, as habilidades, os jogos, e mais uma infinidade de vírgulas e pontos finais, conduzem a uma situação vergonhosa para a sociedade e para o acusado. 

Haja meios que o tempo vai conseguir resolver tudo e toda a gente ficará amplamente satisfeita e orgulhosa por viver num estado de direito, igual e acessível a todos.

sexta-feira, 24 de março de 2023

"Férias"

Tudo calmo, sem gritos nem ralhos. Ouvem-se os sons dos ecrãs controladores, onde são mostrados permanentemente vários indicadores, da tensão arterial ao ritmo cardíaco, passando por mais três ou quatro, de entendimento apenas acessível a quem sabe do ofício.

A diferença para o dia de ontem é enorme. Dos oito "convivas", três estavam baralhados, descompensados, sem saber onde estavam nem o que queriam, desconhecendo o dia da semana, o mês e também o ano. Tudo limpo, como se tivesse sido feito o reset. Gritavam, ralhavam, barafustavam, asneiravam, com todo o vernáculo conhecido há muito ... e a culpa era de quem os tentava ajudar.

A ciência e a persistência controlaram dois. O terceiro perdeu o controlo completo e partiu para a viagem que, de acordo com a versão de uma profissional sempre bem disposta e a quem as agruras pareciam não afectar, se acede com a Via Verde to the sky.

Em todas as experiências há dois lados, como acontece nas moedas: a cara, feliz, de quem começa a perceber que o dia vai ficar mais azul e terminará, ali, antes de o sol se pôr; a coroa, para os que tiveram acesso obrigatório à tal Via Verde, que garante transporte gratuito, sem identificador ou bilhete. Há uma terceira via, instável, que acolhe os que (ainda) estão na corda bamba e sem certezas para a direcção da queda. 

Ainda bem que correram comigo e regressei ao cantinho da Costa Mota, antes que as atenções que tive me alimentassem o sonho de por lá ficar.

quinta-feira, 23 de março de 2023

Intervalo

Nem sempre as canetas escrevem, umas por falta de tinta, outras por terem tinta a mais. Com as novas tecnologias acontece a mesma coisa e a culpa é delas.

quarta-feira, 22 de março de 2023

Palavras bonitas

Quem me ensinou a ler e a escrever e, por isso, eterna responsável pelas minhas irresponsabilidades nesses campos, de quando em vez lembra-se de espalhar as suas capacidades, agora utilizando esse grande rio de conhecimento que são as redes ditas sociais.

Num pequeno poema que publicou na sua página do Facebook, fazendo jus à sua capacidade de acompanhamento das novas tecnologias, a minha irmã mostrou que, quando quer, debita palavras assertivas e actuais e que o criador será, neste caso concreto, muito superior à criatura.

Dia da Poesia, diz a gente,
Outros mais, de hipocrisia
E de infâmia, mais certo,
Já que a "bomba inteligente"
Com sucesso (diz quem manda)
Varre as portas da Ucrânia
Aqui tão perto,
E mais além, noutra banda.

Dia da Poesia, utopia
Sem ter sorrisos nem Esperança
Crescendo, vendo só guerra,
Vivendo a dor que ela encerra
Nos olhos de uma criança.

Lurdes Sousa Santos
21.03.2023 

terça-feira, 21 de março de 2023

Saxofone

Hoje é dia de ouvir saxofone, aqui para criar ambiente, e lá fora, num dos espaços museológicos da sempre linda vila de Óbidos, para usufruir de algumas borboletas na barriga, postas a descoberto pela emoção que aparece sempre, mesmo sem ser convidada.

segunda-feira, 20 de março de 2023

Sabedoria

De acordo com o que diz quem sabe, a Primavera chega hoje, lá pela boquinha da noite, talvez para não dar muito nas vistas ou sujeitar-se a algum assalto maquiavélico de uma série de mãos empunhando um microfone, ainda que protegido por um cálice de espuma.

Ainda quem sabe também disserta sobre a crise bancária que não irá acontecer salvo se ... acontecer. O Credit Suisse já foi absorvido pela UBS, faliram meia dúzia de "banquecas" nos States, mas certo, certo, é que nada disso afectará a restante banca europeia, como, aliás, se tem verificado em outras ocasiões.

