quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Semelhanças

O carro aguardava, estacionado perto do portão da escola, a chegada do "passageiro" que havia encomendado o serviço. O condutor, como sempre, lia um dos livros que, hoje, lhe faz companhia, completamente alheio ao burburinho da saída das aulas para almoço. 

De repente, a porta abre-se, cai uma mochila no banco e surgem uns óculos na cara de uma jovem, distraída com o telemóvel na mão e corada de esforço, talvez resultante da aula de educação física (ou não!).

Não deu logo pelo lapso. Antes de se sentar, levantou os olhos e ... 

- Desculpa ... o carro é igualzinho! Desculpa ... desculpa ...

Estava ainda mais corada quando retirou a mochila e marchou, rápida, em busca do seu transporte. 

Definitivamente, aquele não era o "Uber" que lhe estava destinado! 

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Jornalismo

Cada vez vejo menos televisão, ainda que o aparelho possa estar ligado na sala onde me encontro. 

Apesar disto, vou-me apercebendo de algumas alterações tendentes a prenderem a atenção, mesmo dos mais distraídos. Nas notícias, agora, o écran está quase sempre dividido em três ou quatro "janelas", onde as personagens convidadas, conjuntamente com o jornalista, peroram sobre um qualquer assunto, ao mesmo tempo que vão sendo exibidas imagens, normalmente desactualizadas, sobre o pretenso tema em discussão ou análise. Deve ser a forma de enaltecer a única coisa válida: a imagem, mesmo desactualizada, ainda vale mais que mil palavras.

Estamos na época da gripe, de novos vírus, do "ressuscitar" do sarampo, da necessidade de vacinas. Para ilustrar estes factos, as televisões - todas elas - escolhem a imagem. E nada melhor do que a agulha a penetrar no braço nu da criança, com o choro sofrido em fundo e bem audível, para que não surjam dúvidas, se atraia a atenção e haja audiências.

Deve estar a ser muito difícil ser jornalista ...

sábado, 27 de janeiro de 2024

Dois pesos ...

Tenho consciência plena de que a minha inteligência é ínfima se comparada com a do senhor Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Seria como comparar a colina do Santo Antão aos Himalaias e ninguém, com "dez réis de caco" se atreve a uma alarvidade dessas. Por isso, procuro sempre reduzir-me à minha insignificância e tenho feito um esforço tremendo para procurar entender as decisões que, nos últimos tempos, têm sido tomadas. 

Cá de baixo e já meio pitosga, miro com dificuldade o que se passa no alto da montanha.

Confessada esta fraqueza, talvez se consiga compreender a minha dificuldade em entender a razão pela qual o senhor Presidente da República não anunciou, ainda que para data diferida, a dissolução do Parlamento da Madeira e a convocação de eleições regionais, após a demissão do Presidente do Governo Regional, Miguel Albuquerque.

No futebol, para o adepto ferrenho, nunca há grandes penalidades contra o seu clube. 

quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

24 Janeiro

Dia azul, como o Danúbio, sol radioso, temperatura agradável, oceano com ondas grandes, um bom almoço e ... excelente música.

Que mais se pode querer num dia tão especial?

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Alianças

A AD, coligação recauchutada da original de 1979, reúne, de novo, os três partidos que lhe deram vida naquela época: PPD, CDS e PPM.

Os anos passaram, as circunstâncias alteraram, os homens mudaram, as necessidades obrigaram, e ei-la ressuscitada para concorrer às próximas eleições. A princípio foi anunciada a dois e reconfigurada depois de o PPM se ter colocado em bicos de pés e reclamado a sua importância histórica (e histérica).

Ontem decorreu a convenção de apresentação, com inúmeras personalidades a botar faladura, a prometer, a divagar, a idear, na busca da melhor estratégia para conseguirem os seus, legítimos, objectivos. Do PPM nem rasto. O fadista não conseguiu ou não quis lugar na plateia e muito menos na tribuna. Talvez tenha perdido a voz numa noite mais puxada e tenha ficado em casa, a recuperar ou a ler o Auto da Índia, de Gil Vicente, bem adequado ao momento que vive.

        (...)

        Ama            
                            Vós querieis ficar ca?
                            Agora he cedo ainda;
                            Tornareis vós outra vinda,
                            E tudo bem se fara.
        Castelhano
                            Á qué hora me mandais?
        Ama
                            Ás nove horas e nó mais.
                            E tirae hua pedrinha,
                            Pedra muito pequeninha,
                            Á janela dos quintaes. (...)

        Auto da Índia
        Gil Vicente
        Autos e Farsas

quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

Fractura

O campo era de saibro, a bola, de borracha, com um bom tamanho e de qualidade bem diferente, para melhor, do que aquelas com que era habitual jogar. O futebol era tolerado, quando não coincidia com as aulas de ginástica, ministradas no mesmo espaço. Ginásio era, ainda, coisa de sonhadores ...

Faltava um para as duas equipas se equilibrarem. Em número, claro.

