quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Livros (lidos ou em vias disso)

Cinemas

Liz, Rex, Royal, Imperial! Que nomes de estadão. Ainda hoje impressionam. O giro dos meus cinemas. O Liz era o mais fino, aonde iam a mãe e a tia, muito bem-arranjadas, aos domingos. O pai não ligava a cinemas. Tinha visto Ladrões de Bicicletas em cópias privadas e colectividades esconsas, porque sim. O tio preferia o bilhar.

Havia classificações etárias, dos seis anos em diante. Quase todos os filmes (já censurados, cortados) eram para maiores de doze. O primeiro contacto que tive com o Shane foi a minha mãe a contá-lo, com entusiasmo. Anos mais tarde, eu confirmaria tal admiração. Mas, na altura, era preciso fazer batota, ou apanhar o porteiro da sala distraído.

Os colegas gabavam-se de terem truques, escapanços, cumplicidades que lhes deixavam ver filmes para dezoito anos! Dezoito anos! Ainda faltava tanto.

Mas chegou o liceu e, no liceu, no segundo ciclo, aquilo passou a ser um corrupio. A dois passos do Gil Vicente, ficava o belíssimo Royal que, por nossa causa, inconfessadamente, atrasava as sessões um quarto de hora, o que nos permitia assistir ao primeiro filme, logo desde o genérico, após correrias desenfreadas. Sessões duplas. Grandes coboiadas!

No Royal, a sala interior tinha um gosto requintado do princípio do século. Chão de pranchas. Muito baile ali rodou ... O Liz era discreto, fofo e elegante. No Rex, as cadeiras, de napa castanha, desagradáveis, adequavam-se ao filme negro do costume. O Imperial era modernaço, a atirar para francesices. Bem gravada (com obras-primas e tudo) me ficou toda a filmalhada que esqueci.

De maneira que é claro
Mário de Carvalho
Porto Editora (2021)

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Ironia do destino

Há gente para quem a vida é e será sempre madrasta e este homem é um deles. Mal nasceu, registaram-no como Rendeiro, condicionando e impedindo que se tornasse Proprietário, Empresário, Comerciante, Investidor ou qualquer outro nome condizente com prestígio.

Não! Será Rendeiro para toda a vida, aqui ou algures num país daqueles de onde não há aviões para Portugal. Nem mesmo com um creditozito à habitação deixará de ser Rendeiro e isso deve custar muito. Por mais sacrifícios, poupanças e aquisições que faça, nunca passará a Proprietário, quanto mais a Senhorio.

Na sua vida profissional, dedicou-se inteiramente à gestão de fortunas de outros, por via de um Banco que até era Privado de nome. Estaria ainda nessa nobre função, não fora a crise do Lehman Brothers ter atirado o castelo abaixo e acabado com a alta rentabilidade dos avultados activos financeiros que geria,  proporcionando altos rendimentos aos donos que lhe tinham confiado a "massa". Tudo se desmoronou, por culpa que não lhe pode ser imputada, e muito menos por isso castigado. São coisas que acontecem num mercado aberto ao mundo, sempre na busca do bem estar de todos os que têm para isso capacidade.

E agora, não contente com tanta desdita, a justiça portuguesa ainda quer que o homem cumpra uns anitos de prisão a que foi condenado. É preciso descaramento!

Para fugir a esta ignomínia, Rendeiro deve ter vendido os poucos "trainecos" que possuía e, com dificuldade, deu o salto para um país qualquer de onde pudesse pular para um outro, dos tais que não têm voos para este lindo país à beira mar plantado. A esta hora estará, por certo, a passar grandes dificuldades, talvez lavando escadas ou cavando batatas, em condições terríveis, explorado até ao tutano por algum malvado parecido com aqueles a quem dedicou toda a sua vida de trabalho e que se apressaram a tirar-lhe o tapete quando deles precisou.

Esta gente não se enxerga: então há lá motivos para prender o homem?. Ainda bem que ele se pôs "ao fresco" e, lá longe, não se sabe bem aonde, luta pela sobrevivência e pela liberdade que alguém, completamente desprovido de sentimentos, lhe pretende tirar.