Faleceu Rui Nabeiro e continuando a ouvir quem sabe, foi um empresário extraordinário que, de uma empresa quase nula fez um grande império, de acordo com o presidente da CIP, que nos inunda com a sua enorme sabedoria e experiência.

Rui Nabeiro dizia que os seus trabalhadores eram a essência das suas empresas. Na sua longa vida, deu-lhes formação, tranquilidade, apoio, confiança e, fundamental, disponibilizou-lhes os seus ouvidos atentos, sempre que foi necessário. Se todos reconhecem este mérito, poder-se-á perguntar a razão pela qual a grande maioria não imita.

Agora que Rui Nabeiro já não pode transmitir, de viva voz, o segredo, talvez fosse útil a muitos que fizessem uma leitura do "Almoço de Domingo", que José Luís Peixoto escreveu, deixando no papel e para a posteridade, um testemunho enorme de inteligência e humildade.

Abram-se as portas à Primavera, para que a Prima Vera e todos os seus pares que por aqui vivem, deixem de vegetar e sintam que, ao menos, uma florzinha a abrir-se e a dar-lhes esperança de aparecer melhor fruto.

domingo, 19 de março de 2023

Dia do Pai

Se (ainda) por cá estivesse, o meu pai celebraria hoje 101 anos e apagaria as velas do bolo com a gana e a vontade que sempre o nortearam numa vida de duração significativa, com muito trabalho esgotante e, por vezes até, escravizante.

FOLHINHA

Murchou a flor aberta ao sol do tempo.
Assim tinha de ser, neste renovo
Quotidiano.
Outro ano, 
Outra flor, 
Outro perfume.
O gume
Do cansaço
Vai ceifando,
E o braço
Doutro sonho
Semeando.

É essa a eternidade:
A permanente rendição da vida.
Outro ano,
Outro flor,
Outro perfume,
E o lume
De não sei que ilusão a arder no cume
De não sei que expressão nunca atingida.

Miguel Torga
Orfeu Rebelde
Gráfica de Coimbra (1992)

sábado, 18 de março de 2023

Lembranças

A carreira de tiro estava situada a cerca de cinco quilómetros do quartel e a ela se chegava a pé, após um percurso deliberadamente escolhido, bem sinuoso e por caminhos que nem as cabras utilizavam. Se, nessa época, já existissem estas modernices dos relógios que contam passos e dão distâncias, surgiriam caminhadas de, pelo menos, o dobro.

Naquele dia, o treino era de tiro de G-3, individual e deitado. Dez garbosos recrutas deitavam-se frente aos alvos e, à voz de comando, puxavam o gatilho. No final, cada alvo era analisado e pontuado, contribuindo para a classificação final que iria determinar a ordem de mobilização para a guerra colonial, presente todos os dias como destino. Ao segundo tiro, a G-3 encravou e a bala não saiu. A aflição foi grande e o braço levantado pediu ajuda ao Tenente que comandava a instrução de tiro, conhecido como muito rígido, talvez por passar todo o dia fechado naquela espelunca onde só se disparava. Com a pressa de resolver o problema, o corpo rodou e a G-3 deixou de estar  apontada ao alvo e acompanhou o movimento.

A vardascada foi lesta e o correctivo verbal, recheado de vernáculo e bem alto, para todos ouvirem, soou de imediato.

- Ninguém aqui se pode esquecer que a nossa arma só faz fogo em frente ... Cada um de nós é parte de um todo e tem de ter isso presente em cada momento. Levanta o braço mas mantém a posição. Não esquecer isto, seus ...

As forças militares têm regras próprias e os "plenários" devem fazer-se antes da aprovação da ordem de operações. Depois, é executar o melhor possível e de forma a que corra bem para todos. Na operação não há discussão. 

Acabado o serviço militar obrigatório de triste memória para os que o tiveram de suportar, quem não quer, não pode ou não sabe ser assim, tem a porta da rua que é a serventia da casa, podendo escolher ser canoísta do Mondego ou mariscador de berbigão, mas não mais membro da tripulação de um NRP.

sexta-feira, 17 de março de 2023

Carapaus

A vizinha tinha entrado sem ser convidada, como era costume. Os seus olhos não saíam da frigideira e o nariz parecia extasiado, se é que o apêndice que nos divide a face também tem emoções.

