domingo, 31 de julho de 2022

Que fazer?

Nunca se pode ter a pretensão de saber tudo, de estar actualizado, de conhecer todas as notícias em primeira mão, embora se tente fazer um esforço para que isso aconteça. Presunção e água benta, cada um toma a que quer mas isto ter-me-ia passado ao lado se o meu amigo ADS não tivesse tido a preocupação de me alertar. 

Actualidade, gravidade, alerta, grito, apelo. Poder-se-ão utilizar todos os adjectivos mas nenhum deles é suficiente para que alguém deixe de sentir o peso do que estamos fazendo da humanidade e ouvir bem os avisos do dinossauro que, claro, sabe bem daquilo que fala.

sábado, 30 de julho de 2022

Livros (lidos ou em vias disso)

(...) Os sítios onde os sem-abrigo tentam organizar-se e fazer os seus "cantinhos" pessoais estão sempre sujeitos a vandalismo e a que alguém roube tudo o que lá está. Roubar ... o termo não será bem este. Já diz o célebre chavão que achado não é roubado. As coisas simplesmente desaparecem. Por muito bem escondidas que estejam, em sítios cuidadosamente escolhidos, aquilo que nos pertence está na via pública.

Estes nossos "cantinhos" podem até ser removidos ou limpos. Podem ser considerados lixeiras pelas autoridades na matéria. E vamos queixar-nos de quê e a quem?

Depois, há a questão da privacidade. Ou da falta dela. Estamos permanentemente expostos aos olhos de toda a gente: quando dormimos, quando comemos, quando nos lavamos. Para os outros, talvez sejamos "poluição visual", expressão que ouvi da boca de alguém que me deu uma moeda. Bem, o que sei é que somos, de facto, diferentes. Na vida e na sociedade. Mas é precisamente nessa diferença que estamos presos. Porque somos pessoas sem casa.

Poluição visual! De facto, o sítio onde eu dormia era uma lixeira! Comecei a pensar que teria de descobrir um melhor. Não conseguia arranjar um colchão e conhecia muitos sem-abrigo que encontravam e escolhiam locais melhor para dormir. Já falara nisso ao Zé, mas ele gostava de estar ali. Dizia que não havia confusão. E não havia. Era uma espécie de abrigo só nosso. Podem não acreditar, mas não é fácil vivermos uns com os outros.

O mundo onde passei oito meses era uma autêntica selva. Era quase cada um por si. Por isso, normalmente, um sem-abrigo só tem um outro sem-abrigo por companhia regular. É uma questão de confiança. É um parceiro. Como disse um dia o Zé: "Para viver aqui, um não chega, três são demais."(...)

Crónicas publicadas inicialmente no jornal online Mensagem de Lisboa e agora reunidas em livro.

Diário de um sem-abrigo
Jorge Costa
Oficina do Livro (2022)

sexta-feira, 29 de julho de 2022

quinta-feira, 28 de julho de 2022

Sonhos

Foi publicada hoje no Diário da República uma Lei, aprovada por unanimidade e aclamação na Assembleia da República, que determina o encerramento integral do país no mês de Agosto de cada ano. Todos os deputados que intervieram na discussão manifestaram de forma eloquente a sua concordância e o seu apoio incondicional, facto que deverá ser inédito na história da democracia. As conferências de imprensa que se seguiram à votação mostraram, à saciedade e à sociedade, que toda a gente ansiava por uma Lei desta natureza e que não houve um único deputado que não desse a sua colaboração para que o texto final reflectisse não só o rigor e o acerto da medida, como também evitasse que algum erro gramatical, gralha ou vírgula  pudesse vir a alterar o sentido patriótico desta histórica decisão.

Finalmente chegou a hora, de forma absolutamente legal, de o país fechar todas as portas na próxima segunda-feira, sejam elas de esquadras, hospitais, repartições, ministérios, supermercados, restaurantes, bancos, lojas, bombas de gasolina e, resumindo, tudo o que trabalhe em ambiente fechado ou que se possa fechar. Não haverá greves dos comboios, dos aviões ou dos autocarros pela simples razão de que nada disto funcionará. Garantir-se-á, desta forma, que todos os portugueses gozam as merecidas e garantidas férias no mês de Agosto, acabando, de vez, com as injustiças e com a trabalheira anual de elaborar um mapa que garanta o funcionamento sem impedir o direito inalienável ao descanso.

No preâmbulo, a Lei alerta para os perigos resultantes de nas praias não haver nadadores-salvadores equipados, apelando para a compreensão de todos e para a solidariedade que deve sempre existir. Também se alerta para o cuidado a ter com a alimentação, embora se saiba que a comida caseira apresenta sempre menos riscos do que a que se come fora. Está bem explícito que os restaurantes não funcionarão, não haverá espectáculos nem noitadas de bares ou casinos, discotecas e similares, e apenas se beberá café da máquina que existir lá em casa.

Acordei! Isto não lembra ao diabo! Que disparate de sonho. Deve ser da idade ...

quarta-feira, 27 de julho de 2022

Tarefas

As férias ocupam uma grande parte do tempo e fazem com que algumas tarefas importantes possam ficar para trás, não esquecidas mas adiadas para uma melhor oportunidade. Ela sempre surge ainda que, por vezes, aconteça com algum atraso para as necessidades que têm o seu tempo determinado.