P.S. - João Rendeiro, antigo presidente do Banco Privado Português, foi condenado, com sentença transitada em julgado, a vários anos de prisão, mas foi autorizado a viajar para Londres.

terça-feira, 28 de setembro de 2021

Livros (lidos ou em vias disso)

"(...) Ouvi as vozes quando eles entraram, as mesmas que qualquer um ouviria, mas na minha cabeça elas se amplificavam, se confundiam, se tornavam independentes dos corpos. Às vezes, eu distinguia a voz de uma mulher perguntando como eu estava, se podiam entrar, afirmando, não queremos incomodar, mas as vozes masculinas se misturavam, eu não conseguia determinar quem dizia o quê.

Em fila, vi primeiro o homem mais velho, que sentou à escrivaninha. Depois, uma mulher com o cabelo até à cintura, de chapinha, que se acomodou na beira da cama, quase sobre os meus pés. Em seguida, dois homens, um deles muito musculoso. Essa era a equipe que acompanharia o meu caso.

Pedi aos meus pais que saíssem, não conseguiria ser objetiva com eles por perto, enquanto Diana ficou fumando um cigarro à janela. A mulher explicou que me faria várias perguntas, sei que é um processo doloroso, mas preciso do máximo de detalhes para chegar ao agressor. Um dos homens que estava em pé se apresentou como escrivão e perguntou se poderia sentar. Era a mulher quem direcionava a conversa e ela me informou que o homem à escrivaninha faria um retrato falado.

Eu os chamo homens e mulher porque, embora soubesse o nome deles, agora sou incapaz de lembrar. A precisão que me pediram naquelas horas, e da qual eu me julgava capaz, foi se perdendo dia após dia.

Quando o escrivão sentou, percebi que ele tinha uma arma. Quando a mulher se levantou para ir ao banheiro, observei que ela também tinha uma. Presumi que o homem musculoso encostado à parede portava a dele. Tive que me controlar para não entrar em pânico, repetindo, por trás das frases que eu dizia em voz alta, a frase: Eles estão aqui para me proteger, eles são a polícia, não os bandidos.(...)"

Vista chinesa
Tatiana Salem Levy
Elsinore (2021)

segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Mudança

E mudou!

Os resultados das duas freguesias da cidade foram determinantes para a mudança, que acontece ao fim de dezenas de anos de poder "laranja".

Espera-se que a cidade rejuvenesça, se torne mais agradável e apelativa e que, dentro do possível, sejam encontradas soluções para a desatravancar, sem invenções para agradar a "gregos e a troianos", com receio que as decisões não sejam do agrado geral ou firam algum interesse instalado.

E, normalmente, as soluções para os problemas surgem da atenção que aos mesmos se dedica, bastando olhar para o que se faz pelo país e pelo mundo para que o "ovo de colombo" surja. Não é necessária a "perfeição absoluta" de Cesário Verde, mas são precisas soluções e não remendos.

A maioria votou na mudança e a legitimidade do voto é rainha, tal como as Caldas.

domingo, 26 de setembro de 2021

Eleições

Hoje, uma vez mais, foi possível votar em quem queremos, com toda a liberdade, sem medos ou subserviências, até naqueles que, se voltassem a ter essa oportunidade, acabariam com isto num ápice.

Mas, convém não esquecer, para que isto seja possível e continue a ser, houve muita gente que arriscou e deu muito de si, sem calculismos, contrapartidas ou benesses.

sábado, 25 de setembro de 2021

Teimosia

A calçada é larga, tem o mar ao fundo e o areal pelo meio. A filha segue pela esquerda, com cara de poucos amigos, enquanto a mãe, sorrindo, utiliza o lado direito, nunca perdendo de vista a sua criança. O espaço entre ambas é grande, por a filha assim o determinar. Vai zangada.

- Ó mãe, mas andar para quê?

- Faz-te bem e a mãe precisa muito.

- Mas não me apetece. Já andámos de manhã ...

- Mexe-te e deixa-te de conversas ... 