- Ora viva! Gosta de carapauzinhos fritos, de um dia para o outro?

A pergunta foi oportuna e surtiu um efeito trapalhão na resposta.

- Adivinhou. Adoro carapauzinhos fritos, sempre. Quanto mais pequenos, melhor, e bem fritinhos, para ser possível comer tudo, espinhas incluídas.

A compostura foi recuperada num ápice e os olhos riram-se, diante da perspectiva do petisco adorado e ainda por cima de borla.

- Ainda bem. Passe por cá amanhã, que eu estou a fritá-los agora.

A mulher fritava os carapaus adquiridos logo pela manhã. A peixeira, que percorria a aldeia com a canastra na cabeça sempre coberta pelo lenço enorme e bem ornamentado de cores e flores diversas, raramente trazia os carapauzinhos indicados para fritar. Era claro que o peixe comprado era pouco para a prole e, por isso, não era muito indicada a hospitalidade e a partilha. A prole era grande, adorava aqueles peixinhos pequenos, acompanhados de um arroz de tomate saboroso, como sempre.

A habilidade da linguagem transmitiu o recado, sem hostilizar nem criar qualquer sentimento de recusa. Como todos sabem, os carapaus fritos ainda podem ficar melhores no dia seguinte ... quando sobram.

O problema é que nunca sobram ... são tão pequeninos e óptimos.

quinta-feira, 16 de março de 2023

Partidas e chegadas

Passam hoje 49 anos sobre a partida dos militares do (então) Regimento de Infantaria 5 em direcção a Lisboa, numa viagem que não concretizaria os objectivos, culminaria com a prisão de todos os envolvidos, mas ficaria como prólogo do 25 de Abril, que surgiria daí a pouco mais de um mês.

Também hoje se registam os 30 anos da partida de Natália Correia, escritora de quem me habituei a gostar há muitos anos e cuja irreverência e forma de estar sempre apreciei, e muito.

Ao registo das duas partidas teria sempre de corresponder, pelo menos, uma chegada. E assim aconteceu. Não esperava que o rigor da editora fosse tanto, mas hoje, pouco antes da hora do almoço, o carteiro (não o que toca duas vezes, que este conhece os cantos à casa e sabe bem o que deve fazer quando, ao simples toque na campainha, não lhe aparece ninguém) tocou e, em conjunto com a Visão e a Gazeta, entregou o embrulho registado, esperado e mesmo a tempo de ser hoje começado.

O Dever de deslumbrar - Biografia de Natália Correia, é um livro escrito por Filipa Martins, que traz o dever de deslumbrar os seus leitores e transportar muitos detalhes de uma vida cheia que a grande escritora teve. Pena ter sido tão curta. São "só" 695 páginas que irão ser lidas, creio, num ápice e sempre com deleite.

quarta-feira, 15 de março de 2023

Boné

Traz sempre o boné, já velho, que, na maior parte do tempo segura na mão, a evidenciar a subserviência e o respeito pelos outros, conforme aprendeu muito novo e lhe foi incutido como dever. Já ninguém lhe pede que descubra a cabeça nem que mostre esse claro acatamento das diferenças. Muita gente fica, até, incomodada com um comportamento tão antigo e hoje claramente desnecessário, e talvez, até, ofensivo. Foi assim que aprendeu e não consegue alterar.

- Deixe-se disso. O respeito pelos outros é bonito, necessário, até agradável de notar, mas só isso.

Mas ... não consegue cumprimentar ninguém sem tirar o boné. O gesto é automático, irreflectido, instantâneo. E lá segue na sua viagem, descobrindo-se no cumprimento, em qualquer serviço público, na loja, no café, na igreja. Em todo o lado o Zé tira o boné. A ausência de cabelo devia torná-lo mais cuidadoso, mas não é isso que acontece. Foram muitos anos a reverenciar os outros, descobrindo a cabeça que agora é careca e não tem medo de apanhar algum resfriado. 

Usar boné é hoje ser distinto, estar à la page, ter presença, ser notado, reconhecido e distinguido, sem necessidade de tirar o dito, não vá o cabelo aparecer oleoso e com sinais de ausência da higiene diária.

