quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Presidenciais

Porque tenho esperança e confiança, acredito, ainda, na política e na capacidade de mobilização dos portugueses para o bem comum, prezo a tolerância e as oportunidades iguais para todos, acho essencial que todos tenhamos acesso à educação, à cultura e à saúde, gosto de poesia e considero que há mais vida para além dos números que, todos os dias, os interesses instalados nos facultam, vou escolher Manuel Alegre para Presidente da República. 

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Ironia do destino

De acordo com as notícias de hoje, o Governo vai:

  • capitalizar o BPN, injectando-lhe mais 500 milhões de euros do erário público;

  • adiar a venda, por não haver interessados;

  • substituir a actual administração, oriunda da CGD, por outra que, nos próximos anos, crie condições para o Banco ser, de novo, posto à venda.

Os problemas que afectam, nesta altura e por todo o mundo, a actividade bancária, não são de molde a encontrar muita gente disponível para um fardo destes, ainda por cima com a missão de "engordar o porco", para que possa ser vendido quando o negócio se tornar interessante e o mercado apresentar interessados.

Por isso, talvez fosse melhor o Governo não se cansar a procurar muito e voltar a chamar Oliveira e Costa e Dias Loureiro para retomarem as rédeas do Banco. 

As vantagens desta solução seriam inúmeras, mas merecem destaque as seguintes:

  • Os aqui propostos conhecem o Banco e os seus problemas melhor do que ninguém;

  • Têm uma excelente carteira de contactos, em Portugal e no estrangeiro, que lhes permitiriam recuperar rapidamente os clientes interessantes, que abandonaram o Banco aquando da intervenção do Estado;

  • Estão de licença sabática há muito e, por isso, terão tido tempo bastante para estudar as regras prudenciais de gestão que a actividade envolve e necessita.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Crise e inteligência

Confesso que, no início, fui dos que concordaram com a grande maioria dos articulistas, comentadores e quejandos, e achei que a decisão do Governo Regional dos Açores - compensar uma parte dos funcionários públicos daquela Região Autónoma com um subsídio igual ao corte decretado pelo Governo da República para 2011 - revelava uma quebra na solidariedade nacional e uma arrogância não admissível na hora em que a crise impõe sacrifícios a todos.
Curvo-me, agora, perante a inteligência, sagacidade e conhecimentos matemáticos revelados por Carlos César que, qual Sherlock Holmes para o seu Dr. Watson, justificou ao Primeiro Ministro da República as razões que motivaram a decisão.
- Também tu, César! Por que me fizeste uma coisa destas?
- Elementar, meu caro Sócrates.
- Como? Zombas de mim?
- De modo nenhum. Fiz contas (sei fazê-las) e concluí que o corte dos funcionários públicos reduziria a despesa da Região em 3,5 milhões de Euros; peguei no Orçamento, procurei, procurei, e encontrei uma despesa de valor idêntico, orçamentada para cobrir o campo de futebol do Santa Clara.
- E depois?
- Elementar, de novo, meu caro: anulei a obra do campo de futebol e vou utilizar esse dinheiro para subsidiar os funcionários públicos.
- Reconheço que foste muito esperto! Quando chegar a minha hora de partir (parece estar próxima), proponho-te para o meu lugar.
Consta que Sócrates já adquiriu a lupa e procura afincadamente um Dr. Watson, a contratar a prazo ou em outsourcing. Vão percorrer o Orçamento do Estado, linha a linha, para tentar encontrar coberturas que não sejam imprescindíveis ...
Espera-se que nem a lupa nem a sagacidade sejam de potência muito elevada, sob pena de se concluir que o supérfluo orçamentado talvez chegasse para evitar os cortes.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Livros (lidos ou em vias disso)

Acabei de ler ... e confirmou as expectativas.

Termina assim:

(...) O amanhecer apenas se distingue do anoitecer por aquilo que o antecedeu e pela sucessão que lhe imaginamos, o antes e o depois. Agradeço-te por teres aceitado que este livro se transformasse em ti e pela generosidade de te teres transformado nele, agradeço-te pela claridade que entra por esta janela e por tudo aquilo que me constitui, agradeço-te por me teres deixado existir, agradeço-te por me teres trazido à última página e por seguires comigo até à última palavra. Sim, tu e eu sabemos, isto: . Insignificância, pedaço de nada, interior da letra ó. Mas isso será daqui a pouco. Por enquanto, aproveitemos, ainda estamos aqui.

Livro
José Luís Peixoto
Quetzal (2010)

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Livros (lidos ou em vias disso)

Chama-se Livro o último romance de José Luís Peixoto e vou mais ou menos a metade da sua leitura. Apesar disso, arrisco-me a dizer que o título deveria ser Vida, num Portugal que começa (no livro) em 1948 e se prolonga até não sei quando, porque não quero ir ver (ler) o fim da história. Prefiro digeri-la, a pouco e pouco, saboreá-la: está lá muito do que eu conheci: as castas sociais e os seus desequilíbrios, a amante do padre e o filho de pai incógnito, a matança do porco e os seus rituais, o Portugal salazarento e a ida, a salto, para França, o alcoolismo, a miséria, a ignorância ...

"(...) O que seria a França? A Adelaide sabia três coisas acerca do país para onde se dirigia: na França, as pessoas tinham máquinas que faziam a lida da casa, que varriam o chão, que lavavam a loiça e a roupa, braços de ferro; na França, as pessoas só andavam de automóvel, mesmo para ir à padaria; na França, as pessoas comiam carne de cavalo cozida. Esta última informação era a que mais espécie lhe fazia, tinha pena dos bichos. Também já tinha ouvido falar da cidade de Paris, conhecia o nome, e também já sabia que os franceses falavam estrangeiro. Como iria entender-se num lugar em que toda a gente falava estrangeiro e comia cavalo? Durante as horas de viagem, coberta por lona, a fugir com o rosto aos olhares embaciados dos homens, a Adelaide apoquentava-se com estas perguntas, mas havia um pensamento que lhe fazia mais mazela.(...)