Uma cara feia, a mostrar que não concorda e que, se pudesse, desobedecia, claro. Procura argumentos enquanto franze o sobrolho.

- O sábado e o domingo são para descansar. Não são para torturar!

- E muito menos para passar o tempo agarrada ao telemóvel.

A mãe faz um sorriso amarelo quando se apercebe que o litígio tem testemunhas. Os seus olhos explicam que quem tem filhos daquele idade - 8/10 anos, não mais - está sujeito a argumentações claras e convincentes.

Passou o tempo do "anda e cala-te", mas continua a não ser fácil ... 

sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Regresso

O mar voltou ao lugar certo ou fui eu que tornei a ser oestino. É verdade que nunca deixo de o ser mas, por vezes, há necessidade de fazer umas pausas breves para fugir à nortada, à frialdade e à humidade.

Está tudo na mesma: o jardim e as plantas que o habitam não sentiram a ausência, porque S. Pedro foi amigo e deu-lhes de beber; a rolinha ainda conhecia o dono e o abastecimento deixado foi mais do que suficiente para os dias decorridos; as obras permanecem e, ao contrário do que seria previsível, não serão inauguradas antes das eleições, que se realizarão no próximo Domingo.

E por falar em eleições, amanhã é dia de reflexão, não se pode falar em nada que diga respeito ao acto eleitoral, entenda-se. Os meus desejos são que os eleitores pensem, reflictam e mudem. É bom mudar, mesmo que, daqui a quatro anos, se venha a dizer que pouco se alterou.

Por muito má, e nada indica que o seja, a mudança só pode trazer melhorias no marasmo instalado há décadas.

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

História

Sebastião José de Carvalho e Melo, primeiro Conde de Oeiras e mais tarde Marquês de Pombal, foi primeiro-ministro de El-Rei D. José I e autor da decisão de enterrar os mortos e tratar dos vivos, aquando do terramoto de Lisboa, em 1755.

Vive agora, disfarçado, a guardar os barcos da marina de Vila Real de Santo António.

Malhas que o império tece ...

quarta-feira, 22 de setembro de 2021

Hábitos

Há coisas a que não me habituo: ouvir, em altos berros, uns sons que saem das colunas de alguns bares e a que chamam música; ver uns corpos cheios de tatuagens nos sítios mais incríveis e visíveis - fico sempre a pensar como será nos invisíveis; falar a gritar ou gritar a falar, eu, que até falo alto; não ter um livro para ler, por ter falhado o devido aprovisionamento.

Que velho rabugento, ouve-se, ao fundo, do outro lado do mar.

terça-feira, 21 de setembro de 2021

Último olhar

Apenas uma nota breve, que o tempo é pouco e os dados móveis não se podem desperdiçar: a leitura de "Último olhar" foi terminada esta manhã, junto ao mar.

E o livro é fantástico! Do melhor que tenho lido nos últimos tempos. Obrigado, MST. 

segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Férias

 Uma semana para descanso e meditação, que as eleições são no domingo e a decisão é difícil.

O mar está óptimo, o sol presente e o vento ausente. Ingredientes fundamentais para um descanso activo, compensador e delicioso ... quem trabalha, merece. 

Como dizia o meu amigo que gostava de ter sido comerciante: não tenho a tabuleta mas volto já, lá para domingo.

domingo, 19 de setembro de 2021

Livros (lidos ou em vias disso)

"(...) Regressara a França poucos dias depois de completar 18 anos, repatriado de Mauthausen através da Cruz Vermelha, num comboio que fizera o percurso inverso daquele há quase quatro anos. Um comboio que transportava, não propriamente sobreviventes, mas antes restos, despojos físicos, do que haviam sido seres humanos, agora deserdados de saúde, de alegria, de família, de lugar de regresso, de vida a que voltar. Da janela do comboio, na travessia da Alemanha e da Itália, vira cidades em ruínas ainda fumegantes, casas e fábricas destruídas e gente vagueando por entre as ruínas, aparentemente tão perdidos de destino quanto eles. E campos bombardeados, árvores queimadas, colheitas perdidas no chão, searas por fazer, animais mortos caídos na soleira das casas: só então se deu conta da barbárie que se passara lá fora, para lá dos muros da prisão em que estivera nos últimos anos e onde acabara por se convencer de que toda a vida que existia começava e acabava ali e se resumia a sobreviver um dia atrás do outro.