O Zé é teimoso e continua a retirar da cabeça o seu velho boné, sempre que cumprimenta alguém ou entra na roda. Tem cá um feitio ...

terça-feira, 14 de março de 2023

Tarefeiro

No final de uma tarde agitada pelos objectivos a cumprir e pelas tarefas distribuídas para execução (já vai faltando o treino dos compromissos e dos horários), nada melhor do que ouvir boa música, executada maravilhosamente pelos dedos de quem sabe e tão bem toca.

segunda-feira, 13 de março de 2023

Moinhos de vento

O papel tinha sido lá colocado há cerca de 15 dias. Indicava o número de telefone e pedia um contacto, por haver necessidade de conversar sobre assunto importante para os dois, ainda que não houvesse conhecimento entre ambos.

O moinho está lá bem no alto, visitado sempre pelo vento agreste e muito raramente por pessoas. Hoje, em mais uma ida à "senhora da asneira" em busca de alguém, de gente nem rasto. O papel já não estava no sítio onde tinha sido colado e eram visíveis as marcas deixadas pela fita adesiva que o segurava. Uma olhadela em volta e lá estava ele, ainda dentro da mica de plástico que o protegia dos malefícios do tempo.

- Alguém leu ... mas não passou cartão.

Na Junta de Freguesia, nenhuma das duas funcionárias sabia quem era o proprietário, mas aquela "senhora de idade" que ali está, deve saber.

- Conheço bem ... está em França ... mas a filha está cá.

- E a senhora sabe onde ela mora?

- Segue por ali abaixo, corta à direita e, depois, é uma casa branca ... na subida.

Tudo clarinho como água ... para quem conhece.

- A senhora não se importa de vir connosco e indica-nos?

- Pode ser.

Quatrocentos, quinhentos metros, não mais. E era bastante fácil ... para quem conhece. A filha conversou, disse que tinha visto o papel e telefonado para o pai, informando-o.

- Ele disse-me que lhe ia mandar uma mensagem.

Deve ter havido algum contratempo nos Pirenéus ou o vento de lá soprou forte e a mensagem não conseguiu fazer a viagem. O que havia a tratar, foi tratado, olhos nos olhos, como convém.

O moinho lá continuará e irá assistir à limpeza do terreno e ao desbaste dos pinheiros, com conhecimento do dono, que foi moleiro e já não é, e que não ficará surpreendido quando vier de vacances.

É fundamental haver boa vizinhança, mesmo não conhecendo os vizinhos.

domingo, 12 de março de 2023

Rotinas

Como já inúmeras vezes por aqui ficou registado, o passeio matinal junto da Lagoa é um privilégio, uma beleza e um grande prazer. 

Hoje foi mais uma manhã sem vento, com o céu a anunciar a primavera e o mar a mostrar que está nas melhores condições para receber os surfistas que competem em Peniche, batendo com força na rocha e lixando o coitadinho do mexilhão, desgraçado nem sequer ouvido no acto de que nasceu e muito menos na fixação da data para a competição nos Supertubos.

A vista extasia e determina concentração, fazendo esquecer a quantidade de pilim que nos vai custar a saída da presidente da TAP, o cacau que está a ser arrecadado pelos que, atentos, se enchem à custa da guerra e da inflação e nunca, garantem, pelo seu egoísmo e ambição. Entretanto, o carcanhol do palco-altar já se encafuou nos meandros da sacristia, caminho que seguirão os problemas que afectam hoje a vida religiosa e estão a exigir a permanência dos bispos na ribalta.

Entretanto, Marcelo voltou às lides, depois de meia dúzia de dias de silêncio esclarecedor. Aproveitando o aniversário da sua segunda tomada de posse, zurziu com força António Costa e o seu, dele, governo, e deixou clara, finalmente, a sua posição sobre a actuação dos bispos.

Com tudo isto, daqui a pouco o Benfica joga na Madeira, o domingo está quase no fim e Março já cumpriu mais de um terço do seu caminho. Tudo se repete, para que seja sempre diferente.

sábado, 11 de março de 2023

O que lá vai ... foi!

Não adianta viver de recordações e, muito menos, abrir com os olhos de hoje as páginas do que aconteceu há longos anos.

