segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Notícias

Na manhã de hoje, aconteceu uma reunião entre as duas partes beligerantes - Rússia e Ucrânia - na procura de uma solução para o conflito que já leva alguns dias. Até ao momento, ainda não se conseguiu apurar as conclusões da dita reunião.

Dito assim, podia ser uma notícia de jornal televisivo, se lida por uma voz simpática, e ilustrada com metade do écran a exibir uma situação já antiga. O momento que se atravessa é grave e pode tornar-se dramático, digo eu, fazendo o papel de "achista", como tantos outros,  e tendo por base apenas e só o que vemos, ouvimos e lemos, como dizia Sophia.

Há coisas que me desconcertam: olho para um qualquer canal dos noticiosos e verifico a passagem em rodapé de notícias há muito desactualizadas, muitas vezes antecedidas ou sobrepostas da legenda, branca sobre fundo vermelho, de "ÚLTIMA HORA". E isto passa todo o santo dia, algumas vezes com erros ortográficos, e ninguém dá fé. 

A pressa sempre foi inimiga da perfeição. Se eu não morresse, nunca! E eternamente buscasse, e conseguisse, a perfeição das cousas!, dizia Cesário Verde, sem pressas. O jornalismo está a viver um ciclo diferente, talvez deficiente, e a deixar que as modas substituam o rigor. As redes ditas sociais já são fonte de notícia e, muitas vezes, o que por lá é espalhado, acaba aproveitado para trabalho.

Preocupa-me ... mas deve ser da velhice!

domingo, 27 de fevereiro de 2022

Sem norte

Já passou por aqui, a propósito da desgraça que nos atormenta desde 2020 e que ainda não está completamente debelada, embora pareça ter melhoras significativas. 

Confirmando o ditado de que uma desgraça nunca vem só, o "imperador" do leste europeu resolveu fazer-nos recordar o final da década de 30 do século passado, "brincando" com todos num dislate absurdo e absolutamente maquiavélico. Não se imagina onde iremos chegar nem as consequências que tudo isto acarretará para o futuro e, por isso,

Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar

sábado, 26 de fevereiro de 2022

Loucura

Por maior que seja o esforço para o não fazer, é inevitável falar da guerra que está a acontecer, ali ao lado, na Ucrânia. Não que perceba alguma coisa do que por lá vai, saiba ou entenda alguma das razões, ou tenha a condescendência para as suportar. Nada justifica a violência, qualquer que seja o motivo e por muito importante que o seja. Como em todas as guerras, a grande maioria que sofre é completamente alheia aos interesses que a desencadearam e apenas lhe resta tentar salvar-se, a si e aos seus.

Caminhamos sobre um barril de pólvora, manipulado por gente sem escrúpulos, que coloca os (seus) interesses económicos de uns quantos em detrimento dos muitos, num terreno minado onde apenas existem pequenos carreiros de sobrevivência e, ainda por cima, não acessíveis a todos.

Na selva em que o mundo se tornou, se alguma vez deixou de o ser, ninguém parece conseguir controlar o "leão", arvorado em rei dos animais, sem regras nem controlo, debitando ódio e ordens para a "floresta", sem ter presente que mesmo as pequenas formigas têm direito à vida.

Parece decalcado daquele outro que foi derrotado em 1945. Deu-se ao luxo de, nos últimos vinte anos ou mais, ter vomitado intenções que foi concretizando, pouco a pouco, sem que ninguém se lhe opusesse e o impedisse. A condescendência com os loucos só pode existir até ao momento em que a sua demência não ponha em causa a sanidade dos outros, tal como deve acontecer com a liberdade.

Assobiar para o lado confirma-se que não é solução.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Livros (lidos ou em vias disso)

1939/1945 ou 2022?

"(...) Ao sair do sepulcro sentiu uma dor lancinante no ombro esquerdo. Tinha o osso deslocado e uma ferida muito feia, provocada pelas pedras que lhe haviam aberto um buraco na parte superior do braço onde cabia a ponta de um dedo. Doía-lhe muito, mas sempre resistira bem às pancadas. Lazlo, que tinha sobrevivido ao bombardeamento por pura sorte sem a colaboração dos intestinos nem a intervenção de uma viga salvadora, ligou-lhe a ferida conforme pôde e foram à procura dos enfermeiros. Não os encontraram. Poucos eram os sobreviventes e, entre eles, nenhum oficial. O ordenança do comandante disse-lhe que na última vez que o viu ele estava reunido com os outros chefes em volta de uma mesa, no único quarto que mantinha o tecto. Tinha-lhe mandado trazer cigarros e aquele pedido salvara-lhe a vida. Quando voltou, com dois cigarros russos que tinha roubado a um sargento, encontrou apenas um túmulo de pedra gigantesco, sem qualquer indício de vida sepultada. O privilégio de viverem sob um tecto tinha exterminado os oficiais num instante.