A rolinha branca, apanhada há já alguns anos junto à campa dos meus pais, mantém-se fresca e sempre atenta ao que se passa à sua volta, cantando a seu belo prazer e manifestando claro agrado sempre que chego por perto.

Na manhã de hoje pareceu-me que o canto estava mais apelativo e que clamava pela presença de quem, há alguns dias, se limitava a passar sem lhe dar a atenção devida. Tinha toda a razão em reclamar: a ração já tinha sido devorada e era necessário repor a "mesa". Lá lhe expliquei, na linguagem que só os dois entendemos, que esta coisa da praia nos faz esquecer algumas obrigações. Apesar desse lapso da maldita memória, fui a tempo de lhe encher os "pratos" com acepipes novos e frescos antes de a ruptura ser total.

A alegria foi manifestada com a intervenção "bical", procurando o que lhe parecia melhor e mais gostava, e colocando na borda do "prato", perdão, fora do "prato" que não tem borda, o que não lhe agradava a olho nu. Exagerei no abastecimento, para compensar o atraso.

O chão não adorou o rejeitado e clamou, incessantemente, pela intervenção da vassoura ...

terça-feira, 26 de julho de 2022

À boca pequena

Não havia vento, o sol estava com aquele azul celeste que enche o olho e a temperatura amena, condizente com a época que atravessamos. O mar, como de costume, enganava-se e dava mil e uma voltas até se espraiar na areia, depois do perigoso "quebra-coco". Nunca há bela sem senão ...

A conversa está animada enquanto o corpo enxuga, sem precisar de toalha. Comenta-se como será amanhã, confirma-se que hoje está bem melhor do que ontem, presta-se atenção a alguns visitantes que arriscam a entrada sem as cautelas devidas a quem não conhece quão traiçoeiro é o "bicho". Acabam aos trambolhões, à procura das mãos e dos pés que, afinal, estão misturados com a espuma e lá ajudam o dono a levantar-se. E a conversa continua fluindo. Descamba para esse vício que de social passou a anti, por força do mal que causa a quem o pratica e aos que o suportam por osmose. Dos convivas, não havia um único que não tivesse alguma vez experimentado um cigarrito, ao contrário de mim que os devorei durante longos anos. Conheciam as marcas antigas, do Kart (dava quilómetros de prazer, segundo a publicidade da época)  ao Sagres, dos vários SG's ao Português Suave, do Definitivos ao Provisórios. 

Ao ser referida aquela última marca, a memória que já me vai traindo nas coisas mais comezinhas, trouxe à tona o que sobre ela se dizia, naquela época triste em que tudo tinha de ser dito à boca pequena.

- Provisórios não é uma marca de cigarros. Contém uma mensagem vinda de muito longe!

 - ???

- Portugueses republicanos, os vossos irmãos soviéticos ordenam retirada imediata oliveira salazar. 

Só os velhos conseguem compreender que uma "gracinha" destas tinha de ser dita à boca pequena. 

segunda-feira, 25 de julho de 2022

Partiu-se

A sua voz nunca se ouvia directamente. Mal o grupo se instalava no largo para a peladinha do dia, as momices distinguiam-se perfeitamente pelos esgares e pelos sons, cavernosos, que se faziam ouvir apesar do chilreio da rapaziada. Nada era entendível. A sua fala, mesmo em conversas normais, era quase estranha, com a língua entaramelada e um som gutural que mais ninguém tinha.

Todos sabiam que detestava miúdos e mais ainda o jogo da bola, que a exasperava deveras.

- Jogo do coice ..., percebia-se com alguma frequência por entre os dentes ausentes. 

Controlava, por detrás das cortinas, tudo o que acontecia no largo. Quando não lhe agradava o barulho ou ouvia alguma exclamação mais apimentada, saía intempestivamente a porta de madeira, atravessando o "relvado", interrompendo o desafio e tentando, trôpega, "chegar a roupa ao pêlo" de algum. Nessa altura, todo o cuidado era pouco porque uma desatenção daria, pela certa, lugar a uma estalada bem assente na cara ou uma queixinha a um dos pais, com a recomendação explícita da necessidade de uma educação mais forte a dar ao rebento, que já era espigadote e merecia-o.

- Serve para aprender. Não dá juízo mas conserva o que tem.

Naquela tarde a bola era nova e de cauchu, coisa rara e nunca vista. O jogo estava delirante e até o dono dela, com a habilidade sempre ausente, corria que se fartava. Havia golos de ambas as equipas, marcados naquelas balizas sinalizadas pelas duas pedras a fazer de postes e com a trave a ser calculada de forma imaginária, em função da altura de cada um dos guarda-redes. A discussão era acesa, sempre que o golo era marcado por alto.

- Foi fora ... passou por cima ... não valeu.

Ela deve ter-se fartado da gritaria e foi para dentro. Não viu nada. Um remate desastrado, a bola bateu, com estrondo, e o vidro ... estilhaçou-se. A voz saiu-lhe clara:

- Quem foi o malandro, que lhe desfaço a tromba.

Ninguém respondeu. A pouco e pouco, pela esquerda baixa, cada um saiu do campo e rumou a casa. As momices habituais foram substituídas por altos berros, mas nenhum se chibou.

- Foste tu?

