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quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Ultrapassagem

Cada vez me irritam mais os velhos (eu incluído) que, a coberto da dita experiência e do poder que detêm, querem continuar a opinar sobre o mundo e a manter um ascendente sobre os jovens, mesmo que esses já tenham quarenta ou cinquenta anos e saibam muito mais do que eles sobre o mundo actual.

Sendo certa a verdade do ditado "aprender até morrer", que serve para todos e principalmente para aqueles que, em teoria, mais perto estão dessa chegada, não é menos certo que qualquer passarinho, mal começa a voar, quer fazê-lo sozinho, correndo o risco de errar no rumo e procurando experienciar, a cada momento, o voo do Fernão Capelo Gaivota, ainda que o destino esteja invisível, atrás daquela nuvem que tudo tapa.

No início de vida, a educação e o saber são colheita na seara dos pais, da família, dos professores, dos amigos, da sociedade. É o criador a burilar a criatura, a adverti-la para alguns perigos basilares, a procurar despertá-la para as agruras. Depois, bem, depois é (ou devia ser) gratificante ver e sentir que a criatura ultrapassa o criador e voa sozinha, sempre atenta às aves que lhe possam tolher o voo.

Mas há velhos que, teimosamente, se acham o centro do mundo e continuam a pensar, e a agir, como se a juventude fosse mentecapta e a inteligência, o saber, a capacidade e a experiência, fossem um tesouro bem guardadinho na sua caixa de ... sapatos.

Bem dizia uma velha professora, que até me estreou com dois tabefes bem dados: "ora valha-lhes um burro aos coices e três aos pontapés". 

sábado, 10 de fevereiro de 2024

Rádio

Ouvir rádio há muito que deixou de ser uma tarefa caseira e passou a quase exclusiva das deslocações no automóvel. Continua a ser muito agradável - prazeroso, diria, em linguagem de hoje - e a fazer companhia, agora com duração muito mais curta e sem os rituais diários que as deslocações, antigas e habituais nesses tempos, proporcionavam.

Apesar das alterações do dia a dia, há programas que procuro não perder, ainda que, por vezes, seja necessário recorrer à modernice do podcast ou à gravação que a página da estação disponibiliza.

O "Destacável" é um programa de Aurélio Gomes, que pode ser ouvido aos sábados, na Antena 1. No de hoje, entre muitas outras coisas, houve uma conversa com Fernando Alves, radialista enorme, acabado de sair da TSF por razões que não terão apenas a ver com o desgaste natural da idade. A sua vida e as leis inexoráveis da dita foram o tema dominante. E também as diferenças, enormes, existentes hoje, até na forma como se atende o telefone, se anda de Metro ou se faz informação.

Ri-me várias vezes, sorri muitas outras, fiquei a pensar em mais algumas.

"Aos sessenta, se tenta; aos setenta, se senta."

domingo, 11 de dezembro de 2022

Encontros

- Bom dia. Já não me conhece?

Ia completamente distraído, a pensar em tanta coisa, que os olhos não cumpriram a função que lhes está destinada e a pessoa passaria completamente ao lado se não se tivesse manifestado.

De máscara, bem mais magro do que (já) estava na última vez que tínhamos falado, há alguns meses. Fiquei sem jeito, mas lá me consegui recompor. 

- Desculpe. Ia a pensar ... não o vi. Como é que vai?

- Mal. O raio do bicho parece que agora me está a atacar as pernas. As veias estão entupidas e só vou ter consulta do especialista em Abril.

Era um homem danado. Sempre com pressa, que o trabalho fugia e não havia mãos a medir. Mal havia tempo para um café e o cigarro que se lhe seguia era acendido já na despedida. O bicho não teve contemplações nem foi sensível à importância para a sua pequena empresa e para os que nela trabalhavam. Não eram muitos - três ou quatro - mas passaram a gente desempregada. Talvez, entretanto, tenham arranjado outro emprego. Afinal de contas, eram bons operários, para lhe aturarem a exigência e o ritmo.