Fora directo ao campo de internamento de onde partira com o pai, em Dezembro de 41. No dia seguinte apresentou-se nos escritórios dos registos, onde era suposto as autoridades dos campos terem guardado os dados relativos a todos os internados espanhóis que por ali tinham passado ou que ainda lá estavam. Esperava que assim fosse, de facto, que tivessem os registos em ordem e que, entre eles, constasse o paradeiro actual da sua mãe e da sua irmã, a pequena Sara, de quem ele já quase não se lembrava. Foi recebido por uma funcionária ainda nova, com um ar cansado mas simpática, e que ainda mais simpática se tornou depois de consultar o seu próprio registo e confirmar que ele tinha saído dali para Mauthausen quatro anos antes e que agora estava de regresso: sobrevivera à traição dos franceses e à demência dos alemães. Mas, infelizmente, os passos seguintes confirmaram também que os registos estavam actualizados e que podiam ser implacáveis.(...)"

Último olhar
Miguel Sousa Tavares
Porto Editora (2021)

sábado, 18 de setembro de 2021

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Viagens

Uma fábrica com quase 200 anos, que continua a produzir coisas lindas e bem alegres.

A visita ao Museu da Vista Alegre valeu bem a viagem.

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Chover no molhado ...

As entidades oficiais asseguram, com veemência, que os dragados da Lagoa são 80% de material limpo, classificado no Grupo I, e que apenas os restantes 20% poderão ter alguma contaminação. Daí não haver qualquer perigo para a saúde pública nem para o ecossistema, garantem.

Ficamos todos descansados, principalmente se deixarmos de ir à Foz. Hoje, apesar de o "aparelho" não estar a trabalhar - não consegui confirmar se "trambolhou" de novo -, a água do mar e da lagoa metia medo e causava repulsa, ainda que só os pés a fossem experimentar. O verde límpido foi substituído (talvez porque o Sporting perdeu por muitos) por um cinzento acastanhado, e o cheiro a maresia por um odor estranho, que parece uma mistura de algas com outras coisas mais esquisitas mas, pela certa, apenas normais.

Voltaremos a ter a Foz límpida e bem cheirosa? A ver vamos, mas os sinais não são muito animadores, mesmo sendo optimista.

Os pescadores esfregam as mãos de satisfação e um deles, dos mais antigos, referiu que, anteontem, apanhou mais de 40 quilos de robalos com mais de 1 quilo cada um.

- Nunca tinha pescado tanto, e os outros também ... tive de ir comprar uma arca nova! Sim, que eu não vendo peixe a ninguém. Está guardado para eu e a minha família irmos comendo.

- E hoje?

- Está fraco, mas ainda é cedo. A maré está a subir até quase à uma hora. Vamos ver!

A pescaria satisfaz alguns, mas não diminui a tristeza de muitos que conhecem bem a praia. 

Venha depressa o Inverno. "Penas que não se vêem, não se sentem". 

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Quem te avisa ...

Já cheira a Outono, pelo menos cá pelo Oeste profundo. A chuva e a trovoada dos últimos dias alteraram a paisagem, o sol está mais baixo, as pessoas fugiram ou regressaram ao trabalho, e a praia ficou deserta.

Não há barracas, chapéus, "tapumes", toalhas, banheiros, muito menos a menina das bolas de Berlim. Sobra o sossego, com o rugido do mar em fundo e os surfistas em luta pela melhor onda. A água ainda permanece tépida, mas já não deverá ser por muito tempo.