- Eu?! Eu até estava à baliza ...

domingo, 24 de julho de 2022

Praia famosa

Mais uma manhã em que o mar não abriu as portas e, para haver banho foi necessário o recurso à "aberta", que está sempre disponível para o substituir, oferecendo uma piscina de água limpa e com a temperatura a condizer com o local. Uma brisa nortenha, para não variar e algumas nuvenzitas a acinzentarem o azul de vez em quando, completaram o quadro domingueiro.

A expectativa sobre o que se iria passar à tarde era alta e foi o motivo principal de conversa. A SIC iria transmitir, em directo, um daqueles programas de "encher chouriços", onde os playback são reis e as entrevistas com os espectadores bastante eloquentes e esclarecedoras, inovando sempre ... sem qualquer alteração.

Há pouco dei uma espreitadela - também não resisti - e confirmei que a Foz ainda é mais bonita vista de cima, à custa de um drone que a sobrevoava e lhe destacava as maravilhas. Deve ter deliciado os espectadores que viram pela primeira vez a Lagoa, o Gronho, o mar revolto cheio de "omo super", as rochas e as prainhas. Sem som, as imagens eram bem elucidativas da beleza que ali temos.

Amanhã voltaremos ao mesmo, sem GNR a comandar o trânsito e com espaço para circular e estacionar, a não ser que o programa tenha despertado a curiosidade e o interesse e surja uma enchente. 

À cautela, convém lembrar aos interessados que a água é fria e o mar muito bruto.

sábado, 23 de julho de 2022

Actualização

Numa época em que o vocabulário é cada vez mais escasso e repetitivo, fica-se espantado quando se lê, algures, que Camões utilizou mais de nove mil palavras diferentes n'Os Lusíadas. Talvez Aquilino Ribeiro, Miguel Torga, José Saramago ou António Lobo Antunes tenham batido aquele número no conjunto da obra de cada um mas, num livro apenas, tenho dúvidas. Quando tiver tempo livre ou sem tarefa  distribuída, vou contar ...

Acresce que, na época, os pronomes utilizados para designar plural não revelavam as preocupações que hoje abundam e a necessidade imperiosa de referir claramente que elas e eles foram à festa num carro que não era seu e sim do seu pai e da sua mãe, que o haviam cedido à filha e ao filho para esta e este se deslocarem, com as amigas e os amigos, ao festival de verão onde iriam actuar as artistas e os artistas mais em voga nesta altura. Ela e ele tinham adquirido os bilhetes e as amigas e os amigos haviam comprado a tenda onde todas e todos dormiriam após uma noite em que elas e eles se divertiriam o suficiente para que esta saída ficasse bem marcada na memória de todas e de todos.

Se Camões vivesse hoje, Os Lusíadas teriam, estou convicto, mais palavras diferenciadas e versos bem mais adequados ao rigor que a ditadura da língua passou a determinar, com ou sem o malfadado Acordo. Corrigiria o verso "... e aqueles que por obras valerosas / se vão da lei da morte libertando ...", para o correspondente ao que hoje é considerado correcto, o que daria: e aquelas e aqueles que por obras valerosas ... se vão espantando com as novas necessidades do dia a dia.

sexta-feira, 22 de julho de 2022

Teatro

O Teatro da Rainha continua o seu trabalho, árduo, em prol do teatro, procurando manter o interesse da população para esta parte essencial da cultura de todos e de cada um, sempre com a qualidade a que nos habituou.

Na passada semana brindou-nos com (mais) uma produção própria, ao ar livre, em quatro noites que, ao contrário do costume, se apresentaram amenas em temperatura e sem vento. No Largo do Hospital Termal, os privilegiados que esgotaram todas as sessões, à borla, viram um excelente espectáculo - Mandrágora, de Maquiavel - com a encenação e o desempenho de todos a um nível altíssimo, como é, de resto, habitual, enriquecendo a qualidade e a actualidade de um texto escrito no século XVI.

Ontem, já na sua sala estúdio, foi a vez de se apreciarem cinco actores moçambicanos a interpretarem um texto de Mia Couto e José Eduardo Agualusa - Chovem amores na Rua do Matador. Uma grande noite a ver e ouvir a história de Baltazar Fortuna e das suas três mulheres, que só usufruíram do "azar" do nome, escapando-lhes a "fortuna" que o apelido poderia indiciar.

O que é bom é intemporal e o teatro confirma-o sempre.

quinta-feira, 21 de julho de 2022

Quadros

As paredes do escritório transmitem o regresso diário à natureza, aquela que fez parte da infância e que, agora, é praticamente inexistente. Nessa altura, as aves faziam parte do dia a dia e davam-se a conhecer, à distância e escondidas, apenas pelo silvo ou pelo chilreio. Agora é raro sermos surpreendidos pelo pio de um mocho e as cegonhas não gostam do nevoeiro oestino. As poupas, os pintassilgos, os piscos e as perdizes são raros mas, felizmente, parecem estar a voltar ao campo, em número muito reduzido, claro. 

A autora tem mais um quadro na "forja", que irá completar a colecção. Já não há espaço na parede que serve de galeria e, ao mesmo tempo, de museu que tenta manter viva a memória, difícil de refrescar ao natural.




quarta-feira, 20 de julho de 2022

Aniversário

Encerra hoje o ciclo anual das datas de aniversários dos netos, dias que são, sem qualquer dúvida, os mais importantes de cada ano. O neto, segundo na hierarquia das idades, completa a primeira capicua das muitas que, na sua vida, irá cumprir.