Arrasta-se com dificuldade. Tem vontade de conversar mas a respiração, difícil, não ajuda muito. Já não tem pressa ... o que tem a fazer pode esperar.

- Veja lá ... só para Abril!

domingo, 30 de outubro de 2022

Ser e estar

Excerto de uma entrevista a Carlos Tê, publicada no Notícias Magazine de hoje:

"(...) Pergunta - Como se define hoje?

Resposta - Aos 67 anos, das coisas que mais temo é a misantropia. Vir a ser um velho rezingão. É das poucas coisas que peço para não ser. Não que queira ser um velhinho muito alegre. Não é isso. Mas gostava muito de manter o equilíbrio que tenho desde os meus 15, 20 anos. É esse o meu longe (...)"


Dei por mim a concordar com o autor de Chico Fininho e de Porto Sentido, entre muitas outras coisas que escreveu e das quais gosto bastante. Arquibaldo é um livro da sua autoria, "hospedado" cá em casa há pouco tempo, e que aguarda, calmamente, a sua vez de ser lido. Não teço, por enquanto, quaisquer comentários, mas estou convicto de que não me irá desiludir.

Voltando à entrevista, da qual transparecem ideias bem arrumadas e resolvidas, alertou-me para a ousadia de tentar sempre manter o contacto com as pessoas, os problemas, a cidadania, sem medo de ser chato, ultrapassado ou convencido, e muito menos deixar de ser aquilo que sempre fui, mesmo que a irreverência esteja fora de moda.

Afinal de contas, por muito burro que seja, quem já viveu mais de setenta anos, passou por tanto, viu tanta coisa, conheceu muitos "filhos da mãe" e muita gente de bem, não tem que fazer actos de contrição ou quedar-se a um canto à espera que chova.

" É esse o meu longe ", sem qualquer dúvida. Assim o consiga apanhar!

quinta-feira, 9 de junho de 2022

Legalidade

Um novo capítulo da saga aqui iniciada e que deverá estar, tal como a guerra, bem longe do fim.

Sem o papel nada feito. 

A reforma provisória estabelecida e comunicada são cerca de 190,00 € mensais, ainda que qualquer pessoa com o mesmo número de anos de trabalho (mais de vinte) tenha direito a, pelo menos, cerca de 300,00 €. É o valor da reforma mínima para quem teve descontos durante esse período, e não leva em linha de conta o montante sobre o qual esses descontos foram efectuados. 

- É verdade, mas falta o papel da Ucrânia e sem ele, a lei diz que é assim. Reforma provisória do valor que aí está indicado, que só será alterado quando chegar o papel.

 - Com a guerra, sabe-se lá quando virá ou até se o pedido chegou ao sítio devido.

- Pois ... mas não há nada a fazer. Tem de esperar.

Ainda tem, felizmente, condições para trabalhar e é isso que continua a fazer, para não morrer à fome ou passar a viver debaixo da ponte, como está a acontecer a muitos dos seus compatriotas.

- Depois recebe os retroactivos todos.

Se o papel não for destruído por algum bombardeamento entretanto, penso.

- A lei é muito dura.

Questiono-me: falta lei ao senso ou falta senso à lei?

terça-feira, 7 de junho de 2022

Conversas

Se não há nada para dizer, fale-se do tempo. 

- O dia hoje está bonito. Se calhar, amanhã chove.

- Não. Agora só chove lá para o final da semana. Foi o que ouvi. O vento é que parece ir soprar com alguma força. Vamos ver!

Está a conversa feita. Tudo tratado e nada resolvido, como sempre. Ainda bem ...

- Tens visto F. ? Já não a vejo há séculos. 

- Foi o que trouxe a pandemia. As pessoas isolam-se cada vez mais e passam-se semanas sem lhes pormos a vista em cima.

- Mas está viva (Ri-se muito), isso garanto. Ontem escreveu qualquer coisa no Face, já não sei bem o quê. Ou terá sido no Insta?

- Eu vi uma fotografia. Pareceu-me que andaria a passear.

- Pois ... e não era por aqui. Nós não temos aquele sol tão lindo nem árvores tão frondosas.