Livro
José Luís Peixoto
Quetzal (2010) 

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Palavras bonitas

EM TODOS OS JARDINS
Em todos os jardins hei-de florir,
Em todos beberei a lua cheia,
Quando enfim no meu fim eu possuir
Todas as praias onde o mar ondeia.
Um dia serei eu o mar e a areia,
A tudo quanto existe me hei-de unir,
E o meu sangue arrasta em cada veia
Esse abraço que um dia se há-de abrir.
Então receberei no meu desejo
Todo o fogo que habita na floresta
Conhecido por mim como num beijo.
Então serei o ritmo das paisagens,
A secreta abundância dessa festa
Que eu via prometida nas imagens.

Poesia
Sophia de Mello Breyner Andresen
Caminho (2005)

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Mercados

A Irlanda já fez a vontade aos mercados e pediu ajuda à União Europeia e ao FMI, tudo indicando que, para compor o ramalhete, cairá o Governo e haverá eleições antecipadas.

Segundo os analistas que tudo sabem (agora), Portugal deverá seguir o exemplo dos irlandeses, porque os mercados não nos darão tréguas.

Como não percebo nada disto e me parece que os mercados são uma espécie de "meninos irrequietos" que ninguém consegue manter sossegados, não seria bom que o nosso Primeiro lhes levasse o vídeo da sua Ministra da Educação, para ver se eles se portavam melhor?

domingo, 21 de novembro de 2010

Três em um

Uma grande canção de Chico César, um conjunto de imagens de muito bom gosto compiladas por Ruiva Misteriosa (?) e a voz, inconfundível, de Maria Bethânia, são o produto de uma "pescaria" no YouTube, no final da tarde de domingo.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Quotidiano

Ficamos hoje a saber, sem grandes alaridos, que:
  • Os Hospitais do Serviço Nacional de Saúde deviam, em Outubro, 1.034 milhões de Euros à indústria farmacêutica e que o Centro Hospitalar das Caldas da Rainha demora, em média, dois anos e meio a solver os seus compromissos. Tenho um amigo, ilustre comerciante desta praça, que, já há muitos anos , só fornece o CHCR com dinheiro na mão ...
  • O Presidente da Câmara de Guimarães vai propor a redução de 30% dos salários dos membros do Conselho de Administração da Fundação Guimarães Capital da Cultura, o que significa um enorme esforço, tendo em conta que a base de partida se situa bem acima dos 10.000,00 Euros mensais. Tenho um amigo, no Canadá, que, aquando da divulgação dos salários que agora irão (?) ser objecto de ajustamento, me enviou um mail intitulado "É fartar vilanagem" ...
  • Os dois blindados comprados para a PSP utilizar na cimeira da NATO que amanhã acontece por cá, afinal não vão chegar a tempo. Nenhum amigo me disse, mas talvez tenham ficado na fronteira ou tenham sido recambiados para o país de origem, por não trazerem os documentos ...
Nada disto nos tira a motivação para sermos cada vez melhores, mais educados, mais competentes e mais solidários. A depressão colectiva que estava latente, por causa do défice, da dívida externa, dos mercados nervosos e da possível entrada do FMI sem convite, desapareceu sem deixar rasto, aguardando-se que regresse das mini férias, após a tolerância de ponto de amanhã.
E tudo isto porque a Selecção Nacional de Futebol, tranquilamente treinada pelo "bestial" Paulo Bento, que substituiu a "besta" do Carlos Queirós, "deu" ontem 4 a zero à Espanha campeã da Europa e do Mundo e, verdade se diga, só não foram tantos como o meu Benfica trouxe do Porto porque o árbitro não quis ...

sábado, 13 de novembro de 2010

Palavras bonitas

MANHÃ CINZENTA

Ai madrugada pálida e sombria
em que deixei a terra dos meus pais ...
e aquele adeus que a voz do mar trazia
dum lenço branco, a acenar no cais ...

O meu veleiro - era de espuma fria -
levava-o o fervor dos vendavais.
À passagem gritavam-me: onde vais?
Mas só o meu veleiro respondia.

Cruzei o mar em direcções diferentes.
Por quantas terras fui, por quantas gentes,
nesta longa viagem que não finda.

Só uma estrada resta - mais nenhuma:
na Ilha que o passado envolve em bruma,
um lenço branco que me acena ainda ...

O sol nas noites e o luar nos dias
Natália Correia
Círculo de Leitores (1993)

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Três pianos

Porque hoje foi um dia cansativo, apeteceu-me colocar nove minutos de boa música, por três grandes intérpretes portugueses, junto e ao vivo no CCB.

Apesar de tudo, ainda se fazem coisas muito bonitas em Portugal ...

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Palavras bonitas

SONETO
 
Amor desta tarde que arrefeceu
as mãos e os olhos que te dei;
amor exacto, vivo, desenhado
a fogo, onde eu próprio me queimei;
amor que me destrói e destruiu
a fria arquitectura desta tarde
- só a ti canto, que nem eu já sei
outra forma de ser e de encontrar-me.
Só a ti canto que não há razão
para que o frio que me queima os olhos
me trespasse e me suba ao coração;
só a ti canto, que não há desastre
de onde não possa ainda erguer-me
para encontrar de novo a tua face.