O Vasco faz onze anos da forma discreta como sempre se apresenta. Tímido, com poucas palavras, sabedor, irónico por vezes, inteligente sempre. Tem força e fibra naquele corpo aparentemente frágil, sempre atento ao que se passa à sua volta, deixando que transpareça o contrário.

CONSELHO

Sê paciente: espera
que a palavra amadureça 
e se desprenda como um fruto
ao passar o vento que a mereça.

Poesia
Eugénio de Andrade
Fund. Eugénio de Andrade (2000)

terça-feira, 19 de julho de 2022

Insignificâncias

Sempre que a coisa não corria bem, que o dia era uma estafa ou não havia resultados palpáveis nas tarefas desenvolvidas, surgia a frase lapidar:

- Bolas! Há dias em que um homem, à tarde, não pode sair à noite!

O significado era nulo, o conteúdo inexistente, a explicação impossível. Mas ele continuava a repeti-lo, "ontem, hoje e amanhã", como o Cid na canção. E, se era questionado sobre o que pretendia significar com o dito, enxofrava-se e respondia com brusquidão e voz bem alta:

- Não percebeste? És burro!

Acabava por ali. Mais ninguém se atrevia a colocar dúvidas ou fazer perguntas, apesar de não entender nada nem ver razões para tal destemperança.

Com esta conversa toda, esqueci-me do que tinha programado escrever hoje e, claro, também não vale a pena continuar nem tentar adivinhar a razão do porquê. Há dias em que uma pessoa, à tarde, não deve sair à noite e muito menos pretender chamar a imaginação que se ausentou para parte incerta, sem sequer deixar um contacto.

Salta outra dúvida: a imaginação ausentou-se ou nunca por aqui andou?

segunda-feira, 18 de julho de 2022

Formigueiros

Este ano, sem qualquer autorização ou aviso, as formigas tomaram de assalto o jardim e, na labuta que lhes é costumeira e está nas entranhas, devem já ter construído um intrincado labirinto que, espera-se, não irá comprometer a segurança dos alicerces da casa. Os montes de areia que vão aparecendo diariamente fazem ter algumas dúvidas mas a sua capacidade ainda não deve chegar a tanto.

São aos milhares, sempre no carreiro, algumas em sentido contrário como a que o Zeca imortalizou, levando mercadoria para as catacumbas, garantindo a subsistência actual e a futura,  para o inverno que há-de chegar. Esse trabalho árduo irá permitir-lhes gozar com a cigarra da fábula, que não paira por aqui e deverá estar a deliciar-se, cantando sob o sol escaldante as músicas que animam o país a arder e em alerta permanente.

A ocupação, selvagem, que efectuaram, sem qualquer autorização prévia ou posterior, provoca um incómodo terrível em quem já por cá estava e anda com as partes de baixo (não as partes baixas) sem protecção. Mordem que se fartam, causando muita comichão e alguma dor. Ainda mal se chega ao quintal e já uma, mais afoita, subiu pelas pernas ou atingiu os braços, sem dar tempo para que se perceba de onde vem e como conseguiu subir. As restantes seguem-lhe as pisadas e, num ápice, são dezenas. Parece que o seu objectivo é acabar com o direito de andar descalço ou de chinelos no jardim.

Pode ser uma violação dos direitos dos animais, ser até punível por lei mas, aquelas atrevidotas que conseguem macular-me a pele, dificilmente repetirão a façanha, por, na medida do possível, ficarem impedidas de ter segunda oportunidade.

domingo, 17 de julho de 2022

Helicicultura

Na sua velocidade de caracol segue, atento, tudo quanto à sua volta se passa, com atenção precisa e tentando ter rapidez na acção. Os "corninhos" são as antenas de radar, sempre sintonizadas, e que lhe permitem fugir, à velocidade estonteante de caracol, dos obstáculos, encolher-se na casca quando o perigo se aproxima, observar a paisagem com amplitude completa, aproveitando bem as vistas interessantes, o que nem sempre acontece.

O caracol aproveita tudo e tenta usufruir, ao máximo, do que lhe é oferecido à vista, sem encargos nem regras, a não ser a que o obriga a estar atento às pisadelas, às desfeitas, às vinganças, a tudo o que a vida que o rodeia lhe proporciona, por mais que se esforce a ser-lhe indiferente. Não abre portas para atropelar os outros, sejam eles animais esquisitos, caracóis ou lesmas. Todos têm direito à vida que querem, gostam ou podem. As portas podem sempre abrir-se mas as correntes de ar deviam apenas constipar quem as abriu.

Apesar de todo o cuidado, de a pisadela o poder poupar e ser como o totoloto, que só sai aos outros, tem consciência que o mais provável é terminar num qualquer grelhador ou fogueira, ou refogado num tacho bem temperado. Para conseguir passar "por entre os intervalos da chuva" e resistir, tem de ser persistente, cuidadoso, paciente e, sobretudo, afortunado.

Qual a diferença entre a vida do caracol e a de qualquer outro animal? Responda quem souber, que eu não estou para aí virado.

sábado, 16 de julho de 2022

Livros (lidos ou em vias disso)

(...) Zakaly

O homem tem a cara marcada pela varíola. Fala em voz baixa e tem um sotaque esquisito. Mesmo assim, Zakaly entende o que ele quer dizer: eles vão nos comer. Espremido entre os adultos, Zakaly escuta o homem contar o que entreouviu: assim que todos descerem do barco, já estará tudo pronto. Estão preparando uma grande festa para o governador deles. E o prato principal somos nós.