- Podia ter identificado o local ... deve querer deixar a dúvida e dar oportunidade a que lhe perguntem.

- Sabe-se lá se a foto é de agora.

- Tens toda a razão. E até pode ser uma montagem ... as máquinas fazem tudo!

 - Bem, adeus. Tenho de ir. O miúdo sai agora e vou pô-lo ao futebol. Esta semana calha-me a mim.

- Adeus, "bjinhos". Gostei muito de conversar contigo!

Cada uma seguiu o seu caminho. O tempo urge, há muito para fazer e nada para dizer.

segunda-feira, 23 de maio de 2022

Sinas

Por muito mal que estejas, ali ao lado há sempre quem esteja pior.

Está por cá há vinte anos. Tinha chegado há pouco quando a conheci a procurar trabalho. Foi admitida na Associação que era (e é) a minha e por lá se mantém ainda. Nasceu na Ucrânia, tem o filho na guerra e dois netos e a nora refugiados na Polónia. 

Atingiu, recentemente, a idade da reforma. Foi à Segurança Social saber quanto lhe caberia e começou a fazer planos para o regresso ao convívio dos seus. A parca pensão que lhe informaram ir ser atribuída chegaria para viver lá com alguma dignidade. A guerra alterou todos os planos e trouxe sofrimento, muito, visível no acabrunhamento que mantém sempre. Para cúmulo, a carta que recebeu referia um valor de menos de metade do que lhe havia sido indicado. 

- Não percebe nada. Ajude mim, favor.

Tentei esclarecer e não foi fácil. Apesar dos anos, o vocabulário é curto e "provisória" era uma palavra desconhecida. A pensão é provisória até chegar um documento do seu país de origem, que permitirá o cálculo da pensão definitiva. Quando? Ninguém sabe.

Uma segunda carta informa que, daquele valor que é provisório, ainda lhe vão descontar, em seis prestações, uma verba que o Fundo de Desemprego lhe terá pago a mais. Ainda foi mais difícil de explicar. 

- Fui lá quando não pagaram ordenado. Passei fome. Comi pão duro com água muitos dias.

A Segurança Social só atende por marcação. Vou acompanhá-la lá, no início de Junho, sem grande esperança de conseguir solução. Se calhar, nem me deixam entrar!

quinta-feira, 14 de abril de 2022

"Reset"

Está um caco. Não que esteja sujeito a partir-se, isso não, o físico ainda mantém algum vigor. O cérebro, esse, deixou de funcionar e não há "ferramentas" que o recoloquem no sítio. Não há ninguém conhecido, não há palavras proferidas, já nem sequer sussurros ou sorrisos. Olha para o infinito, mesmo quando lhe dizem para se sentar no carro. É lá bem ao fundo que estará o que procura e já não tem meio de encontrar.

A mulher vai levá-lo a ver o mar, mesmo parecendo que isso pouco lhe dirá. Talvez goste das ondas, lá ao fundo e elas lhe tragam alguma felicidade. O horizonte é extenso, pode olhar sem limite.

As indicações são de que, a cada dia que passa, a ausência vai-se acentuando e assim continuará, inexorável, até que a "máquina" se canse e dê por finda a tarefa.

Nunca se está preparado, por mais que saibamos que é assim. Custa ver quem connosco brincou, correu, saltou, bebeu, fumou, esteja "branco". 

O F. está arrumado. Não terá disso noção e talvez seja melhor assim.

quarta-feira, 31 de março de 2021

Vida(s)

Não sei, em concreto, onde vive. Ali para os lados do quartel, mas ao certo, certo, não consigo dizer. O antigo "bairro da lata", como era conhecido nos anos sessenta do século passado, é hoje o Bairro de S. Cristovão. Já não tem barracas, as ruas estão alcatroadas e têm nome, e está agora a sofrer uma intervenção municipal que tornará a sua entrada mais atraente para os que lá vivem e para os que por lá passam. Bem perto do Bairro fica o pinhal, antigo, onde fiz algumas simulações de combate quando a instrução militar me passou pelo corpo. Um pouco mais à frente (ou antes, dependendo do sentido), a ESAD, que aproveitou as instalações do antigo Hospital de Santo Isidoro, recuperou-as e ampliou-as, e fez uma escola de artes, hoje pólo conceituado e atractivo para muitos jovens artistas, que todos os anos trazem à cidade a sua irreverência e a sua especificidade de intervir. 