Poesia
Eugénio de Andrade
Fundação Eugénio de Andrade (2000)

sábado, 6 de novembro de 2010

Crise e fome

Cumpridos os rituais de sábado - praça, almoço, "sestinha", flores - sento-me a ler o Expresso, também ele um ritual .
Televisão sintonizada no Mezzo, tenho em fundo Jazz num concerto do Jazz in Vienne 2010 (Liz Comb).
O Expresso actualiza-me as últimas sobre o orçamento, a crise, os arrufos e os entendimentos, os ditos e os seus contrários, o BPN, o BPP, as taxas de juro, as constantes indisposições dos mercados, o processo do homem da Protecção Civil que parece ter passado "a mão pelo pudim", etc., etc.. Nas páginas centrais do primeiro caderno surge, frio, o desenvolvimento da manchete: há escolas que vão passar a abrir ao fim de semana e nas férias para poderem minorar a fome de muitos dos seus alunos.
A música torna-se desagradável, o sofá desconfortável, o arrepio percorre-me o corpo.
Não foi este o país sonhado na época em que o sonho "comanda a vida".
Quase quarenta anos depois, interrogo-me: poderia e deveria ter feito mais para impedir que a incompetência, a selvajaria, a ausência de princípios e valores tomassem o poder e dele fizessem a sua "quinta", colhendo toda a "fruta" e deixando a grande maioria apenas à mercê dos caroços que os "iluminados" deitam fora?
Não sei a resposta ...

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

LP's, CD's e MP3

Na noite passada estive a converter alguns CD's para MP3 para, com uma simples "pen", fazer chegar algumas dezenas de canções a quem, sobre elas, manifestou interesse.

De entre os CD's convertidos contavam-se alguns de Gal Costa que, lembrei-me hoje, não coincidiam com alguns discos de vinil que fazem parte do "antiquário". A memória, por vezes, já vai traindo, mas a lembrança de um velho LP (era assim que se designavam os albuns de vinil) com uma capa muito sugestiva, estava bem fresca.

Fui à procura do "India" (gravado em 1973) e não o consegui encontrar nas "catacumbas".

Andará por aí ...

Fica a música que dá título ao álbum, sacada do Youtube, com a sugestiva capa a servir de suporte.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Palavras bonitas

APOCALIPSE
 
É o cavalo do tempo a galopar ...
Ninguém pode detê-lo.
Vê-lo,
é ver, a sonhar,
um relâmpago a rasgar
o céu dum pesadelo.
Deixa a desolação por onde passa.
Torna os sonhos maninhos.
Desmente os adivinhos
que, na divina graça
de feiticeiras alucinações,
prometem duração às ilusões.
Besta infernal,
com asas de morcego
e raiva desbocada,
largou do prado onde pastava ausente,
e corre, corre, em direcção ao nada,
única direcção que a fúria lhe consente.

Câmara Ardente
Miguel Torga
Gráfica de Coimbra (1995)

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Livros (lidos ou em vias disso)

Numa visita relâmpago, em final de tarde, à minha amiga Isabel Castanheira (as tuas melhoras), da Loja 107, comprei e comecei a ler, enquanto esperava ser atendido para uma consulta médica de rotina.

Vou no quinto dia - 25 de Março de 2007 - com uma vontade enorme de continuar, sem paragens, para desvendar o muito que lá está. Não é possível. O tempo é pouco e a leitura exigente, num vai e vem constante para entender e digerir, sem pressas que o caminho certo é de difícil descoberta, mas entusiasmante quando se descobre a linha.

"(...) a hera a crescer na varanda não pareceu entusiasmar-se quando o tio o ensinou a andar de bicicleta entre o castanheiro e o portão trotando-lhe ao lado a equilibrar o selim

- Pedala

o tio exausto lá para trás e ele sozinho direito à garagem sem conseguir travar, a garagem subitamente enorme e o tio distintíssimo

- Pára

ultrapassou um canteiro, um segundo canteiro, o médico

- Vamos explorar as hipóteses

e ele contente embora a incisão principiasse a maçá-lo, isto é não dor ainda, a vizinhança da dor, o que em algumas horas se tornaria dor, impossível de travar como a bicicleta apesar dos gritos do tio, uma raiz desviou o pneu da frente e não o portão agora, um pilar de granito com um vaso em cima, o avô distraído com o rato de chocolate não o via da sala, chinelos cuja existência desconhecia, o avô sempre calçado até então, (...)"

E chega, para aguçar o apetite.

Sôbolos rios que vão
António Lobo Antunes
D. Quixote (2010)

domingo, 17 de outubro de 2010

Foz do Arelho

Sendo certo que olhos que gostam vêem diferente, a rotina de ir olhar a Foz é sempre quebrada por surpresas do mar, do tempo, da paisagem, resultantes de variadíssimos factores, quiçá, até, da disposição que se leva.
Hoje o nevoeiro apresentava-se de norte para sul, ou melhor, para quem conhece bem, do mar para a lagoa, ao contrário do que normalmente acontece, quando se tem um sol radioso na lagoa e o mar envolto naquele enorme “capacete” que nem o deixa ver.
O Sol já convidava ao passeio e havia no areal uma exposição de arte contemporânea a não perder. Uma série de instalações, em diversos materiais, onde predominavam as canas mas onde se podiam distinguir outros tão diferentes e banais como chinelos, sapatilhas, garrafas (de plástico e de vidro), bóias, troncos de árvores, embalagens de iogurte, latas de sumos, num conjunto de obras que, embora não tendo autor identificado nem título, se presumia serem da autoria conjunta do mar e da lagoa e se chamarem Desleixo.
Ainda bem que, certamente por causa da crise, não existirá capacidade financeira (ou de decisão?) na Junta de Freguesia nem na Câmara Municipal para mandar retirar aquilo.
Perder-se-ia a oportunidade de ver obras de grande qualidade estética e ficava-se, de novo, com possibilidades de passear descalço pela praia …