Então é verdade, pensa Zakaly. As histórias correm de boca em boca, com detalhes diferentes, mas as personagens são sempre os mesmos: seres sinistros, de longos cabelos e caras vermelhas, que se deleitam em comer carne humana. Alguns dizem que eles assam a gente na brasa, outros afirmam que eles nos cozinham em um caldeirão. Muitos dizem que eles têm predileção por crianças, por terem a carne mais tenra. Zakaly se apalpa, imaginando que gosto terão seus braços, sua barriga, suas pernas.

Os adultos, nervosos, perguntam ao homem: mas você tem certeza? O homem balança a cabeça, gravemente. É escravo dos brancos há quase dois anos, entende a língua deles. Viu duas vezes os brancos comendo gente em grandes banquetes, e nem que vivesse dez mil anos se esqueceria disso. Não sabe por que os brancos o pouparam até agora, mas sabe que não vai durar muito e não quer morrer devorado. Diz que há poucos brancos no barco e que, se atacarmos de surpresa e tivermos sorte, conseguiremos matar todos. (...)

Alguns humanos
Gustavo Pacheco

sexta-feira, 15 de julho de 2022

A arder

Os incêndios têm assolado todo o país. Fazem primeiras páginas, abrem e fecham telejornais, dão protagonismo a gente que, se preciso for, se coloca em bicos de pés apenas para trinta segundos de fama e exibição. Surgem soluções miraculosas, apontam-se caminhos, replicam-se estratégias, tudo igualzinho ao que se ouve há vários anos.

"Acabou" a guerra, a esperada inflação foi subtraída, os fundos da "bazuca" resguardados no cofre, as tricas políticas perderam protagonismo, cessa "tudo que a antiga musa canta / que outro valor mais alto se alevanta".

É o fogo, a lavrar por sítios de acessos dificílimos, escassez de tudo, com operacionais cansados, ausência de meios aéreos, pânico entre os que sentem as chamas incontroláveis a chegar e o repórter a incomodar, rescaldos, o fumo vê-se bem daqui como mostra o nosso operador, a chama está a consumir esta acácia que tem mais de quatro metros de altura, o vento mudou de direcção e obrigou ao reposicionamento das forças em presença, os números, a linguagem, o mesmo do ano passado e do outro e do outro... As câmaras registam, o repórter relata, os "sabões" comentam no estúdio, os responsáveis pelo comando do teatro das operações divulgam números e indicam que novas estratégias estão a ser equacionadas.

Vão sobrando alguns, poucos, bocados de floresta que o fogo não consome, graças, na maioria dos casos, à sorte, porque ingredientes não lhes faltam, do mato aos caniços, dos fetos amarelos às ervas enormes e bem sequinhas, tudo à espera que um fósforo os coloque a arder, em conjunto com muitos milhões de euros que, anualmente, se consomem nos combates.

quinta-feira, 14 de julho de 2022

quarta-feira, 13 de julho de 2022

Rapidez

Quarta passada, semana acabada!

Julgo que já coloquei por aqui esta frase, mas não me dei ao trabalho de ir verificar. Afinal, blogue já por aqui anda desde 2006 o que, convenhamos, é obra. Presunção e água benta, cada um toma a que quer ...

Voltando à frase: acompanha-me há muitos anos e hoje foi objecto de chamada à colação da conversa.

- O tempo passa a correr. Está tudo a andar muito depressa e agora precisávamos era que andasse devagar ...

Pois ... mas não anda. Por mais esforços que façamos a pensar, e a dizer, o contrário, os segundos continuam a fazer minutos, estes perfazem horas e estas, teimosas como alguém que conheço bem mas não digo quem é (tentem adivinhar), rapidamente contam vinte e quatro e mudam a folha da agenda,

- O Verão está quase no fim e ainda agora começou ... daqui a pouco é Natal e, mal reparas, já passou mais um ano!

Conversa de velhos, depois de um bom banho, que retempera forças e talvez atrase o tempo.

Nunca se sabe! 

terça-feira, 12 de julho de 2022

Caloraça

Está um calor de "ananases" por todo o país, de tal maneira forte que assa canas ao sol e obriga a que até os homónimos da cacafonia se resguardem e vão bebendo muita água, para estarem sempre hidratados. É a sobrevivência de todos, mesmo os tais, que está em causa e, principalmente, a  dos mais vulneráveis. (Quer queira, quer não, a influência da linguagem mais ouvida faz-se sentir)

O Oeste está quentinho. Ainda assim, bem longe do que evidencia o mapa das temperaturas nas outras regiões do país. Por aqui, é verdade que não há a humidade do costume, mas o sol permanece escondidinho atrás das nuvens, talvez para perguntar à lua "quando a verá amanhecer", convencido que um dia isso acontecerá. Não terá sorte nenhuma, porque a lua não está disponível para com ele se encontrar e muito menos para lhe aturar as madurezas. São razões bem conhecidas e objecto da devida divulgação em tempos idos, que, como é óbvio, não cabem neste espaço.

Quem tiver curiosidade em conhecer as razões "lunares" aduzidas, pesquise na Internet. Está lá tudo ... ou talvez não!

segunda-feira, 11 de julho de 2022

Regresso

A última edição do Cistermúsica aconteceu em 2019. Como a tantos outros festivais, espectáculos, concertos e que tais, o coronavírus mandou-o esconder-se e impôs a sua ditadura, obrigando uma pausa de duas edições que, bem feitas as contas, dão três anos de ausência.