Num posto de socorro improvisado junto das ruínas de um hospital, um médico encaixou o osso de Adrián, tratou-lhe da ferida e enfaixou-lhe o braço ao peito. Enquanto o instruía sobre como o manter o melhor possível, Lazlo entrou no edifício e regressou com duas aspirinas que conseguira requisitar de pistola em punho. O médico não teceu comentários sobre o procedimento. Aconselhou Adrián a tomar só uma e a guardar a outra para mais tarde, recomendando-lhes que voltassem para o quartel à espera de novas ordens. Quando regressaram ao palácio, já entardecia. Durante todo o dia só tinham comido uns pedaços de pão conseguidos à força, impondo-se a uma multidão que assaltava as ruínas de uma padaria, mas até nisso foram afortunados porque os companheiros jejuaram todo o dia.(...)"

Os doentes do Doutor García
Almudena Grandes

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Ditos

Não me apetece escrever sobre o vírus, nem sobre a guerra, muito menos sobre o Benfica, onde parece haver mais minas do que no leste da Ucrânia, sem que se vislumbrem batedores com capacidade suficiente para as detectarem.

Também não me apetece falar sobre o lindo dia de sol que Fevereiro nos ofereceu hoje, para juntarmos a mais uns quantos com que nos tem brindado. Parece estar a lembrar-nos que o Verão está quase a chegar e que o Carnaval, este ano adiado para Março mas que lhe pertence por direito próprio, nos vai trazer algumas matrafonas, zés pereiras e máscaras lúdicas, ainda que sem desfiles.

As outras máscaras vão perdendo protagonismo, dando lugar à carranca que muitos têm trazido escondida. Paira no ar a convicção de que tudo se está a compôr e que os dias bons, sem problemas, chegarão a breve trecho.

Não sou pessimista e, por isso, também acredito que não irá ser preciso refazer esta saga de castigo que quase todos cumprimos. As excepções foram meia dúzia de "iluminados" que hão-de ficar registados na história escrita naquele papel que foi açambarcado no início da pandemia.

Mas ... há sempre um mas, que acentua a dúvida: na minha idade, dizem, tudo o que vem é para ficar e o que vai ... já não volta.

Espero que quem manda nisto determine que, no que à pandemia diz respeito, se cumpra apenas a segunda parte do ditado.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Anseios

A pandemia, finalmente, parece ter cumprido a determinação do Presidente da República, transformando-se em endemia, embora com um atraso que devia ser punido. Mas deixemos isso para a justiça, que se encarregará de, em tempo útil, como é costume, determinar a pena que lhe deve ser aplicada ou a absolvição que lhe for devida.

Deixou por cá estragos bastantes para ser recordada como um período bem difícil para todos, velhos e novos, estragos esses que se manterão bem vivos na memória. Foram dois anos de confrontação diária com uma realidade que era desconhecida de toda a gente, que obrigou a alterar procedimentos, contactos, vivências, formas de trabalhar, ritmos. Muitos são os que já cá não estão para recordar o sofrimento e inúmeros aqueles a quem foram deixadas marcas físicas e psicológicas que tardarão a desaparecer.

Confirmando-se, como se espera, estas boas notícias, deseja-se que o conflito latente, que parece iminente e é notícia premente, não se concretize. Que a Rússia não invada a Ucrânia, que a Nato deite água e não gasolina, que os diplomatas façam (bem) o seu trabalho, que as fábricas de material de guerra se reconvertam ou diminuam a produção, que haja juízo nas cabeças de quem detém o poder. 

Sabendo de antemão que o lirismo não resolve nada, era bom que quem detém o poder se lembrasse que apenas o exerce, ou devia exercer, em nome e para o bem de todos.

domingo, 20 de fevereiro de 2022

O tempo e os livros

Ao contrário da grande maioria dos portugueses, de acordo com os resultados de um inquérito promovido pela Fundação Calouste Gulbenkian e recentemente divulgado, leio todos os dias e todos os dias confirmo que não vou ter tempo para ler tudo o que tenho em casa, mais aquilo que já saiu e não adquiri, mais o que irá ser editado e não deveria ser perdido, mais ainda o que existe de bom e que desconheço.