sábado, 16 de outubro de 2010

Inveja

Sou um invejoso!
Padeço de um mal muito comum no nosso país, que afecta muito mais portugueses do que a bactéria helicobacter, o cancro do colo do útero, a doença dos pézinhos, o reumático ou a rinite dos fenos. Porém, a minha inveja não provoca a reacção mais habitual de que os outros têm sempre o melhor carro, a mulher mais bonita e o melhor emprego apenas porque nasceram com o dito virado para a Lua ou foram bafejados com uma "sorte do caraças".
A minha inveja resulta daquilo que outros fizeram e que eu muito gostaria de ter sido, antes, capaz de conseguir. Esta semana, no Expresso, (não sou accionista) vêm insertos textos que me causaram um ataque do mal de que sofro, dos quais destaco algumas partes:
Henrique Monteiro - Sócrates, a fonte do problema
Aqui há um mês e meio, o Governo acusava o PSD de querer acabar com o Estado Social. Ontem, apresentou um Orçamento do Estado que o destrói. As coisas têm de ser vistas no real e não nos discursos - a retórica, a habilidade, a falsa promessa, a demagogia, o ataque soez (e lamento não me lembrar de mais palavras dizíveis) que então campearam eram injustificados.(...)
Nicolau Santos - Um sangrento massacre fiscal
Pode-se justificar com o estado de urgência em que se encontra o país, com a pressão dos mercados, com o aperto em matéria de financiamento em que se encontram os bancos e a República. Mas a proposta de lei sobre o Orçamento do Estado para 2011 só pode ser classificada como um saque brutal à bolsa dos contribuintes, um tsunami que arrasa toda a economia à sua passagem, uma bomba atómica que levará milhares de empresas a fechar as portas e milhões de cidadãos a passarem a viver bem pior a partir do próximo ano.
Além disso, é um Orçamento sem esperança.(...)

Miguel Sousa Tavares - A lição do Chile
Um a um, vou vendo sair os mineiros das profundezas do Atacama: duas madrugadas e grande parte de um dia de televisão sempre ligada, fascinado com essa extraordinária oportunidade de seguir em directo, a milhares de quilómetros, a extracção, corpo a corpo, de 33 condenados à morte de encontro à superfície, à luz e à vida. O mundo inteiro esteve, em diferentes fusos horários, preso desta transmissão televisiva planetária, que é daquelas que ficará para sempre na nossa memória, como as da chegada à Lua ou do início da Guerra do Iraque, em directo. A transmissão foi preparada ao pormenor e teve imagens inesquecíveis, como a da agulha progredindo num mostrador, da esquerda para a direita, à medida que a Fénix ia fazendo cada uma das suas ascensões ao longo dos 700 metros de túnel. Ou as fantásticas imagens recolhidas no interior do próprio abrigo, de onde a Fénix partia, desaparecendo no buraco perfurado na rocha para uma viagem que, de facto, tinha toda a carga simbólica e quase física de um parto.(...)

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Palavras bonitas

Sê como és: o sol é bom,
o ar vivaz.
Do azul aos azuis, do verde aos verdes,
a terra é menina e o tempo rapaz.
Também tu és menina
(um bichinho rebelde, de tão natural!)
e correr descalça era mesmo o que querias,
mas seria indecente nesta capital ...
E enquanto, doutro verde possuído,
em versos me explico, bem ou mal,
à primavera corres, já descalça,
por uma relva ideal!

Tomai lá uma Antologia
Alexandre O'Neill
Círculo de Leitores (1986)

domingo, 10 de outubro de 2010

Foz do Arelho

O mar vai voltar a fazer das suas e a demonstrar quem por ali manda?
Hoje estava assim, no final da tarde. Aguardemos ...



quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Quotidiano

Num dia que começou atribulado, com pouco mais de oitenta quilómetros percorridos em quase três horas, por uma auto-estrada com obras que nunca mais terminam, com a chuva a misturar-se com o pó e a fazer uma estranha "papa" que alimenta os acidentes, com o "senhor" do rádio a dizer que o trânsito está parado no IC 19, no nó de Frielas, na A5, no viaduto do Feijó, etc.,  e a recomendar aos "senhores" condutores que conduzam com a máxima precaução (necessária para não dar um toque no da frente, quando se distende, por momentos, o pé que está no travão), segue um número inacreditável de veículos a passo de caracol.

No final da jornada, cansativa e longa, a mesma dança, com a chegada a casa atrasada com mais acidentes, numa altura em que a noite, sem ser ainda velha, já tinha passado há muito a adolescência.

Valha-nos ser quinta-feira, dia em que Vargas Llosa foi distinguido com o Nobel da Literatura, prémio que ainda não foi desta que contemplou António Lobo Antunes. Talvez seja melhor assim, não fosse dar-se o caso de o marketing do Nobel tirar o tempo ao nosso escritor para nos oferecer os, como ele diz, nossos livros - entregar-nos-á outro ainda este mês - e as crónicas com que, quinzenalmente, nos delicia na Visão. A desta semana, conta a história de um cabo ferrador que cumpriu serviço militar em Chaves e termina assim:

" (...) - Tenho dormido num degrau, sabia?

levantou-se da cadeira e foi-se embora, aposto que sem pensar em Chaves, nos montes, nas gajas, todo inteiro no interior de uma incomodidade com picos que o atormentavam, o filho morto em criança, a mulher ida com um caixeiro viajante, os duzentos euros, a sopinha. Mas havia de acabar por animar-se

- Isto já passa amigo

porque não há azares que um cabo ferrador como deve ser não aguente, em sentido para o toque a silêncio, que nos mexe a todos por dentro e é o mais bonito que existe."