Voltou e isso é que é importante. Vai ter espectáculos até 6 de Agosto, com a qualidade a que sempre nos habituou.

Ontem foi uma noite deliciosa, a ver e ouvir um quarteto de cordas da Coreia do Sul - Quarteto Esmé -, com quatro intérpretes de luxo, que encheram a noite no recato do celeiro do Mosteiro.

Até ao final, ainda lá voltaremos pelo menos mais duas vezes, mas o concerto de ontem ficará a fazer parte da memória em lugar especial.

domingo, 10 de julho de 2022

Clima

Contado ninguém acredita ... após três dias de calor intenso e mar encapelado, a Foz apresentou-se hoje de "capacete", ventinho norte e mar chão. No seu melhor, só surpreendendo quem a não conhece.

Pelo resto do país continua o calor abrasador, com o fogo a destruir a floresta e a ameaçar habitações, como sempre. As reportagens surgem fortes, com números de viaturas e de operacionais a ilustrarem a gravidade da situação e a demonstrar quão insuficientes se mantêm os meios postos à disposição dos actores nos teatros de operações, sempre colocados em prontidão atempada e chegando aos locais de forma atrasada. Abrem-se telejornais, com conferências de imprensa constantes, culpando a negligência de todos e de cada um, ilustradas em meio écran por populações em pânico agarradas a manguerinhas de jardim. São constantes os lamentos da impossibilidade de combate por dificuldades de acesso e  ausência de meios aéreos. "Tudo como dantes, quartel-general em Abrantes".

No final do Verão terão ardido mais uns milhares largos de hectares de floresta, nomeadamente de eucaliptal, far-se-á um balanço onde serão registadas algumas melhorias em relação ao ano transacto, ilustradas por percentagens elucidativas do progresso conseguido e pela necessidade, imperiosa, de reforçar os meios de combate disponíveis e a coordenação efectiva de todas as forças, para que a situação não se repita. Será equacionada, uma vez mais, a reflorestação com espécies autóctones e a criação de estradões que facilitem o acesso e o combate. Também se dará ênfase à vigilância, fundamental para que os meios em prontidão cheguem rapidamente aos locais onde são necessários.

A preocupação com o calor e as suas consequências é notória e, por isso, o Primeiro-Ministro cancelou a viagem prevista a Moçambique. Ficou claro que a sua presença no nosso país é não só fundamental com essencial para que não haja descoordenação na "guerra" e muito menos no Governo.

Atento, como sempre, o Presidente da República seguiu-lhe as pisadas e já não vai aos Estados Unidos. Não porque não tivesse lá almoço, mas apenas por ser imprescindível na "guerra" dos fogos que está em marcha, e que, infelizmente, parece, tal como a outra, não ter fim à vista. A presença do PR é essencial para dar as notícias, estabelecer a táctica e garantir resultados.

Não será por falta de atenção de quem governa que o país arderá.

sábado, 9 de julho de 2022

À tardinha

Num final de tarde quentinho, uma visita ao Museu José Malhoa para ver a exposição temporária e assistir a um excelente espectáculo musical, com o Coral das Caldas da Rainha, Júlia Valentim e Fernando Lopes, numa miscelânea de música que atingiu grandes momentos. As adaptações de músicas conhecidas ao estilo jazístico de Júlia Valentim, acompanhada de forma excelente por Fernando Lopes souberam a pouco, depois de o Coral das Caldas ter apresentado também um conjunto de peças muito bonitas e com interpretações de alto nível.

O Coral terminou a sua actuação com o recado de José Mário Branco, adaptado ao conjunto de vozes e fora do comum. Muito bom.

sexta-feira, 8 de julho de 2022

Mudanças

Há motivos de sobra para a satisfação de viver no Oeste e nesta cidade que, alguns, com desdém, dizem ser de "águas mornas". "Vamos Mudar" era o slogan das últimas eleições autárquicas, que teve resultados positivos e está a acontecer, como abaixo se confirma.

O calor, que raramente nos visita, mantém-se por aqui há três dias e, segundo os entendidos, ainda ficará mais alguns, sem necessidade de alojamento local ou estabelecimentos hoteleiros. Conseguiu chegar, sem dificuldades de maior, apesar de as indicações serem poucas e, nalguns casos, nenhumas. Nada que a perseverança não vença.

Ao contrário do que era costume, o nevoeiro não tem aparecido e a tal visita, mesmo sem a tabuleta indicativa do caminho para a Praia do Mar, chegou mesmo lá abaixo, pondo toda a gente a bufar, salvo seja, claro. O mar, sempre do contra como convém, não tem colaborado muito, mantendo-se teimosamente violento e explicitando com vigor que, no seu território, é ele quem manda, sem oposição ou regra.

As mudanças estão a verificar-se por toda a parte, com excepção da Ucrânia, onde a guerra se mantém inclemente e sem fim à vista. No Reino Unido, Boris Johnson já está a contactar as empresas para decidir qual lhe vai mudar os "trainecos" de Downing Street para um qualquer outro bairro de Londres, mais recatado e com menos festas; no Japão, contrariando o habitual sossego, um tonto assassinou, a tiro, um ex-primeiro-ministro; o antigo presidente de Angola despediu-se da vida em Espanha, deixando a família desavinda e o governo do seu país muito pesaroso.