Para agravar ainda mais, há livros que demoram a ler, por mais esforçado que se seja. E, para complicar ainda mais, o cérebro já não aceita ler dois ou três em simultâneo, como acontecia antigamente. Ler um livro de 750 páginas, como tem o que agora me acompanha - Os doentes do Doutor Garcia, de Almudena Grandes - não é possível em dois ou três dias, pelo menos para mim.

Conclusão: o tamanho da pilha aumenta, e mantém-se a mania de comprar. O espaço ocupado na secretária já é significativo. Podia colocá-los nas prateleiras (onde as vagas são exíguas) e ter a lista à mão, para os ir buscar quando chegasse a sua vez, mas não era a mesma coisa. Assim, vou conversando com eles, transmitindo-lhes a justificação, que aceitam humildemente e sem qualquer contestação:

- A seguir és tu

E por vezes não é, porque outro se insinuou e foi escolhido primeiro.

- Há-de chegar a tua vez, descansa

A pilha vai aumentando e o tempo ... diminuindo. A vontade, essa, mantém-se firme e concretiza-se enquanto os olhos o forem permitindo. Às vezes choram. Não quero perceber se estão emocionados com o que lêem, ou se é mesmo cansaço. Ah! E sempre em papel. Manusear o livro faz parte do ritual para o (tentar) compreender.

sábado, 19 de fevereiro de 2022

Pimpões

Os Pimpões comemoram hoje oitenta e quatro anos de actividade ininterrupta, em prol da instrução e recreio, como está bem explícito na sua designação. Durante toda esta caminhada, a Associação tem sabido adaptar-se sempre às novas necessidades dos seus sócios, continuando a desenvolver actividades importantes e necessariamente diferentes daquelas com que se iniciou.

Hoje já não há educação de adultos nem teatro para ocupação dos tempos livres, nem bailes que divertissem quem tão poucos motivos tinha para isso. A natação e o basquetebol são as grandes áreas no desporto, e a escola de dança o referencial na cultura.

Fui dirigente daquela casa durante cerca de 15 anos, dos melhores que recordo da minha vida. Deixei lá bastante de mim, julgo, mas aprendi muito mais. Do teatro à música, da pintura ao bailado, da gestão às relações humanas, do desporto à diversão. Conheci muita gente, alguns sem o mínimo de interesse enquanto pessoas, bastantes que recordo muito e bem. 

Foi lá que os meus filhos aprenderam a nadar, muito bem, diga-se, para que conste. A filha fez competição federada, o filho preferiu outra modalidade. Os netos também por lá andam, em busca da perfeição natatória. Dois deles já competem e o mais velho tem conseguido óptimos resultados, culminados com a chamada à selecção nacional da sua categoria.

Ainda hoje é nos Pimpões que vou dando as minhas braçadas, para tentar evitar um mais rápido anquilosamento do físico. Logo à noite, estarei a assistir à festa de aniversário, com o maior prazer.

Longa vida a uma Associação tão antiga e tão dinâmica, e os votos de que se mantenha sempre em actualização permanente, sem subserviências nem sobrancerias.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Diminutivos carinhosos

- Aqui mora o senhor Chiquinho S..

Chiquinho?! Era um velho que ali morava, com a mulher. Já várias vezes o tinha visto, muito embora não estivesse por ali há muito tempo. 

- Esteve na América muitos anos, tem lá os filhos e os netos e voltou agora para gozar cá a reforma.

Era a conversa dos que tudo sabiam, que acrescentavam terem os filhos por lá uma boa vida e que o velho recebia, todos os meses, uma "bruta reforma".

- Todos os meses o carteiro lhe entrega um cheque vindo de lá. Deve ser bem gordo.

Chiquinho? Como é possível? Os "inhos" estão reservados às crianças e não a todas. Há alguns, como o Agostinho, amigo do Carlinhos, que os tem por toda a vida, mas são excepções. Chiquinho? Um homem com aquela idade? Ainda se fosse "menino Chiquinho", como alguns a quem o sangue garantia serem meninos toda a vida. Mas "senhor Chiquinho"? Não se compreendia ...

Por vezes, havia temporadas de dois, três meses, que na casa não havia vivalma.

- Foram ver os filhos e os netos, diziam os entendidos que tudo sabiam. 

E devia ser verdade. Iam recordar tempos idos, agora sem obrigações, como convém a quem já passou o tempo de obrar. Chegou o Verão e a casa permaneceu fechada. Não tardou a chegar a notícia dos sabedores:

- Já morreu o senhor Chiquinho S.. Tinha lá o seu feitio mas, no fundo, no fundo, até nem era mau diabo. Por lá ficou, se calhar contra a vontade dele.