- Puto, queres jogar?

Eram maiores, não conhecia nenhum. Era o primeiro ano naquela escola, ainda desconhecida e os colegas da turma não tinham chegado da hora do almoço. A vontade de ingressar nos "grandes" era imensa.

- Claro!

O almoço tinha sido na cantina e já havia terminado há algum tempo. A aula próxima iria acontecer às três e meia. Podia participar sem problemas, desde que tivesse cuidado com os trambolhões e com o calçado.

O jogo começou e cedo se viu que a equipa da qual fazia parte era bem melhor do que a outra. Os golos sucediam-se e os "trambolhos" não apanhavam uma. Um passe longo, o "puto" apanha-a e corre para a baliza. Ia ser mais um golo, mas este era especial. O defesa foi fintado e não gostou da acção do "puto". Correu, estendeu a "pata"  com violência e a queda foi inevitável. 

- Tem o braço virado ao contrário, ouviu-se.

Veio o contínuo, chamou mais alguém, as dores apertavam, os olhos humedeciam.

- Vamos levá-lo ao hospital. Deve ter o braço partido.

E estava. O médico nem precisou de radiografia. Estendeu as mãos ...

- Ora deixa lá ver

... puxou com força e colocou-o no sítio.

- Já não dói, pois não? Agora vamos pôr gesso e fica novo.

Devem ter sido dois meses. O gesso foi retirado, cortado com uma tesoura enorme que se distraiu e picou a pele, pouco antes das férias do Natal. O resto do primeiro período das aulas de Ginástica teve menos um aluno ...

Foi a primeira fractura de uma série de três que o braço esquerdo exibe no currículo!

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Dantes

O cálculo não é fácil, mesmo recorrendo à tradicional máquina de calcular ou à que qualquer telemóvel ou computador nos faculta. 

Divisões e multiplicações, percentagens, somas, subtracções, uma tarefa ciclópica se ainda estivéssemos em 1970, e para a qual nem uma folha A4 seria suficiente, sem contar que se corria o risco de, a meio, uma pequena falha na tabuada deitar por terra todo o trabalho.

Agora, o Excel faz tudo. Criada a fórmula, com os "se" e as condições prévias, o cálculo é imediato. E, para o futuro, basta colocar o novo valor e o "anão sabão" fornecerá o resultado certo, de imediato, sem papel e sem esforço pessoal.

E ainda há por aí umas "gentes" a gritar que "dantes é qu'era bom"!

domingo, 14 de janeiro de 2024

WC

Obra recente, a reconstrução do cais palafítico convida à visita, ao passeio e à admiração da paisagem circundante, onde a Lagoa é rainha, os patos, mordomos, e os flamingos, cortesãos.

Está bonito, agradável mas, como sempre ... não há bela sem senão. O arquitecto que projectou foi negligente e esqueceu-se de um elemento essencial para que a obra ficasse completa: a necessidade imperiosa de um WC para os cãezinhos.

Eis o resultado:

sábado, 13 de janeiro de 2024

Palavras bonitas

Discurso

Vinde cá todos! Enchei a praça.
Eu, que não gosto de discursos,
tenho um discurso a fazer.
Chegai-vos e ouvi. Ou não ouvi, se quereis.
Mas cinde, que eu preciso fazer um discurso,
e para haver discursos é preciso público.
Isso, todos aí. Curiosos,
desdenhosos, 
ociosos,
e até ranhosos, pouco importa. Mas todos.
Sentados ou deitados,
verticais ou oblíquos, 
paralelos, concorrentes,
secantes, tangentes,
- irra! - tudo o que quiserem. Mas todos.
Público, que eu preciso de pedir a palavra.
Tenho uma mensagem a dizer.
Eu, que não sou profeta,
nem revolucionário,
nem aviso funerário,
eu que sou o contrário
de tudo isso, precisamente porque não sou nada disso,
tenho algo a dizer. (E logo às massas
que é uma irrealidade que me bole com os nervos
desde as unhas dos pés ao centro do miolo!)
Aí vai (já não é sem tempo): Sou uma besta quadrada
e forrada do mesmo, para maior perfeição.
Ando sempre a quatro. Lucidamente a quatro, 
quando sei que nem ao pé coxinho devia ir.
Tenho a estupidez mais estúpida que há:
medida, exacta, vista,
esquadrinhada,
a estupidez inteligente, sabem?
Não dou berros quando todas as pessoas
normalmente os dão.
Calo-me quando devia dizer palavrões.
Sorrio quando devia morder.
Perdoo quando o momento pedia
um sacrosanto par de bofetadas.
Arre! Cheiro a museu,
cheiro a arquivo,
cheiro a jantar de cerimónia.
É demais!

E porque é demais para uma pessoa só
é que fiz este discurso
- eu, que odeio discursos, museus e arquivos
e os jantares de cerimónia.

Tenho dito!