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Ciência em alta

Numa altura em que Portugal vive deprimido, a braços com a crise, a antipatia dos mercados financeiros, a eventual saída do euro, os arrufos dos líderes dos dois maiores partidos, o calculismo do Presidente da República, o pessimismo de Medina Carreira, o optimismo de José Sócrates, o flagelo do desemprego e muitos mais casos que nem vale a pena enumerar, é bom ver surgir algo que, no futuro, trará competência e prestígio ao País e contribuirá para que o sofrimento de quem perde a saúde possa ser minimizado, independentemente das capacidades financeiras que a crise lhe dê ou lhe tire.
Não conheço Leonor Beleza nem com ela tenho ou tive qualquer afinidade, mas dá prazer ver a vontade e a felicidade que transparece daqueles olhos e das suas palavras.
Estou convicto que o Centro de Investigação para o Desconhecido, da Fundação Champalimaud, entrará na História em 2010 pela mesma porta que a Fundação Gulbenkian abriu em 1969 - a do êxito e do respeito de todos. 

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Palavras bonitas

Nos 100 anos da República, que hoje se comemoram, sempre com a esperança de que os seus ideais se mantenham bem vivos e que, apesar dos escolhos e da falta de capacidade de alguns "pedreiros", a razão e o interesse de todos se sobreponha, sempre, às mesquinhas conveniências de cada um.

HINO À RAZÃO

Razão, irmã do Amor e da Justiça,
Mais uma vez escuta a minha prece,
É a voz dum coração que te apetece,               
Duma alma livre, só a ti submissa.

Por ti é que a poeira movediça
De astros e sóis e mundos permanece;
E é por ti que a virtude prevalece,
E a flor do heroísmo medra e viça.

Por ti, na arena trágica, as nações
Buscam a liberdade, entre clarões;
E os que olham o futuro e cismam, mudos,

Por ti, podem sofrer e não se abatem,
Mãe de filhos robustos, que combatem
Tendo o teu nome escrito em seus escudos!

Sonetos
Antero de Quental
Ulmeiro (1994)

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

É assim ...

... não melhorou e já não regressa à casa que foi sua durante quase treze anos.
O tumor a que foi operado há alguns anos tinha deixado sementes e estas disseminaram-se por vários orgãos. Estava "minado" pelo cancro.
Já não há mais "vamos ao jardim, cão velhote".

sábado, 25 de setembro de 2010

Fim de semana

A sexta-feira começou da pior maneira.
Logo pela manhã, o Skiffo não se movimentou na procura do biscoito rotineiro e permaneceu deitado, com os olhos mortiços, a pedir a ajuda que precisava sabe-se lá desde quando.
Tinha ficado bem na noite anterior, passeado pelo jardim como de costume e, embora os anos já vão pesando, nada fazia prever que ficaria doente.
Telefonema para a veterinária e lá foi ele para a clínica, Levado numa "padiola" feita com um tapete, apenas rosnou um pouco quando viu que um dos elementos que o transportavam não era conhecido ou, pelo menos, não lhe inspirava confiança. Umas festas, umas falas e acalmou.
Chegado ao carro, parece que adivinhou que, afinal, quem lhe iria valer não eram os donos e que a viagem ia ser para local desconhecido ou para um sítio que lhe traria recordações desagradáveis. Pela primeira vez, neste dia, exibiu o seu orgulho e, fazendo das fraquezas forças, levantou-se, rosnou, olhou para nós e transmitiu o seu desagrado pela viagem.
Está a soro, medicado e estacionário. Já foi diagnosticada uma insuficiência hepática e uma compressão nas vértebras cervicais. Malhas que a idade tece!
Mas vai melhorar ...

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Música portuguesa

Fora dos grandes circuitos, avesso às cedências, contra a corrente, raramente se ouve nas rádios ou nas televisões. Lá pelo Ribatejo profundo, Pedro Barroso encontrará a inspiração para fazer coisas tão lindas como esta Tão Mulher, que faz parte do album Sensual Idade, gravado em 2008.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Livros (lidos ou em vias disso)

Começou o corte dos cachos das videiras que, em Abril deste ano, no Douro, ainda nem sequer abrolhavam. O ritual de antigamente está hoje em desuso, exigindo-se a quem vindima um cuidado carinhoso com as uvas, para que o corte acrescente qualidade ao vinho que há-de resultar da cozedura do mosto.

Hoje cruzei-me com várias carrinhas que transportavam pessoas para as vindimas e, quando cheguei, fui à estante procurar Torga, lido há anos, mas a quem se volta sempre com prazer.

" (...) Encosta espraiada de cepas a olhar o rio ao fundo e o céu lá no alto, a Cavadinha, com o  nome em letras garrafais no arco de ferro que encima o largo portão da entrada, é o mimo das quintas. Uma alta ramada dá sombra ao caminho varrido que liga a estrada à residência, sólida construção sobranceira às várias dependências que a rodeiam: os lagares, os armazéns e a cozinha do pessoal. Casas caiadas de branco, telhado e tudo, como as de Penaguião, quando neva. Uma brancura para enganar o coração de quem vem.

A cal, porém, não chegava até à cardenha onde dormiam os vindimadores. Longe do terreiro, sobradada de palha e dividida em dois por uma meia parede que teias de aranha prolongavam até ao telhado, de um lado amontoavam-se as mulheres, do outro ressonavam os homens e as crianças, quando, depois de um dia de corte, de cestos e de lagar, caíam como tordos no chão.

- Onde se começa? - quis saber o Eusébio, ao deitar, numa curiosidade de boi pela molhelha.

- Na encosta do buxo, disse-me o tio Seara. 

Dançado o último fandango, esgotado o reportório das cantigas, a tarde caíra sonolenta sobre as léguas do caminho. E agora, antes de se entregar inteiro a um repouso de morte, o corpo necessitava de conhecer em que sítio se iniciava a vida quando viesse a ressurreição.