Teve sorte! Nasceu Chiquinho e foi-o até morrer.

Passei por lá há pouco. A casa já não é a mesma e do Chiquinho S. só se lembrarão alguns velhos. Mas porque me lembrei eu disto?

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Quotidiano

Hoje foi dia de música, muita música ... nem por sombras da qualidade desta. Mas, muitas vezes, ouve-se aquilo que não se quer, seja música ou discursos ocos!

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Será desta?

Parece que sim!

A porta do regresso à vida normal está entreaberta e, de acordo com quem sabe disto, vai abrir-se completamente dentro de pouco tempo. Não escancarar-se, que as correntes de ar são perigosas e podem pôr em risco os móveis, os vidros e tudo o que não esteja devidamente protegido.

Todavia, e porque apenas nos jogos se regressa à casa de partida, a memória retratará muito bem como era, o cérebro terá capacidade para rebobinar a fita ou para pôr a orquestra a tocar a partitura desde o início, mas nada será como dantes porque "ninguém se lava duas vezes nas águas do mesmo rio".

O rio está longe de ser o mesmo (tem chovido pouco) e as pessoas também já se alteraram, ainda que a aparência possa ser idêntica. O tempo, essa coisa indescritível que todos os dias anda sem que possamos ter sobre ela qualquer controlo, deixa marcas difíceis de esquecer e de apagar e traz novidades, alterações, comportamentos sempre diferentes.

De acordo com os especialistas, talvez se esteja agora a aproximar a endemia, anunciada pelo Presidente da República há bastante tempo e que, tudo parece indicar, será a prenda que o Verão nos trará, juntamente com os mergulhos no mar da Foz. 

A ver vamos!

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Guerra ou ficção

Tão depressa a guerra está iminente como a diplomacia está a conseguir, com as suas diligências, um acordo que a permitará evitar. Uns dizem que se sentem ameaçados com a proximidade da NATO, os outros respondem que são um país soberano e pretendem a ela aderir.

Nos últimos dias, a possível invasão da Ucrânia pela Rússia tem sido a notícia mais badalada e tratada, parecendo estar em causa uma pequena excursão de fim de semana, para a qual é necessária alguma preparação e cuidado. A realidade pode ser bem mais grave e produzir consequências terríveis. Entretanto, as informações baralham, dão perspectivas, sugerem causas, apontam futuros, marcam dia para o começo, geram boatos, transmitem apreensões.

Ninguém de bom senso espera de uma guerra algo de positivo. Quem já a sentiu por perto sabe que "o boato fere como uma lâmina" e que faz parte da estratégia. Que não passe disso, que não aconteça, mesmo que daí surjam dificuldades e contratempos que as necessárias cedências inevitavelmente produzirão.

A esperança é que o diálogo com o inimigo exista, como foi preconizado, há tantos anos, pelo grande Raúl Solnado.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Proclamação

Saibam todas e todos, as e os que este titubeante texto vierem a ler, que o humilde escriba tomou hoje uma decisão que há-de ficar registada nos anais da história e proporcionar a todas as portuguesas e a todos os portugueses uma estranha sensação de qualquer coisa de inominável, sem o mínimo de credibilidade ou razoabilidade, mas importantíssima para a sua vida de todos os dias.

O Presidente da República de todas e de todos os portugueses vai receber uma carta pedindo que ele, que tanto adora as portuguesas e os portugueses, todos da mesma maneira e com o mesmo carinho, sem a mínima discriminação, inste todas as deputadas e todos os deputados para que aprovem, mal tomem posse dos lugares para que foram, recentemente, eleitas e eleitos, uma lei que coloque justiça na denominação do dia que hoje se comemora.

As deputadas e os deputados deverão elaborar, votar e aprovar uma lei que consagre o 14 de Fevereiro como o Dia das Namoradas e dos Namorados, acabando, de vez, com este tratamento indecoroso, sexista e ultrajante. Estou seguro que as portuguesas e os portugueses apoiam esta proposta e têm uma esperança imensa na decisão, favorável, das deputadas e dos deputados na nação.

São medidas como esta que farão da língua, que todas e todos falamos, uma língua clara, abrangente e integradora de todas e de todos, tratando todas e todos por igual.

Não lhes perguntei, mas tenho a certeza que Simone e Martinho da Vila apoiam esta proposta.

domingo, 13 de fevereiro de 2022

(In)Decisão

Tempos houve em que as decisões sobre viagens, curtas ou longas, eram de impulso, sem qualquer ponderação, cuidados ou análise de risco, apenas porque sim ou para corresponder a qualquer desafio, mesmo sem qualquer racionalidade ou interesse.