Da meia dúzia dos que se aventuraram hoje a pisar a areia húmida, sobressaiu um, por certo habituado à calmaria dos algarves e caído aqui de kitesurf, quem sabe, que não prestou a devida atenção às ondas "fozeiras". Uma simples viragem para regressar à toalha e ei-lo experimentando as agruras da queda, o sabor da areia, a aflição do pulmão. O aviso deve ter-lhe ficado bem gravado na memória: na Foz, nunca vires as costas ao mar.

terça-feira, 14 de setembro de 2021

Livros

Chegaram livros novos e alguns deles talvez passem por aqui, quando forem lidos. Outros não terão, pela certa, essa desdita, mas cada um tem o que merece e o blogue não é nem quer ser uma montra de livros ou um lugar de exibição de pretensa sapiência, que cada vez é mais reduzida e incipiente.

Desta vez, a caixa da Wook foi parar ao posto de entrega porque "o destinatário não atendeu". Pudera, estava na praia ... E, por via disso, a encomenda, que deveria ter vindo já passar o fim de semana à casa que a custeou, só cá entrou ontem. Mas veio a tempo: há dois dias que não há praia!

Um dos livros - Líbano, labirinto, de Alexandra Lucas Coelho - trazia, como marcador, postal ou o que lhe queiram chamar, a reprodução de um grafitti, que me apeteceu deixar por aqui, embora lhe garanta um lugar seguro, para não se deteriorar. O livro vem recheado de excelentes e elucidativas fotografias, da autora, entre as quais a que foi "transformada" em marcador.

A mim, que nada percebo de pintura, fez-me lembrar os traços de Paula Rego e pensar que a Diana, em 2019, pretendeu retratar um grito de revolta "escondido" na leitura de um livro.

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Sol e chuva

Dia esquisito.

Para já, não tão violento como antecipavam as previsões mas, ainda assim, com aguaceiros intensos e alguns trovões lá ao longe.

Apesar dos avisos da Protecção Civil e do IPMA, ninguém cuidou de dar uma limpeza junto das sarjetas, das valetas e de outros sítios com terminação em "etas" ou noutra qualquer, proporcionando rios, riachos, ribeiros, arroios, com maior ou menor corrente, consoante a inclinação das ruas.

Só má língua! Há tanta coisa para fazer, há pessoal de férias, a pandemia, a campanha eleitoral, e ainda existe "lata" para pedir estas tarefas não essenciais. Toda a gente sabe que são anualmente necessárias e ... sempre esquecidas.

A janela mostra: já há sol de novo, radioso, quente, que vai secar as ruas, pelo menos até ao próximo aguaceiro e sem qualquer encargo. 

domingo, 12 de setembro de 2021

Mar sereno

De acordo com as previsões do IPMA, o mar vai perder a serenidade, o sol vai esconder-se, a chuva e o vento virão para ficar, pelo menos, três dias, apesar de não terem sido convidados. Afinal de contas, ainda nem estamos a meio de Setembro ... e a água da Foz tem estado tão quentinha.

Se as previsões baterem certo, a semana começará sem praia, obrigando a reformular todo o planeamento já feito e a procurar novas rotinas que contribuam para se manter a boa disposição, o alento e o gozo que a vida deve ser e ter.

sábado, 11 de setembro de 2021

11 de Setembro de 2001

Ainda não tinha cinquenta anos; ainda trabalhava, muito; ainda bebia muitos cafés; ainda não havia blogue; os meus pais ainda não tinham partido; os meus netos ainda não tinham chegado. Era tudo tão diferente e houve tantas mudanças.

Vinte anos passados, recordo a ida ao café, aquele lá do fundo que servia uma bica bem melhor do que o outro, mesmo ali ao lado. A dona, simpática, mal me via entrar e já estava a encher o manípulo com o café Buondi, moído na altura. Naquela tarde, isso não aconteceu. Os seus olhos estavam "vidrados" no televisor que existia por cima da porta de entrada e o ar dela, compenetrado e espantado, deu-me logo consciência que tinha acontecido desgraça e grande.

- Um avião bateu numa torre da América, foi o cumprimento que recebi.

Assisti ao embate do segundo em directo. Custava a acreditar, mas era real. Caíram as torres, o silêncio fez-se ouvir, o pânico tomou conta de quem ali estava - três ou quatro pessoas, não me lembro bem.