Vale a pena, todavia, reflectir um pouco para concluir que vivi muita coisa, boa, má, ou assim-assim, ou melhor, passei por elas. E todas contribuíram para me tornar maior e, talvez, espero eu, melhor, recusando sempre a lamechice e evitando a presunção, por ter a certeza de que uma é inconveniente e a outra, parva. O tempo que fez ontem já não me perturba nada.

Há 48 anos, este dia foi comprido, enervante e duro. Passou, é passado. 

Os historiadores, daqui a 100 anos, hão-de passar por ele e deixar uma pequenina nota de rodapé sobre o acontecido. Os que o viveram, directa ou indirectamente, ainda bem que caminham a passos largos para o esquecimento total.

sexta-feira, 10 de março de 2023

Surpresa

A Tradisom envia, regularmente, notícias sobre as suas edições, normalmente "fora da caixa" , sempre com grande qualidade e que não se ouvem nos canais radialistas, talvez por não caberem nas playlist prévia e cientificamente elaboradas.

Ontem chegou a última compra efectuada: um CD, de Pedro Branco, com o título AMOR. Para além de ser extraordinariamente agradável de ouvir, tem uma apresentação apelativa e de alta qualidade. Fui folheando enquanto ia ouvindo as músicas. Eis senão quando me deparo com uma fotografia de um dos músicos, que incluía um pequeno texto. O retrato era do Iúri, inconfundível.

Conheci-o bem miúdo, a esforçar-se por conseguir ser escolhido para a equipa de natação, o que conseguiu, claro, obtendo bons resultados, sempre à custa da sua muita humildade e de muito trabalho. Depois, foi nadador-salvador na Foz do Arelho e, ainda hoje, muita gente recorda a sua entrega e o seu profissionalismo, sempre firme, delicado e bem disposto. A música levou-o daqui e ainda bem. Tem corrido mundo e é tão agradável ouvi-lo fazer a percussão para grandes artistas quanto saber como continua a ser querido por todos e em todo o lado.




quinta-feira, 9 de março de 2023

Alcatruzes

Prosseguem, tranquilamente, o seu percurso, dando a oportunidade a que, nuns, a vida corra bem, noutros nem tanto, noutros ainda, seja impossível perceber o que acontece, como acontece e porque acontece. Ainda assim, seria muito mais fastidioso se os dias fossem como os alcatruzes da nora, sempre tirando a água do poço num ritmo constante e repetitivo que, ao fim de algum tempo, se torna rotina clássica, desenxabida e desinteressante.

Felizmente que a vida não é como a nora nem os seus alcatruzes são iguais. Tem a grande vantagem de nos oferecer dias melhores ou piores, mas todos diferentes. 

Faz hoje 45 anos que nasceu uma mulher extraordinária, mãe extremosa e filha para quem não há adjectivos adequados ao seu nível. É "só" a minha filha, que hoje completa mais um aniversário, para me encher de alegria e muita satisfação.

Parabéns, querida filha, e mantém sempre presente que os alcatruzes da nora são repetitivos mas os dias da vida nunca o serão. Amanhã será sempre diferente.

quarta-feira, 8 de março de 2023

Palavras bonitas

No Dia Internacional da Mulher, escritas por uma grande mulher a falar de sua avó, outra enorme mulher nos tempos em que ainda era mais difícil sê-lo.

REVOLUÇÃO FRANCESA

Andou
na revolução francesa
desassossegou o coração

Foi amiga daquelas
que gritaram
caminhou com elas

Pisou o mesmo chão

Esteve nas assembleias
revolucionárias
fizeram com o seu grito

Um imenso cordão

Maria Teresa Horta
Poemas para Leonor
D. Quixote (2012)

terça-feira, 7 de março de 2023

Venham mais cinco ...

... para a minha irmã, que hoje faz anos mas não quer saber quantos, muito menos que alguém os conte e divulgue o resultado.

segunda-feira, 6 de março de 2023

Livros (lidos ou em vias disso)

O meu amigo ADS "obrigou-me" a reler o livro meu homónimo, escrito por Virginia Woolf em 1928 e trazido até nós em variadíssimas edições, a última das quais é a que hoje terminei. Tanto quanto me lembro e como é referido no prefácio, esta edição traz algumas diferenças em relação às anteriores mas, no fundo, a mesma essência.