- Aperte mais o rabo, tia Joana! - gritou de cá o Jerónimo, a um ruído suspeito do outro lado.

- Eu ainda não estou tão lassa como cuidas, ó alma do diabo! Fala ali com a Carminda ...

Um impudor de convívio chegado, de intimidade de paredes sem reboco e sem remate no tecto, rasgava o véu que cada natureza, principalmente se era feminina, trazia à volta de si. Velhas e novas, virgens e casadas, homens e meninos, olhavam-se descompostos e naturais, numa ironia tolerante.

- Ó tia Virgínia, que tal é o colchão?

- É-é-é ... bô-ô-ô ...

- E você, tia Angélica, reza a coroa?

- A minha alma já está no céu, só de vos aturar ...

- Fartei-me de uvas! - gabava-se o Chico, entoirido. - Até me dói a barriga ...

- Se te apertar, não me sujes ... Vai lá fora!

- Há pulgas, aqui! - gritou a Carminda.

- Queres que tas vá coçar?

Nenhum dito regressava sem troco, nenhuma intenção ficava por entender. (...)"

Vindima
Miguel Torga
Gráfica de Coimbra (1997)

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Graffiti

Em Outubro de 2007, os Couple Coffee estiveram nas Caldas, num tributo a José Afonso organizado pelo Teatro da Rainha, apresentando um trabalho de excelente qualidade intitulado Co'as tamanquinhas do Zeca.

Recentemente, Luanda Cozetti, a voz do grupo, gravou uma das músicas do album Graffiti, de Júlio Pereira. O disco é fantástico e reúne as vozes de Sara Tavares, Dulce Pontes, Olga Cerpa, Mariza Liz, Nancy Vieira, Manuela Azevedo, Maria João, Sofia Vitória, Filipa Pais e Luanda Cozetti, numa edição cuidada e muito bonita.

Não é fácil escolher entre tanta gente de nível, mas a música minha preferida é esta aguarela da lusofonia denominada "É um  dia, é um dia não".

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Palavras bonitas

Para o meu filho, que hoje faz 29 anos.


À CHEGADA DOS DIAS GRANDES


Da luva lentamente aliviada
a minha mão procura a primavera
Nas pétalas não poisa já geada
e o dia é já maior do que ontem era
Não temo mesmo aquilo que temera
se antes viesse: chuva ou trovoada
É este o deus que o meu peito venera
Sinto-me ser eu que não era nada
A primavera é o meu país
saio à rua sento-me no chão
e abro os braços e deito raiz
e dá flores até a minha mão
Sei que foi isto que sem querer quis
e reconheço a minha condição.

Todos os Poemas
Ruy Belo
Assírio & Alvim (2000)

sábado, 28 de agosto de 2010

Fogos e alertas

As chamas continuam a consumir as matas nacionais, não fazendo distinção entre parques naturais, paisagens protegidas, mato rasteiro, carvalhos, pinheiros ou eucaliptos.
Na mesma senda da repetição, os orgãos de comunicação social fazem eco das cores dos alertas da Protecção Civil, do número de homens envolvidos no combate, dos meios terrestres e aéreos, numa contabilidade absurda e massacrante que o Ministro completa determinando percentagens sobre o que ardeu a menos, rebuscando estatísticas até encontrar resultados positivos.
Entretanto, ainda ontem na A8, presenciei o comportamento de uma condutora que, no exacto momento em que a ultrapassava, deitou pela janela a beata do cigarro com que, por certo, se tinha acabado de deliciar.
Fica a pergunta: se a Protecção Civil utilizasse os orgãos de comunicação social para emitir comunicados didácticos, apelando ao civismo, à educação para o bem de todos, ao respeito pela natureza, responsabilizando os maus comportamentos, não obteríamos melhores resultados do que com o contínuo bombardeamento de números e cores de alertas?

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Quotidiano

No final do dia de hoje, para desanuviar de algumas centenas de quilómetros, fui caminhar à beira da Lagoa, utilizando a "pista" que o Instituto da Água ali criou há já bastante tempo (talvez 2 anos), no âmbito de um programa de recuperação das margens da Lagoa de Óbidos, co-financiado pela Comunidade Europeia.
Tinha ideia de já não caminhar por ali há algum tempo, mas não supunha que já tanto tivesse decorrido. Deparei, hoje, com uma placa que assinala, para a posteridade, a inauguração daquele espaço de lazer em Maio deste ano, pelas mãos da Ministra do Ambiente, Dulce Pássaro.
Centenas, talvez milhares de pessoas utilizaram aquele espaço sem que, afinal, houvesse "licença de utilização". O "documento" foi agora emitido pela Ministra Pássaro.
Vivam a "passarada", os "passarões" e, já agora, os "passarinhos".

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Palavras bonitas

AI SILVINA, AI SILVININHA

 

Lindos olhos tem Silvina,
lindas mãos Silvina tem,
e a cintura de Silvina
é fina como o azevém.
Em Silvina tudo exala
um cheiro de coisa fina,
mas o que a nada se iguala
é a fala de Silvina.

A doce voz de Silvina
é como um colchão de penas,
é um fio de glicerina,
um vapor de águas serenas.
- Porque não cantas, Silvina?
Se a tua voz é tão doce
talvez cantada que fosse
mais doce que a glicerina.
Porque não cantas, Silvina?
 
- Não me apetece cantar
e muito menos para ti.
Eu sou nova, tu és velho,
já não és homem para mim.
- Não me tentes, Silvininha,
que eu já não te olho a direito.
Sou como um ladrão escondido
na azinhaga do teu peito.