A bica demorou muito a ser tirada e uma eternidade a ser bebida. O regresso ao banco com a notícia fez com que toda a gente saísse, para ver por si próprio. A notícia transmitida não era crível e a forma como o foi ainda criava mais dúvidas.

Fiquei sozinho ... o mundo nunca mais foi o mesmo, a intolerância mantém-se, a miséria abunda, abrindo portas a um radicalismo pseudo religioso e fanático, impossível de entender. 

sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Jorge Sampaio

18.09.1939 - 10.09.2021

Partiu hoje mais um "cravo" de Abril. Já restam poucos.

Quando a História se escrever, longe dos interesses mesquinhos e do momento, o seu nome aparecerá com letra grande, mas, ainda assim, não tão grande que retrate de forma completa o que ele foi.

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Traição

Merecida ... depois das vicissitudes dos últimos dias, hoje a Foz não me viu, para deixar claro o meu desagrado e também o meu veemente protesto. Não é correcto o seu procedimento e temos de lavrar a nossa indignação, perante comportamento tão feio para com gente que se mantém fiel há longos anos.

Mão amiga (CPC) fez-me chegar uma foto, com comentários sobre a maravilha do tempo que por lá estava, as óptimas condições do mar e da temperatura, a beleza do passeio às rochas, despertando a inveja e motivando o arrependimento. 

Em vão! A manhã foi passada à beira do Atlântico, um pouco mais para sul, e foi óptima, sem fantasmas de dragados ou água suja, muito menos a sua realidade. Pelo contrário: duma boa banhoca na Supertubos, com o areal quase deserto e o mar "de gritos", um salto para Peniche de Cima e Cova da Alfarroba, com muitas escolas de surf e bastantes alunos estrangeiros a usufruírem de aulas num cenário idílico. 

Grandes banhos, com água a vinte graus, ondas sem força e necessidade de percorrer mais de cinquenta metros para um mergulho de jeito nas ondas fraquinhas, como convém aos idosos. 

Para culminar, almoço no Baleal, numa esplanada catita, com o distanciamento devido. Na hora da sobremesa, dois clientes abriram a boca de espanto perante a informação de que o peixe, fresco, já tinha acabado. Paciência, viessem mais cedo! Não é às três que se almoça.

Amanhã dar-se-á o regresso à Foz, com a esperança de que a água esteja limpa e os dragados sossegados.

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

"Crime e castigo" *

No dia de hoje mas do ano em que nasci (1952), foi publicado pela primeira vez "O Velho e o Mar", de Ernest Hemingway. Associei esta efeméride que, como será óbvio, li nas notícias porque dela não fazia a menor ideia, ao que soube hoje na Foz e não veio nas notícias.

Logo pela manhã, teimoso, fui ver como estava o mar, apesar de os serviços da meteorologia avisarem que talvez chovesse e não ter qualquer esperança de encontrar água em condições de tomar um bom banho. À chegada, ao avistar o Gronho, a boca abriu de espanto: não havia sinais de dragados e o mar, embora ainda não regressado ao normal, parecia bastante melhor do que nos dois dias anteriores. 

Conclusão lógica e imediata: os protestos chegaram aos ouvidos de quem manda e os trabalhos foram suspensos. Uma ida até às rochas confirmou que a água límpida estava a regressar e que uma nova maré cheia talvez fizesse o milagre. 

A caminhada até à aberta e dois dedos de conversa com o pescador habitual, que conhece o mar como poucos e antecipa sempre as atitudes e as vontades dele, permitiu perceber que a conclusão tinha sido precipitada e pôs tudo em pratos limpos.

- Ontem, por volta da uma da tarde, aquilo "trambolhou" tudo. Meteram-se com ele ... escavou por baixo, tirou a areia toda e a peça que atira a porcaria "trambolhou". Talvez sirva de aviso para porem aquilo a despejar lá mais para dentro, onde as marés e as correntes sejam mais fortes. Até os peixes fogem daquela barria, que lhes entra nas guelras e os sufoca.

Conclusão bem mais acertada: quem se mete com o mar, leva!