Quase me perdi em divagações, quando o que pretendia era escrever duas linhas sobre ela. Terá quarenta, cinquenta anos, talvez menos. Mais não, que se assim acontecesse, atiraria para a minha geração e estaria no "arquivo". Tem problemas, visíveis, de álcool e outras adições, traz sempre um saco às costas, com um conteúdo que desconheço e nem faço a menor ideia qual seja. Já a encontrei sentada no estacionamento do supermercado, a dormitar e quase de certeza a sonhar. Hoje vinha andando, meia trôpega, com os olhos a quase saírem das órbitas e a olharem, perdidos, o infinito. A pele, acobreada, tem rugas bem marcadas do "castigo" que carrega. O corpo não é gingão mas abana como se a ventania o fustigasse sempre. Terá família? Recusará ajuda? Como sobrevive?

Lembro-me disso sempre que a vejo. E que faço? Nada! "Alguém" tem obrigação ... 

quarta-feira, 10 de março de 2021

Vidas

- Não posso fazer muita força. Este dedo deve estar partido.

- E não foi ao médico?

- Não tenho tempo ... 

- Mas isso é perigoso, nunca mais cura e só piora.

- Um dia destes ... Há uns anos, estava a trabalhar na Áustria e caí. O braço esquerdo doeu-me muito, mas continuei. Passada uma semana, o braço estava inchado e não aguentava as dores. Fui ao hospital. O osso do pulso estava partido. Trataram-me, puseram uma tala e vim-me embora. No dia seguinte fui trabalhar. Era preciso!

Na maior parte das vezes, nem damos pelos sacrifícios dos outros e pelas dificuldades que têm para assegurar o dia a dia e os (poucos) proventos que auferem.

 - Tenho de trabalhar. Não sei fazer outra coisa e sempre assim foi, desde miúdo. Criei um filho sozinho, desde os seis meses. Ensinei-lhe cedo que temos de ser honestos e trabalhar para quem nos dá emprego e nos paga. 

Há muito tempo que não tinha esta experiência "auditiva". Aconteceu hoje e concluí, uma vez mais, que os meus problemas são ridículos quando comparados com situações destas. Apesar disto, está sempre bem disposto, com graça "malandreca" para aliviar a conversa.

domingo, 16 de agosto de 2020

A vida

O eufemismo, neste caso concreto, corresponde à realidade. A Ivone faleceu hoje, de doença prolongada, após um sofrimento enorme, que se acentuou nos últimos três meses, nos quais conheceu dois hospitais, a sala de operações, os cuidados intensivos, uma dor que lhe deve ter reduzido ao zero o optimismo que irradiava, principalmente para ajudar a resolver o problema dos outros.

Éramos do mesmo ano, ela dois meses mais nova, frequentámos a mesma escola, fomos colegas de trabalho no mesmo local, durante vários anos, mas éramos, tão só, amigos.

Conhecíamo-nos bem. Uma simples troca de olhares dizia ao outro o que nos ia na alma e o que pensávamos sobre qualquer assunto. O trabalho deu-nos muitas horas de convívio, de pressão, de desespero, algumas alegrias, também dissabores, e, que me lembre, nunca tivemos qualquer desentendimento. Sempre leal, sempre querida, sempre disponível, sempre amiga, desejosa do melhor para mim e sempre a torcer para que isso acontecesse. 

Adeus, Ivone. Um beijo.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Laços

Venceu o Concurso de Curtas do YouTube. São pouco mais de seis minutos de filme, que valem a pena, pela forma como o laço atado se desata, puxando pela ponta, por mais pequena que seja. "A vida nada mais é que viver cada coisa que acontece".