- E se lá fôssemos?

- Já lá estamos? 'bora lá.

Depois, tal como a fruta, amadurece-se e qualquer decisão, por mais banal que possa parecer, é analisada à lupa, ponderados os prós e os contras, vislumbrados os custos, discutida com o travesseiro e, em princípio, tomada quase definitivamente.

O tempo corre. A partir de determinada altura, tal como a fruta apodrece, também a vontade e a capacidade de decidir se vai esboroando. E no cérebro só surgem dúvidas e hipóteses de não correr bem, de ser desagradável, não compensar o custo, ser o benefício duvidoso, existirem perigos latentes.

- E se chove?

- Se calhar há muito trânsito ...

- É capaz de estar muita gente e isto anda tão perigoso ...

- Não se consegue chegar antes de noite. Talvez seja melhor ficar por lá e regressar de manhã.

- Há algum hotel de jeito? Justifica-se?

- Até nem me apetece muito, mas ...

- Pensamos nisso para outra altura. Há mais marés que marinheiros ...

- Pois!

A última frase é elucidativa e vinculativa. Um dia destes pensa-se de novo. Pondera-se. Analisa-se. Discute-se. Conclui-se.

Será diferente? 

sábado, 12 de fevereiro de 2022

Livros (lidos ou em vias disso)

"(...) À maioria faltava-lhe a curiosidade e, além disso, quem é que entendia suficientemente a língua hebraica? Quem sabia mais do que ler as palavras sem conhecer o seu sentido? Na melhor das hipóteses, as pessoas encantavam-se com a sua música, mas não com o seu significado.

- Há séculos, disse ela, as coisas superiores e importantes eram exclusivo dos homens. Ainda nos tempos de hoje isso se ressente. Só os homens são chamados para pegar nos rolos da tora e para ler os textos. Onde alguma vez se viu um rabino ou um cantor de sinagoga de saias? Mas basta. Agora já sabes porque é que nós duas ficamos cá em cima, isoladas dos homens.

Tirando os sermões sobre o que era prático e económico, nunca a avó me explicara tanta coisa de uma só vez. E, facto estranho, nas faces pálidas surgiram-lhe manchas vermelhas que faziam lembrar rosas murchas.

- Os homens ainda agora têm mais importância do que as mulheres?, perguntei.

- Enfim, as coisas já estiveram piores. Espero que se dêem grandes modificações, até tu seres rapariga crescida.

Era deveras emocionante ouvir falar assim a avó Ester. Eu precisava de aproveitar aquela ocasião para ficar a saber mais sobre o assunto. Mas pousou o dedo nos lábios, o que queria dizer que me devia calar.

De noite tentei continuar a conversa com o avô, que, no entanto, não parecia interessado.

- Achas que a tua avó não tem importância nesta casa?, perguntou, e deu uma risada seca.

Oh, sim, era verdade: a avó Ester era a pessoa mais importante em nossa casa. Limpava, cozinhava, lavava a roupa, guardava o dinheiro, destinava os gastos e dava ordens. O avô chegava a mentir, de tanto medo que tinha dela. Mas, mesmo assim, tudo isso nada tinha a ver com o que a avó me dissera naquela tarde. (...)"

O mundo em que vivi
Ilse Losa
Afrontamento (2018)

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Cor

MENSAGEM é um jornal online sobre Lisboa, dedicado a quem por lá vive e ao que acontece na bela capital. Embora não reúna a condição prévia, recebo indicações sobre o que vai sendo publicado, permitindo-me coscuvilhar aquilo que é dito pelos "mensageiros" ao povo lisboeta e também, porque não, aos provincianos como eu que vivem a quase uma centena de quilómetros da "civilização" e por ela se interessam.

Hoje foi dia de receber o mail de alerta e, de entre as várias notícias, vinha a maravilha que reproduzo abaixo.

Tão bonito! E que bem sabe ouvir, quando há por aí alguns energúmenos a falarem da cor ... da pele.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Vertigem

Tal como a banana madura não volta a verde, quem andou não tem para andar e águas passadas não movem moinhos, também quem usufrui desta maravilha que é a vida tem o seu ciclo e, naturalmente, a sua importância vai diminuindo, ainda que muitos tenham dificuldade em assumir essa realidade - que a todos abençoa - e achem que o mundo acaba quando deixarem de dar aos braços.

Logo pela manhã, ainda nos primeiros cumprimentos à borda da piscina, um jovem referiu, nem me lembro a que propósito, uma música que tinha ouvido pela manhã e que, para ele, devia ser muito, muito antiga.