O romance pretende ser uma biografia de Orlando, um ser humano cheio de "eus", os mais diversos, de tal modo que nasce masculino, cresce rapaz, e, já bem adulto, torna-se uma mulher, com uma imaginação imensa, que a leva a percorrer o mundo, no tempo e no espaço, sem sair do conforto do seu nobre casarão.

Actual, sem qualquer dúvida.

"(...)     - Mas, então, o quê? Quem? - perguntou. - Trinta e seis anos; num carro; mulher. Certo, mas também um milhão de outras coisas. Serei uma snobe? As condecorações, o brasão, os meus antepassados; se me orgulho deles? Sim! Ambiciosa, voluptuosa, depravada; será que sou?

(Aqui entrou outro eu.)

 - Quero lá saber se sou ou não. E serei de confiança? Acho que sim. Generosa? Ah, mas isso não conta.

(Já era outro eu.) 

- Passar a manhã na cama, nos meus lençóis da melhor qualidade, a ouvir os pombos; faqueiros de prata; vinho; criadas; criados. Serei mimada? Talvez. Demasiado a troco de nada. Daí os meus livros.

(E saíram-lhe cinquenta títulos de recorte clássico, que julgamos serem aquelas suas primeiras obras românticas, que rasgou.)

- Oco, fala-barato, romântico. Mas - (e entrou outro eu) - uma nulidade, um desajeitado. Mais desastrado seria impossível. E ... e ... 

(Aqui, hesitou, em busca da palavra certa, e, se sugerirmos <<amor>>, é possível que nos estejamos a enganar, mas o certo é que ela riu e corou e depois exclamou:)

- Um sapo incrustado de esmeraldas! Henrique, o arquiduque! O tecto cheio de varejeiras!

(E entrou outro eu.) (...)"

Orlando
Virginia Woolf 
Cavalo de Ferro (2021)

domingo, 5 de março de 2023

Palavras bonitas

    disseram: mande um poema para a revista onde colaboram
                                                                                        todos
    e eu respondi: mando se não colaborar ninguém, porque
    nada se reparte: ou se devora tudo
    ou não se toca em nada,
    morre-se mil vezes de uma só morte ou
    uma só vez das mortes todas juntas:
    só colaboro na minha morte:
    e eles entenderam tudo, e pensaram: que este não colabore
                                                                                        nunca,

    que o demónio o leve, e foram-se,
    e eu fiquei contente de nada e de ninguém,
    e vim logo escrever este, o mais curto possível, e depressa, e
                                       vazio poema de sentido e de endereço e
                                       de razão deveras,
    só porque sim, isto é: só porque não agora

Herberto Helder
Servidões
Assírio & Alvim (2013)

sábado, 4 de março de 2023

Arte na rua

Finalmente, a Rota Bordaliana chegou ao bairro dos ceramistas. 

Foram hoje inauguradas duas excelentes peças de cerâmica contemporânea, da autoria de dois ceramistas caldenses, ainda novos, mas já com largo currículo. Mário Reis e Carlos Enxuto trouxeram a arte para o Bairro onde estão imortalizados quase todos os ceramistas e onde, durante largos anos, viveram muitos dos operários das fábricas da cidade.

As obras foram instaladas na confluência de três ruas de ceramistas célebres - Manuel Mafra, Eduardo Mafra Elias e Francisco Gomes de Avelar - e bem perto de Costa Mota e do Estragado.

O Bairro da Ponte ficou, hoje, muito mais rico.


sexta-feira, 3 de março de 2023

A ver passar os comboios

Miguel Sousa Tavares é, para mim, de leitura obrigatória, quer como colunista quer como escritor. Na sua crónica, no Expresso de hoje, traz nota do que era notícia há 30 anos, transcrevendo um seu editorial da altura, ao qual eu acrescento, da minha lavra e com conhecimento de causa, que há 50 anos, a automotora que circulava na linha do Oeste a uma velocidade "estonteante", proporcionava uma viagem de quase três horas da capital às Caldas, o mesmo que hoje demora, com uma vantagem: havia mais horários.

As centenas de pessoas que, todos os dias, se deslocam para trabalhar e estudar em Lisboa, continuam a ter de utilizar os autocarros altamente fomentados na cavacada e mantidos pelos que se lhe seguiram, não perdoarão a inépcia com que foi tratado o seu futuro, quando toda a Europa há muito apontava o caminho certo.