Ermelinda Xavier
Barro e Luz (Poesia completa)
Unicepe (2016)

sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

De "A" a "D"

Apesar de ser desnecessário, António confirma, no Expresso de hoje, que uma imagem vale mais que mil palavras.

quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

Regresso ao passado?!

E se, de repente e como por magia, tudo andasse para trás 50 anos?

Dirão uns, saudosistas das capacidades físicas: Maravilha! Voltava a alegria e a loucura dos "vintes", nada fazia mal e não havia chuva que molhasse nem frio que rachasse; acrescentarão outros, mais racionais: Não havia dores, nem sono, nem pressa e tínhamos tudo "à mão de semear" ... excepto o que não tínhamos.

Cada vez são menos os que viveram há meio século e disso têm lembrança de "experiência feita". Não conseguiram, ou não quiseram, contar à geração seguinte, nascida depois de 1974, como eram aqueles tempos e como tudo se transformou. Talvez não tenham procedido da melhor maneira e a omissão esteja longe de ter sido a atitude correcta, mas aconteceu assim, na grande maioria.

E agora, espantados, ouvimos gente que subiu degraus de uma escada que não existia, deu muito trabalho a muitos e foi bem difícil de construir, apesar dos defeitos, a gritar que "dantes é que era"! E falam grosso, como quem quer comer microfones, gritando impropérios e frases sem nexo, como se os decibéis da voz fossem suficientes para terem razão e sabedoria.

"Valha-lhes um burro aos coices e três aos pontapés!"

domingo, 7 de janeiro de 2024

Domingo

Com frio, nota-se melhor a calma da ausência do vento, o azul da inexistência de nuvens, tudo marcado pelo chilrear dos pássaros nas margens, pelos corvos marinhos abrindo as asas para aproveitarem o quentinho ... do sol.

A beleza da Lagoa, sempre, e a gaivota, desfrutando, bem instalada, o conforto do "hotel" Coelho e Rola.

quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Calor em tempo frio

O tempo era, ainda, o das escrituras serem um acto solene, num Cartório Notarial estatal, com hora marcada e presença sem atrasos da parte de quem era parte, com uma única excepção - o Notário. Era ainda o tempo das escrituras manuscritas pelo próprio Notário ou dactilografadas pelo Ajudante, na máquina de escrever Messa.

Sentados à volta de uma mesa, grande, com cadeiras bem desconfortáveis e na ordem pela qual outorgavam, os intervenientes aguardavam a chegada do Notário, que iria ocupar a cadeira, maior e com almofada, situada no topo. A primeira tarefa do Notário era verificar os documentos de identificação dos intervenientes não seus conhecidos, após o que iniciava a leitura do texto, não sem antes recomendar que o interrompessem se alguma coisa não compreendessem ou estivesse incorrecta. No final, após a menção das eventuais rasuras, a ordem prévia determinada para sentar, servia para que a última folha fosse passando e recolhendo a assinatura de cada um. A assinatura do Notário encerraria, depois de inutilizar todos os espaços em branco.

Naquele dia, era mais uma escritura de compra, venda e empréstimo, estando presentes: o casal comprador, os pais, fiadores, o administrador da empresa vendedora da fracção e o representante do Banco. Estava muito calor lá fora e o ar condicionado do Cartório ainda não passava de miragem. O representante da empresa vendedora vinha atrasado, muito acalorado e ainda deve ter ficado mais quente quando se sentou, a aguardar, com o Ajudante a dar-lhe sinal do atraso. A camisa vinha aberta até ao cinto, com o peito, peludo, à mostra e um ar de machão importante, ciente de que os seus poderes até podiam criar janelas de fresquidão ...

A Notária entrou, passou os olhos por todos e nem se sentou.

- Vá vestir-se em condições. Isto não é a praia. Lá para fora!

Enfiado, saiu. Deve ter ido ao carro ou ao escritório. Regressou pouco tempo depois. A camisa vinha abotoada até acima e um casaquinho compunha o ramalhete.

A escritura fez-se sem mais comentários e o homem, pelo menos naquelas em que, a seguir, comigo participou, apresentou-se sempre de camisa, gravata e casaquinho ... abotoado, não fosse o diabo tecê-las! 

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Balanço 2023

Todos os dias leio (n)um livro. É uma das tarefas que ainda vou executando, das que me dão grande prazer e que nunca me cansam, muito embora os olhos já não tenham a mesma capacidade e obriguem a apêndice.

Com mais ou menos entusiasmo, livro pegado é livro mantido até à última página, mesmo quando as expectativas são defraudadas. Quem o escreveu e o editou merece que, pelo menos, quem lhe pega lhe dê o uso para que foi concebido. Sempre até ao fim ... mesmo que, dalguns, felizmente poucos, se diga: tempo perdido!

Cumprindo a tradição, fica o registo das capas dos que me passaram pelas mãos e pelos olhos em 2023, sem quaisquer preocupações de ordem ou de destaque.

Foram lidos, pronto! E neste ano de 2024 virão muitos outros, espero eu!