- Lembra-se dela, perguntou trauteando o que tinha ouvido.

- Perfeitamente. Deve ser do início da década de oitenta, do século passado, claro.

- Ainda eu não era nascido ...

Quase uma hora de braçadas, a boa disposição sempre gerada na água apesar do cansaço, tempo de finalizar a actividade e de ir para o banho retemperador. Há mais vida para além da piscina.

- Há pouco estava a ouvir a sua conversa com o J. e pensei: lembro-me bem da música. Fiz as contas e concluí que já lá vão perto de quarenta anos e eu era, na época, um adolescente vivaço. O tempo passa a correr ...

 - Tal como a água. É melhor tomarmos a chuveirada e pensar que, para a semana, voltaremos a encontrar-nos aqui.

Ficou por ali a conversa. Cada um tomou o seu banho, secou-se, vestiu-se e despediu-se, com a certeza de que o tempo passa depressa e a esperança que demore bastante a passar.

Nadar cria essa ilusão!

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Chove?

- Vai chover!

Era a expressão utilizada pela minha mãe assim que ouvia a música, sempre a mesma, do amola tesouras.

- Amola tesouras!

- Conserta alguidares e chapéus de chuva!

Era uma figura ou um figurão, não sei bem. Deslocava-se numa bicicleta especial que, estacionada num cavalete incorporado, tinha condições para que os pedais movimentassem a correia ligada à pedra de esmeril e tornassem esta o instrumento necessário à função. Era nessa pedra que as facas, as navalhas, normais e de barba, as tesouras, de poda ou de costura, eram afiadas e ficavam um brinquinho, quer na capacidade de cortar quer no aspecto.

Para além dos utensílios cortadores, consertava chapéus de chuva, recolocando as varetas no lugar devido e atando-as bem melhor do que vinham da origem. Vareta consertada pelo artista dificilmente se tornava a partir ou a sair do lugar.

Por fim, os alguidares e quaisquer outros recipientes de barro, das canecas aos tachos, dos púcaros aos pratos. Mesmo com várias "fracturas", eram recuperados à custa dos "gatos", estrategicamente colados, depois de colocados a apanhar as duas partes afectadas. Os "gatos" eram uma espécie de agrafes em ferro, com tamanhos diversos, consoante a dimensão da peça de barro carente de salvação.

Trabalho executado, bicicleta descida do cavalete e regressada à posição normal, o amola tesouras ia procurar outro cliente, tocando, na sua gaita ou flauta de pã, a melodia de todos conhecida como anunciadora da chuva.

Talvez seja altura de recuperar algum amola tesouras que por aí ainda ande esquecido e pedir-lhe que toque na gaita, para ver se chove!

terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Pirataria

Depois do Expresso e, ao que parece, do Correio da Manhã, coube esta noite à Vodafone ser vítima de um ataque informático que paralisou os serviços da operadora e causou enorme perturbação nos seus clientes, de entre eles o INEM, algumas corporações de bombeiros e bancos. 

Sou um utilizador "frenético" da internet, a tal ponto que, desde a passagem à reforma (há quase cinco anos), nunca mais entrei numa dependência bancária. Faço tudo sentado à secretária, de transferências a pagamentos, consultas e tudo o mais que um utilizador normal tem necessidade. Para além disso, compro muita coisa em empresas que, presumo, são seguras e oferecem confiança. Não sou fã das redes sociais, embora por lá passe de quando em vez, para coscuvilhar os temas mais em voga.

A realidade, porém, está a avisar-me que no melhor pano cai a nódoa. E que a pirataria informática está implantada e, tudo o indica, veio para ficar. Já se conheciam as interferências nas eleições de alguns países, as mensagens e notícias falsas, as aldrabices comerciais, as disseminações mentirosas propagadas pelas redes sociais. Tudo isso é pouco quando comparado com a entrada numa das maiores operadoras do país, que se julgaria ter o seu sistema blindado a estes ataques. Afinal, confirma-se o que se sabe desde sempre: o polícia anda sempre atrás do ladrão e nunca o contrário.

Com a clareza que o caracteriza há muitos anos, o Professor José Tribolet, numa entrevista à CNN, esclarece o que, na sua opinião, aconteceu e reforça aquilo que pode vir a suceder, em tempo mais breve do que se imagina. Vale a pena ouvir aqui.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

Palpites

Não percebo nada de saúde. Aliás, percebo muito pouco de alguns assuntos e nada da grande maioria, por muito que se diga que a modéstia em demasia é defeito. E não devo ser o único, tanto quanto me indicam as sondagens que faço nas conversas, nos contactos, no dia a dia da vida, e que são muitíssimo mais fiáveis do que as que foram efectuadas sobre os resultados eleitorais.