"(...) Em Março de 1993, há exactamente 30 anos, a revista "Grande Reportagem", de que eu era director, saiu com uma capa cujo título era "Os comboios também se abatem". Lá dentro vinha um extenso trabalho documentando o que estava a ser a paulatina destruição de uma empresa e de todo um sector fundamental para o país, cuja estrutura demorara gerações a pôr de pé e que estava a ser liquidado pela aposta saloia no betão, nos combustíveis fósseis e na desertificação do interior. Fui ler agora o que então escrevi no editorial desse número da "Grande Reportagem" - repito, há 30 anos:

" Em nome da rentabilidade económica, esforça-se para fazer compreender às populações do interior que uma camioneta da Rodoviária em vez de um comboio é o progresso. Enquanto em toda a Europa e nos Estados Unidos o transporte ferroviário está a ser recuperado como opção prioritária, entre nós todos os anos se encerram linhas, se abandonam populações, se deixam cobrir de mato e de nostalgia aquelas belíssimas estações do interior que custaram o esforço e o dinheiro de gerações para construir. E, apesar disso, os prejuízos da CP continuam a acumular-se ... A rentabilidade económica não é fechar linhas, abandonar património, contribuir para o isolamento das populações e para a desertificação do país ... É, por exemplo, a modernização das principais linhas (Lisboa-Porto e Lisboa-Algarve), exigir que não se continue a demorar três horas e meia a ir de Lisboa ao Porto ... No fundo, o que está em causa é, como sempre, uma questão de cultura: o que leva a CP a fechar linhas do interior é o mesmo que leva o ministro da Agricultura a propor que, em vez de fazer agricultura, se plantem eucaliptos; é o mesmo que leva as Câmaras Municipais a achar que o progresso consiste em urbanizar tudo o que ainda não foi estragado ... Nunca houve em Portugal um poder tão arrogantemente inculto, tão incapaz de pensar o país para além de uma simples lógica de merceeiro suburbano."

Lidas hoje à distância de 30 anos, estas palavras doem-me duplamente: não sei se fui eu que envelheci em vão ou se foi Portugal que envelheceu sem sair do mesmo sítio. Mas é incrível como os comboios continuaram parados no mesmo lugar e essa empresa pública que é a CP hoje é sinónimo de Crime Público continuado, tendo apenas acrescentado às nossas contas mais uns largos milhões de prejuízos sem nenhum fim nem finalidade à vista.(...)"

Julgava eu, há 50 anos, que seria possível transformar, inovar, acrescentar, melhorar, no interesse e em benefício de todos. A CP, infelizmente, não é caso único! 

quinta-feira, 2 de março de 2023

Mãe

E, num instante, passaram 19 anos.

A minha mãe foi, é e continuará a ser a mais bonita. Era-o, na realidade, na beleza exterior, no seu íntimo e por ser a minha.

quarta-feira, 1 de março de 2023

Capicua

Confusão? Nem por sonhos. Capicua é um desafio e uma descoberta: ler da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda e ter sempre o mesmo resultado, é fascinante. Não apenas com dois números, sejam eles dois uns, dois dois, dois três ou dois quatro, ou muitos outros, bem longos, que se apresentem tal qual o espelho nos mostra a cara, ainda que, agora, cada vez mais deformada pela matemática do tempo.

Nos números não acontecem equimoses temporais. Uma capicua surge com a mesma beleza em dois algarismos como em 34743, número que nada encerra e muito menos encarna. Podia reflectir uma quantidade de euros que alguns ganham mensalmente e muitos invejam, sempre esperançados que, um dia, talvez a capicua de cinco números lhe surja pela frente no recibo do vencimento, dando-lhe, então, plena satisfação a sua leitura, quer comece da esquerda ou inicie pela direita, como parece estar agora na moda. Se a capicua for de sete números, por exemplo 6458546, tanto melhor, mas em euros e na folha do vencimento será ambição desmedida.

Ainda que adore fazer capicuas - no meu caso, a 25 de Abril, e já lá vão seis -, gostava de conseguir ler pelo menos a sétima, sempre com a esperança de que a leitura seja mais clara pela esquerda. Foi sempre assim que li, para quê alterar?