* Romance de Fiódor Dostoiévski, escrito em 1866.

terça-feira, 7 de setembro de 2021

Construção

Passam hoje 199 anos da independência do Brasil e o grande país (ainda) está longe de se ter construído.

segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Desilusão

- Esperem-lhe pela pancada ...

E a pancada chegou.

Não a que os arautos do tempo anunciavam, mas outra, bem mais aborrecida e preocupante, e que não era esperada. Ou era?

A APA teria efectuado todos os testes e anunciado, (assim se dizia) que os dragados não trariam qualquer problema ao mar da Foz, não só pela distância a que iriam ser lançados, como pelo facto, determinante, de as correntes serem sempre de Norte para Sul. 

Hoje, à chegada, deparou-se-nos um espectáculo deprimente. Aquela água límpida, transparente, azul esverdeada ou verde azulada, nunca sei, que estamos habituados a ver e a desfrutar, tinha sido conspurcada e o que se via, bem até lá ao fundo, era uma grande mancha acinzentada, e a rebentação passara da alvura normal para um castanho nojento.

Uma manhã para esquecer e os desejos de que as marés vivas, a Lua ou qualquer outro poder "sobrenatural" alterem depressa a situação, levem a porcaria para bem longe e nos devolvam a Foz nas condições que sempre nos foram oferecidas.

Antes estivesse a chover!

domingo, 5 de setembro de 2021

Desilusão

- Logo não te esqueças de ver a SIC. O programa do César Mourão vai ser nas Caldas.

Habitualmente, o botão da SIC generalista não é premido e, mesmo em zapping, passo por lá como "cão por vinha vindimada". Não é preconceito nem "armar ao pingarelho", mas é muito raro lá permanecer.

A curiosidade e a necessidade de poder mandar uns bitaites com conhecimento de causa, obrigou a não esquecer a recomendação e por lá me mantive até ao fim, com grande esforço, diga-se.

Que tristeza! Até tenho uma boa ideia do actor, humorista e apresentador, mas ontem, talvez por deficiente trabalho de retaguarda, foi mau de mais para se assemelhar a verdadeiro. Quem conhece a cidade, ficou triste e quem pensava cá vir, deve ter desistido de imediato.

Reduzir as Caldas a meia dúzia de bonecos fálicos e a uns doces com o mesmo formato, misturando Bordallo Pinheiro com a bonecada, é o mesmo que comparar a Estrada da Beira com a beira da estrada ou o bife à milanesa com o bife em cima da mesa. Tudo foi escolhido a dedo para ocupar uma parte do horário nobre com um conteúdo vazio, da piada fácil e do palavrão velado ou explícito. Os entrevistados, todos "brilhantes", fizeram jus à categoria do programa e confirmaram que não há nada melhor para uma conversa subir de interesse do que a fazer descer de nível.

Poderiam ter resumido as charlas a cinco minutos, já era muito, e dedicado o resto do tempo ao que ainda existe de interessante na cidade.

E não é pouco, apesar do desleixo e da ignorância.

sábado, 4 de setembro de 2021

Diferente

Nas conversas à beira de água, na Foz do Arelho, ouve-se constantemente a referência à excepcionalidade do tempo e das condições do mar, às quais não se está habituado e que apenas costumam ocorrer num ou dois dias seguidos e muito de vez em quando.

Mesmo os "não clientes" são sensíveis e gostam!

- Costumo ir para a Lagoa, mas esta semana não saí daqui ...

Neste ano já tinham surgido dias excelentes, alternados, sempre a confirmar a regra de que não há, seguidos, dois bons na Foz. A excepção está a acontecer em 2021 e já há mais de uma semana que os dias e o mar se mantêm divinais.

Parece que até circulam, de acordo com as informações de hoje, opiniões de "achistas" nas redes sociais, de que isto se deverá às alterações climáticas.

- Esperem-lhe pela pancada ... afirmam, convictos.

Talvez tenham razão e um dia destes o mar não autorize mais do que pôr o pé, aplique o "corte" no tornozelo, obrigue a colocar o "tapume" para aguentar a nortada e até determine o recurso à camisolinha, para evitar a constipação.