Apesar disso, vou tendo opinião e procurando manter-me informado, embora as notícias sejam feitas, na sua grande maioria, pela opinião de alguém com quem o repórter, apressadamente, estabelece uma conversação pouco mais que fortuita. 

- Então, a vacina fez muito doer no bracinho?

- Foi decisão dos papás ou tiveste opinião?

- Está à espera há muito tempo?

- E é tudo, por aqui, voltaremos daqui a pouco com mais pormenores.

Uma das notícias importantes de hoje é sobre a existência de muitos milhares de portugueses sem médico de família, situação que se agravará até ao final do ano em consequência da passagem à reforma de cerca de 1.000 médicos dessa especialidade. O tema, presumo, é caro a toda a gente, a começar por mim, tendo sempre presente que a saúde é um bem essencial, que deve ser cuidada e estimada. Não faço a mais pequena ideia de quantos doentes estão afectos a cada médico de família, mas julgo que não seria despiciendo fazer uma investigação jornalística ou, quem sabe, um estudo científico, sobre o trabalho que estes doentes dão, a periodicidade com que se deslocam ao Centro de Saúde, as razões que os levam lá. Seria uma forma de saltarem as necessidades prementes e de avaliar o sacrifício de muitos e o bem estar de alguns.

Talvez houvesse surpresas, quer nos ficheiros considerados activos quer na utilização dos serviços, pelos doentes recenseados. Porém, tudo isto não passa de considerações de um "achista" empedernido, que não tem nada de relevante para fazer, e cujas, elas, as considerações, não têm o mínimo de interesse ou qualquer relevância.

O importante é que Portugal se sagrou bi-campeão europeu de futsal e eu vibrei com o desenrolar do jogo e, mais ainda, com o resultado final: Portugal - 4 / Rússia - 2, ou como estava bem explícito no cartaz de um adepto presente no pavilhão Bagaço > Vodka. Elucidativo ...

domingo, 6 de fevereiro de 2022

Teatro

Paralelamente às desgraças que por aí andam, as notícias de hoje trouxeram a boa nova segundo a qual o TEATRO, a partir do próximo ano lectivo, passará a integrar o ensino articulado, a par com a Música e com a Dança, o que registo com enorme agrado. Tenho sempre presente a minha insignificante ajuda para que o ensino articulado da Dança pudesse ter lugar nesta cidade. E já lá vão muitos anos.

É mais um passo na democratização do ensino e na possibilidade de a Escola ser o elevador social que se pretende e anseia há muito, muito tempo.

Mesmo com a consciência de que não basta decretar para que aconteça, o passo está dado e o caminho aberto. E isso trará muita gente disponível para aprender e muita outra para ensinar, transmitir, cativar e criar condições para que o acesso à cultura e o seu estudo façam aparecer gente mais civilizada, mais respeitadora dos outros, mais inteligente e mais compreensiva.

E uma porta se vai abrir às novas gerações e estas irão garantir, tenho a certeza, um futuro mais culto, mais responsável, mais solidário, digo eu, que sou "achista" sem conserto.

sábado, 5 de fevereiro de 2022

Netos

Iniciei o dia a espreitar um pequeno vídeo, sobre o meu neto caçula, que me deixou extasiado e feliz, muito feliz. 

O meu Miguel completa hoje seis anos e é um doce. Dotado de uma personalidade forte (teimoso é o avô e não creio que haja genes herdados), lê com desenvoltura, fala com nexo, tem curiosidade a rodos.

- Porque me pegas sempre ao colo?

- Já estás muito grande mas, por enquanto, ainda consigo. Assim, posso dar-te um abracinho mais forte ...

O aperto acentua-se ainda mais e a satisfação, de ambos, é visível e muito bem compreendida pelos dois.

Aqueles olhos dizem tudo!

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Calçada

Anafado, barriga proeminente, poucos cabelos e todos brancos, arrasta uma das pernas com muita dificuldade, auxiliado pela muleta que apoia no braço direito. À vista desarmada, (que raio de expressão, como se fosse possível usar canhões em vez de óculos ou lentes de contacto) parece ter sofrido uma intervenção cirúrgica - operação era antigamente - na anca, tal é a patente cautela com que se desloca.