- A azinhaga do meu peito
corre entre duas colinas.
O ladrão do meu amor
tem pé leve e pernas finas.
- Canta, canta, Silvininha,
uma canção só para mim.
Dar-te-ei um lençol de estrelas,
uma enxerga de alecrim.

- Deixa o teu corpo estendido
à terra que o há-de comer.
A tua cama é de pinho,
teus lençóis de entristecer.
- Canta, canta, Silvininha,
como se fosse para mim.
Dar-te-ei um escorpião de oiro
com um aguilhão de marfim.

- Não quero o teu escorpião,
nem de ouro nem de prata.
Quero o meu amor trigueiro
que é firme e não se desata.
- Pois não cantes, Silvininha,
se é essa a tua vontade.
Canto eu, mesmo assim velho,
que o cantar não tem idade.

Hás-de tu ser morta e fria,
cem anos se passarão,
já de ti ninguém se lembra
nem de quem te pôs a mão.
Mas sempre há-de haver quem cante
os versos desta canção:
Ai Silvina, ai Silvininha,
Amor do meu coração.

Poesias Completas (1956-1967)
António Gedeão
Portugália (1975)

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Regresso

Habitualmente, a rádio acompanha-me no regresso a casa, com umas incursões, pontuais, ao leitor de CD's.
Hoje apetecia-me ter companhia mais íntima e fui à procura de Elis Regina, no monte que anda no porta luvas.
Vim com Elis & Tom, numa remasterização feita em 2004 de um disco gravado na cidade de Los Angeles trinta anos antes. Fica uma amostra do que ouvi ...

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Palavras bonitas

FICAM AS SOMBRAS ...
Não. Não podeis levar tudo.
Não. Não podeis levar tudo.
Depois do corpo,
E da alma,
E do nome,
E da terra da própria sepultura,
Fica a memória de uma criatura
Que viveu,
E sofreu,
E amou,
E cantou,
E nunca se dobrou
à dura tirania que a venceu. 

Fica dentro de vós a consciência
De que ali onde o mundo é mais vazio
Havia um homem.
E sabeis que se comem
Os frutos acres da recordação ...

Fantasmas invisíveis que atormentam
O sono leve dos que se alimentam
Da liberdade de qualquer irmão.

Cântico do Homem
Miguel Torga
Gráfica de Coimbra (1974)
 
Nota: Miguel Torga nasceu em S. Martinho de Anta, no dia 12 de Agosto de 1907, há 103 anos.

domingo, 8 de agosto de 2010

Férias

Acabou-se!

Amanhã volta a rotina, o trânsito, a gravata, o casaco, as meias e os sapatos.

Para trás ficam uns bons banhos, as brincadeiras com o neto, os livros lidos, as sestas viciantes.

Na despedida e após os últimos mergulhos, a bandeira mudou para a cor do costume e apareceram os pingos, visita habitual do mês de Agosto na Foz, que provocaram a debandada geral e uma despedida apressada.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Recordar António Feio


Agora, que já se passaram alguns dias sobre a partida e que o bolor do esquecimento se vai instalando, fica a recordação de um grande espectáculo realizado na "minha" Associação, com a sala a abarrotar e uma "fézada" de que tudo iria correr bem, como aconteceu.
A segurança era quase nula e o público participava activamente e de tal forma entusiasmado que o espectáculo durou mais de três horas.
No final, os dois actores, naturalmente muito satisfeitos, "picavam-se" mutuamente com as "buchas" que cada um foi metendo, pervertendo sistematicamente um guião já de si bastante elástico.
Nunca mais voltarei a ver António Feio e José Pedro Gomes, juntos e ao vivo.

domingo, 1 de agosto de 2010

Palavras bonitas

DIA DE ANOS
 
Com que então caiu na asneira
De fazer na quinta-feira
Vinte e seis anos! Que tolo!
Ainda se os desfizesse ...
Mas fazê-los não parece
De quem tem muito miolo!
Não sei quem foi que me disse
Que fez a mesma tolice
Aqui o ano passado ...
 
Agora o que vem, aposto,
Como lhe tomou o gosto,
Que faz o mesmo? Coitado!
Não faça tal; porque os anos,
Que nos trazem? Desenganos
Que fazem a gente velho.
Faça outra coisa; que em suma
Não fazer coisa nenhuma,
Também lhe não aconselho.
 
Mas os anos, não caia nessa!
Olhe que a gente começa
Às vezes por brincadeira,
Mas depois se se habitua,
Já não tem vontade sua,
E fá-los, queira ou não queira.

João de Deus

segunda-feira, 26 de julho de 2010

domingo, 25 de julho de 2010

Férias

Já lá vai uma semana, penso, usando o lado pessimista do cérebro.
Logo a seguir, o lado oposto exprime o seu optimismo e salienta, contentíssimo, que ainda faltam mais duas.
Quando e se me apetecer, volto aqui ...

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Palavras bonitas

Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra,
Ao luar e ao sonho, na estrada deserta.
Sózinho guio, guio quase devagar, e um pouco
Me parece, ou me forço um pouco para que me pareça,
Que sigo por outra estrada, por outro sonho, por outro mundo,
Que sigo sem haver Lisboa deixada ou Sintra a que ir ter,
Que sigo, e que mais haverá em seguir senão não parar mas seguir?
Vou passar a noite a Sintra por não poder passá-la em Lisboa,
Mas, quando chegar a Sintra, terei pena de não ter ficado em Lisboa.
Sempre esta inquietação sem propósito, sem nexo, sem consequência,
Sempre, sempre, sempre,
Esta angústia excessiva do espírito por coisa nenhuma,
Na estrada de Sintra, ou na estrada do sonho, ou na estrada da vida ...