Ninguém aguenta tanta mudança ... para que tudo fique na mesma! 

quinta-feira, 7 de julho de 2022

(Des)Acordo

Um mail de uma instituição conhecida e prestigiada na caixa do correio desperta a curiosidade e aguça a pressa de o ler. Ainda não tinha aquecido o lugar e já estava a ser dissecado, com um interesse desmesurado, a roçar a coscuvilheirice.

A informação nele contida pedia para solucionar um problema com um cartão multibanco e, embora me fossem familiares quer a terminologia quer o acontecido, nada tinha a ver comigo, já de "férias" da banca há vários anos. Na resposta, que redigi de imediato, referi o lapso que devia existir no endereço. Como era esperado, não tardaram as desculpas pelo erro que haviam cometido. Não tinha existido qualquer inconveniente nem tinha sido lesivo de ninguém, muito menos violado o sigilo bancário ou qualquer outro. Apenas tinha havido perda de tempo por parte de quem se enganou e o meu divertimento por verificar que ainda há, pelo menos, um homónimo a exercer funções nessa área de eleição que é a banca.

O curioso é que a resposta estava redigida conforme as regras desse contrato magnífico que é o Acordo Ortográfico, e rezava assim:

"... de fato este mail não era para o senhor."

A minha dificuldade com as novas regras é evidente e a minha teimosia ajuda imenso. De facto, os fatos, completos, permanecem no guarda-fatos mas, de facto, não são utilizados há largo tempo, por opção (será oção) e por a adaptação (será adatação) desses fatos ao facto de estar de férias permanentes não ser fácil. Ainda por cima, com este calorzinho, não seria de facto normal aparecer na praia de fato vestido, sujeito a ser apelidado de tonto mesmo não havendo qualquer facto que o comprove. 

Conclusão: de facto não há razão nenhuma para usar os fatos que estão guardados nem de facto se justifica que eu altere a minha teimosa obstinação de escrever à moda antiga. É factual! 

quarta-feira, 6 de julho de 2022

Ver(ão)

Chegou o Verão à Foz e isso relega para segundo ou terceiro plano o que se passa no país e no mundo. O importante, daqui para a frente, é saber se o mar está a vazar ou a encher, se as ondas são perigosas e puxam muito, se as bandeiras da demarcação da zona de banhos estão no sítio ou deveriam ter sido colocadas um pouco mais a norte, se lá vamos a mais uma "cabeçada", se o sol aperta e pode queimar, se a bandeira surge amarela ou se, finalmente, aparece verde. Vermelha é a sua cor normal!

- Está bruto ... mas a água está óptima!

Entretanto, o Presidente da República já recuperou da falta do almoço brasileiro e, ainda mal tinha aterrado, começou a trabalhar em força, como é seu timbre há muito. Recebeu o novo líder do PSD, condecorou o ex-líder do mesmo partido, seu antecessor no cargo, a quem deve ter custado trocar o fresquinho das águas do Algarve pelo calor sufocante da capital, e falou, muito, com os jornalistas, peças essenciais para a divulgação da mensagem de Belém, sempre oportuna e necessária para que, todos, percebamos o mundo que nos rodeia e do qual fazemos parte. Uma aula universitária traz sempre algum ganho.

E, nos entretanto, aconteceu um incêndio num prédio na zona de Algés, o qual, segundo a repórter da SIC Notícias presente no local, foi combatido por vários operacionais, apoiados por cerca de quatro viaturas. O tempo, em televisão, é sempre muito curto e isso impediu que a repórter o tivesse para contar os carros com precisão.

Compreende-se. Não é fácil contar até quatro ...

terça-feira, 5 de julho de 2022

Palavras bonitas

Para o meu neto Gil, que hoje completa 16 anos e, do alto do seu metro e oitenta e cinco me olha sempre com um sorriso desconcertante e um afecto enorme, que eu procuro e, se calhar, nem sempre consigo, retribuir com todo o carinho.

É o meu neto GRANDE, que se equilibra em sapatilhas 45 e se alimenta de forma a repôr o esforço diário que os muitos quilómetros natatórios lhe consomem. Apesar disso, ainda consegue arranjar tempo para ler, muito, e ser um excelente aluno.

Parabéns, meu NETO!

FÁBULA DA FÁBULA

Era uma vez
Uma fábula famosa,
Alimentícia
E moralisadora,
Que, em verso e em prosa,
Toda a gente
Inteligente,
Prudente e sabedora
Repetia
Aos filhos,
Aos netos
E aos bisnetos.
À base duns insectos,
De que não vale a pena fixar o nome,
A fábula garantia
Que quem cantava
Morria
De fome.

E realmente ...
Simplesmente, 
Enquanto a fábula contava,
Um demónio secreto segredava
Ao ouvido secreto
De cada criatura
Que quem não cantava
Morria de fartura.
Diário VIII
Miguel Torga
Gráfica de Coimbra (1959)

segunda-feira, 4 de julho de 2022

Hipocrisia (?)

Há mais de quatro meses, mais concretamente a 24 de Fevereiro de 2022, a Rússia invadiu a Ucrânia, dando início a uma guerra que, como todas, é estúpida, sem qualquer sentido ou justificação, por muito que nos queiram fazer entrar pelos olhos as razões que, sem dúvida, a razão desconhece.