Os olhos vão atentos a tudo o que lhe possa provocar algum desequilíbrio. A calçada é traiçoeira e deixa pedras acima do nível, arranjando forma de o mais incauto tropeçar sem dar por isso. É a maneira de se vingar por estar por ali apertada e ter levado umas valentes marteladas antes de lhe darem o poiso definitivo. Não vê mais nada à sua volta e, mesmo na passadeira, as cautelas com o trânsito não diminuem as que tem com o solo. Cautela e caldos de galinha ...

Parece ter um destino concreto, não anda à deriva, tem objectivo na caminhada. Nota-se à légua (outra expressão já sem sentido algum: quem é que, agora, consegue ter cinco quilómetros de horizonte silencioso?). Chegou ao destino. Entrou na loja, talvez vá comprar peúgas, ou meias, ou camisolas interiores, de alças ou mangas, talvez de mangas, brancas, de certeza. Está frio e a idade não convive bem com ele.

Quentinho, talvez a anca melhore depressa e ainda volte a correr. Quem sabe!?

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Misturas

A política e o futebol têm muita coisa em comum ou, como dizia o outro, às vezes até parecem farinha do mesmo saco.

Os resultados obtidos quer num quer noutra são tão escrupulosamente escalpelizados, analisados e comentados que chega a parecer que habitam um mundo do Além, só acessível a uns poucos iluminados, donos de toda a sapiência, que nunca é partilhada, muito menos ensinada a todos aqueles a quem se convencionou chamar de cidadão comum e que integram a, agora na moda, sociedade civil.

A conclusão, brilhante, é que a culpa nunca é nossa e, apesar de termos jogado mal, não merecíamos que aquilo nos sucedesse. Fizemos uma análise clara e segura da situação, estudámos tudo muito bem, planeámos ainda melhor mas ... com aquele árbitro era impossível ganhar. E tudo estava preparado com antecedência e com todo o requinte ... de malvadez. Somos umas vítimas ...

Não nos cansamos de repetir, para que todos saibam, que a culpa não foi nossa e que vamos lutar contra tudo e contra todos, que a nossa vontade é indómita e nada nem ninguém nos deterá. Os árbitros, todos eles, que se cuidem ...

Vamos levantar a cabeça!

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Palavras bonitas (ilustradas)

Barril de Alva, 28 de Setembro de 1942

SAUDAÇÃO

Não sei se comes peixes, se não comes,
Irmão poeta Guarda- Rios:
Sei que tens céu nas asas e consomes
A força delas a guardar os rios.

É que os rios são água em mocidade
Que quer correr o mundo e conhecer;
E é preciso guardar-lhe a tenra idade,
Que a não venham beber ...

Ave com penas de quem guarda um sonho
Líquido, fresco, doce:
No meu livro te ponho,
E eu no teu rio fosse ...

Diário II
Miguel Torga
Coimbra (1977)

terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Verão

O ano ainda ontem começou e já estamos no segundo mês. Dantes dava-se corda aos relógios e o tempo corria, sim, mas muito mais devagar. Toda a gente se lembra o quão difícil era chegar aos dezoito anos, para se ser emancipado, que a maioridade, essa, só se atingia aos vinte e um. 

Agora, ainda nem o Inverno, real, não o do calendário, chegou e o Carnaval já se perfila a grande velocidade. Sem folias, está bem de ver. O "bicho" nem precisa de corda, tem pilhas mais do que suficientes para aguentar tudo, manter-se à tona e a distribuir infecções por todo o lado. Nem o Primeiro-Ministro escapou. É mesmo mauzinho, o raio do vírus. Nem deixou o homem celebrar a vitória, tal como impediu a Inês, líder do PAN, de saborear a derrota. Não vai ser este ano que voltam os gigantones, as matrafonas e os corsos famosos, perdendo-se, uma vez mais, a alegria e a diversão dos folgazões e as críticas que, melhor ou pior, são características nestes festejos.

Esta vertigem da vida, que nos encaminha para a meta a uma velocidade estonteante, aliada ao sol radioso que se mostra sem qualquer pudor numa época em que devia estar bem recolhido, dando lugar às nuvens negras e à chuva que bem necessária é, tem um lado positivo compensador, que não é de somenos e deve ser valorizado: o Verão está aí à beirinha e o mar abandonará a violência com que, nesta altura, bate na desgraçada da rocha, violência à qual nem o mexilhão escapa, coitado. E, quando ele chegar, o mexilhão vai deliciar-se com a sua meiguice, o caminho para a Foz passa a actividade diária e o mergulho nas ondas refresca a cabeça, mantendo-a fresquinha, como convém.

Estamos quase lá. Falta só um bocadinho de nada!