Tudo é possível mas, enquanto ele deixar e quiser, aproveitemos a sua bondade e gozemos a festa, porque, assim, nem no Algarve.

Hoje, de acordo com os termómetros das aplicações disponíveis, a temperatura da água era de dezanove graus. Verdade ou não, parecia banho de imersão!

sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Livros (lidos ou em vias disso)

(...) "- Não te faço uma vénia porque acabei de me sentar, Carlinho. E a Maria Luísa? Sempre nas suas visitas aos pobres? Como pode manter essa expressão de paz, paralelamente às visitas regulares aos bairros da lata, aos bairros da fome? Não fica com os olhos pesados, com a alma pesada, das coisas que vê?

- Com as minhas visitas aos pobres passa-se o mesmo que com o livro do Miguel - não são coisas de que se fale.

- Bem, eu nunca me entregaria a essa caridade ordenada, pautada, - percebe com certeza que não estou a ofendê-la, que a estimo e que a acho muito boa - mas que ataco essa caridade das segundas, quartas e sextas, como ela é praticada pelas beatas que a rodeiam. Eu nunca poderia fazê-lo, mas, se o fizesse, se a minha vida fosse dirigida para esses caminhos, parece-me que nunca mais teria coragem de comprar um vestido de seda natural, como o seu, ou de jantar num bom restaurante, e mais uma enfiada de coisas.

<<Bravo, Silvana, aí saltas tu com a tua sede de Absoluto, eu bem dizia ...>>

<<Esta rapariga parece desencabrestada. Quem diria, com aqueles ares de seresma ... O Leonardo, já lhe cheirava a esturro.>>

- Vêem? Esta é a Silvana. Onde entra agita logo a atmosfera. Parece um vendaval! Um furacão. Um ciclone. Silvana é bonito nome para ciclone. Os americanos ainda não se lembraram. (...)"

Viver com os outros
Isabel da Nóbrega
Portugália (1965)

Nota: Isabel na Nóbrega morreu ontem, aos 96 anos.

quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Feira do Livro

Entre o lanche, adiantado, e o jantar, atrasado, uma saltada a Lisboa para que a ausência do ano passado não se repetisse este ano, apesar dos receios das multidões, que se mantêm bem vivos.

Muitos livros, muita gente, não muito calor, máscaras e gel desinfectante, um papel no bolso que, afinal, não serviu para nada. Nenhum dos adquiridos estava na lista, mas isso não belisca nem um bocadinho o prazer de, partindo do monumento ao 25 de Abril, de José Cutileiro, descer até ao Marquês e voltar a subir, sempre rodeado de livros e de gente com eles na mão ou no saco.

Para o ano, voltarei a ser parte, "se a tanto me ajudar o engenho e arte."

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Palavras bonitas

DEZ RÉIS DE ESPERANÇA

Se não fosse esta certeza
que nem sei de onde me vem,
não comia, nem bebia,
nem falava com ninguém.
Acocorava-me a um canto,
no mais escuro que houvesse,
punha os joelhos à boca
e viesse o que viesse.
Não fossem os olhos grandes
do ingénuo adolescente,
a chuva das penas brancas
a cair impertinente,
aquele incógnito rosto,
pintado em tons de aguarela,
que sonha no frio encosto
da vidraça da janela,
não fosse a imensa piedade
dos homens que não cresceram,
que ouviram, viram, ouviram,
viram, e não perceberam,
essas máscaras selectas,
antologia do espanto,
flores sem caule, flutuando
no pranto do desencanto,
se não fosse a fome e a sede
dessa humanidade exangue,
roía as unhas e os dedos
até os fazer em sangue.

Poesias Completas (1956-1967)
António Gedeão
Portugália (1975)

Nota: O meu filho, invejoso, entra hoje na "casa dos enta", "moradia" onde já está a irmã há algum tempo. Não se diz quanto, porque nunca se deve revelar a idade das senhoras. Esta entrada significa que, dos que me restam, já só os netos permanecem lá fora!