Apesar de, tanto quanto nos fazem crer as notícias, as batalhas continuarem cada vez mais cruéis e arrasadoras para soldados, populações e bens, e não parecer que a guerra esteja perto do fim, começam a ouvir-se discursos, a saber-se de reuniões, a ter-se conhecimento de diligências para a reconstrução da Ucrânia, com referências explícitas a muitos milhares de milhões de euros ou dólares que irão ser necessários. E, quase de certeza, já se perfilam muitos algozes com os bolsos preparados, sob a batuta do sacrifício que isso lhes vai exigir, para tomarem a primeira fila das tarefas a executar e receberem, claro, o que lhes é devido. A miséria que por lá vai grassando é apenas um pequeno pormenor, do qual ninguém é culpado.

O Papa vai dizendo que está disponível para entrar na mediação, necessitando apenas que lhe abram uma pequena nesga da porta, através da qual possa dialogar para tentar pôr fim à barbárie. Já deve ter percebido que, por mais que reze, Deus não consegue calar as armas e os interesses.

A reconstrução, vista daqui da pontinha da Europa, será imprescindível e urgente, mas só possível se e quando as armas se calarem de vez. 

domingo, 3 de julho de 2022

Partilha

Uma grande música, quase da minha idade, eternizada por Édith Piaf e aqui cantada pela grande Bethânia.

Não me arrependo de nada ... porque nada fiz que me leve ao arrependimento.

sábado, 2 de julho de 2022

Contratempos

Depois de Pedro Nuno Santos ouvir um ralhete de António Costa por "voar" com excesso de velocidade, de o Rio ficar seco e o Monte ...negro, também ao Presidente da República, que ontem partiu para o Brasil numa viagem de três dias, lhe calhou uma "fava".

O programa brasileiro devia ser do tipo "tudo incluído" mas, à última da hora, o ocupante da cadeira presidencial do Brasil deu o dito por não dito e cancelou o almoço aprazado para segunda-feira, em Brasília. Esta decisão, inesperada, irá causar algum transtorno ao nosso Presidente, apesar de ele não ser um homem de grandes comezainas. Talvez por isso, atribuiu pouca importância à indelicadeza e lavou-a com um banho nas praias de Copacabana, durante 20 minutos, segundo o que o próprio deu conta aos jornalistas.

Pelo que se sabe, o "caramelo" que se senta na cadeira brasileira amuou e dispensou a boa companhia que Marcelo decerto lhe proporcionaria, mesmo considerando a dificuldade que iria ter em entendê-lo,  por ele se exprimir como se tivesse sempre a boca cheia de favas. 

A "agência de viagens" não pediu autorização ao "bicho" para as outras refeições e ele deveria pretender exclusividade nas mesmas, para mostrar como cozinha bem e fazer publicidade aos seus dotes culinários, de certeza tão bons ou melhores do que aqueles que exibe na função que exerce. 

Marcelo lá terá de se contentar com uma "sandocha" e esperar que a refeição da TAP seja melhorada no regresso.

sexta-feira, 1 de julho de 2022

Livros (lidos ou em vias disso)

Um rinoceronte vindo lá dos confins do mundo para a casa das feras de D. Manuel I, um professor castelhano que estuda a obra de Fernando Pessoa e até com ele fala quando deambula pelos lugares "pessoanos" de Lisboa, e mais um excelente livro do Clube Tinta da China.

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"(...) olhe para esta gente que está aqui à frente à espera de vez para tirar uma fotografia comigo, estes homens e estas mulheres, estas raparigas e estes rapazes que se aproximam de mim, que se põem aqui ao meu lado, sentados ou de cócoras, esperam que o fotógrafo dispare e depois regressam às suas vidas, satisfeitos por se terem imortalizado com o que julgam ser um dos marcos imprescindíveis da cidade, da nação; é evidente que nenhum deles, vamos ser optimistas e dizer que só alguns, sabem verdadeiramente quem sou, e é possível que nem uma das pessoas que desfilaram por aqui ao longo do dia seja capaz de repetir de cor um único dos meus versos, nem sequer os mais fáceis, os primeiros que escrevi, aquela famosa quadra através da qual comuniquei à minha mãe que me mudaria com ela para a África do Sul. Não acha que tenho razão? Acho, acho, respondeu Espinosa depois de acabar de um gole o café, morno pelo tempo de repouso e pela temperatura, ainda quente, mas já um pouco fresca, da rua. Ora bem, continuou Pessoa, estarei eu realmente em condições de pedir a esta gente que me leia? Estarei eu em posição de lhes exigir que conheçam os meus poemas, quando estão a viver um período tão hostil, tão inclemente, tão ímpio, tão propenso ao desacato e à traição em detrimento das artes? Que pensa, querido Espinosa? Os tempos nunca foram fáceis, dom Fernando, respondeu Espinosa, tentando ultrapassar o tímido pessimismo no qual ameaçavam mergulhá-lo as palavras do seu incomensurável contertúlio, , não foram para si, nem foram para nenhum dos grandes génios da literatura universal, a História é sempre convulsa e sempre acontece, não podemos livrar-nos dela. E no entanto escrevemos, interrompeu-o Pessoa, escrevemos como se não houvesse nada mais importante do que encher os nossos papéis, como se nesse empenho em que deixamos a vida residisse o segredo da salvação do mundo, mas no fundo sabemos que não é assim, que nunca é assim, (...)"

O rinoceronte e o poeta
Miguel Barrero