Maleável aos meus movimentos subconscientes do volante,
Galga sob mim comigo o automóvel que me emprestaram.
Em quantas coisas que me emprestaram eu sigo o mundo!
Quantas coisas que me emprestaram guio como minhas!
Quanto me emprestaram, ai de mim!, eu próprio sou!

Poesias de Álvaro de Campos
Fernando Pessoa
Edições Ática (1980)

segunda-feira, 12 de julho de 2010

José Saramago e o Céu

Para além de um grande escritor, o único (até agora) Prémio Nobel da Literatura da língua portuguesa foi um polemista terrível, sarcástico, cáustico, que nunca virou a cara uma boa refrega, intelectual, entenda-se.
Pelos vistos, nem mesmo a morte lhe cerceou a verve, como se prova pela descrição da sua subida ao céu e da argumentação tida com o Criador. Ler aqui.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Vinicius de Moraes

Há 30 anos a música popular brasileira ficou mais pobre e o mundo perdeu o poeta do amor e da beleza.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Fim de tarde

A tarde caminha a passos largos para o fim e, ainda assim, o calor sufocante mantém-se, desafiando a capacidade de adaptação pulmonar, habituada à humidade oestina.
A Praça de Espanha está cheia de carros.
Enquanto uns colocam os "cavalos" no chão e abandonam o local por o "sporting" jogar do seu lado, aguardo na fila com o (meu) "benfica" a impedir a marcha.
Os vidros estão abertos, o rádio sintonizado na Antena 2, que a música ajuda a libertar e a desligar.
"Sou" o primeiro carro da fila da esquerda.
O vendedor transporta, em cada mão, 2 sacos de plástico com barquilhos. Já desistiu de apregoar o produto.
- Não se vende nada ...
Ainda se chamam barquilhos, pergunto, recordando o homem que, na minha infância, os retirava de uma lata redonda, branca e vermelha, junto à Escola Rafael Bordalo Pinheiro.
- Claro. Também há quem lhe chame bolacha americana ... mas não se vende nada. Desde o 25 de Abril que é assim.
???
A compostura do "fato de trabalho", a música ou o sorriso enigmático deram-lhe coragem para continuar.
- Estragaram tudo, o dinheiro, o ouro, as províncias ... e quem se lixa é o povo.
Mas vivia-se bem pior, arrisco.
- Qual quê, a gente cantava e bailava ... era uma alegria!
Por certo que o calor lhe toldou a vista e não percebeu que o "antes" também passou por mim, e bem (se calhar estou ainda em muito bom estado !!!!).
O "sporting" caiu e o diálogo terminou com o "até amanhã" próprio de quem, não se conhecendo, frequenta os mesmos locais.
Se os semáforos proporcionarem novo encontro, vou tentar perceber o que o leva a dizer que era melhor viver "cantando e rindo".

terça-feira, 22 de junho de 2010

Mundial de futebol - África do Sul

O futebol está na ordem do dia e o comportamento da selecção de Portugal suscita a habitual transmutação de bestial a besta em meia dúzia de minutos, com a opinião pública e publicada a tecer elogios e críticas, com o saber de ciência certa que explica, sem margem para quaisquer dúvidas, o como, o quando e o porquê dos erros cometidos, da deficiente estratégia, da excelente táctica ou da maravilha do gesto do extraordinário jogador que, pouco antes, tinha sido "um nabo". Coisas da paixão ...
Entretanto, quem sabe é muito mais comedido, procura esclarecer, explicar, objectivar aspectos do jogo e revelar o "interior" do mesmo.
Valdo, um brasileiro de elevado nível que passou pelo Benfica há já alguns anos, comentava na Sport TV, com o seu sotaque musical, um toque sofrido pelo seu compatriota Lúcio, no jogo que opôs o Brasil à Costa do Marfim (3-1):
" São todos iguais ... centrais dão, dão, quando levam uma chegadinha, choram, choram ..."

sábado, 19 de junho de 2010

José Saramago

Faleceu ontem o único (até agora) Prémio Nobel da Literatura Portuguesa.

Polémico, suscitou paixões e ódios, quase sempre exacerbados. Deve ter sido dos poucos escritores que teve o privilégio de ser criticado por muita gente que dele não leu uma linha.

Um grande escritor, que se tornou conhecido já na fase madura da vida, à custa de uma grande ousadia, uma enorme vontade, um conhecimento profundo das suas capacidades e, de certeza, muito trabalho.

Daqui a 100 anos ainda será lido com o fascínio que os grandes sempre despertam.

"É bem certo que o difícil não é viver com as pessoas, o difícil é compreendê-las, disse o médico"
 
Ensaio sobre a cegueira
José Saramago
Caminho (1995)

segunda-feira, 14 de junho de 2010

A natureza é quem manda ...

Com dificuldade e pouca exuberância, o jacarandá floriu, bonito como sempre.
Que pena, neste ano, serem tão poucas as flores que nos oferece.


domingo, 13 de junho de 2010

Crise em Plano Inclinado

Mais um Plano Inclinado na SIC Notícias com a presença do Professor Ernâni Lopes.
A exemplo do que já tinha acontecido há quinze dias, os espectadores puderam assistir a uma brilhante aula de Economia e Finanças, polvilhada de lições sobre a crise, a vida e a ética.
De entre os vários e simples quadros com que o Professor ilustrou a sua exposição, retive o que abaixo se reproduz e que, na minha fraca opinião, sintetiza o muito que há a fazer para conseguirmos ser um país e uma geração de quem os nossos netos não se envergonhem.

Onde está ................. Pôr
Facilitismo ............. Exigência
Vulgaridade ........... Excelência
Moleza .................... Dureza
Golpada .................. Seriedade
Videirismo .............. Honra
Ignorância .............. Conhecimento
Mandriice ............... Trabalho
Aldrabice ................ Honestidade

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Contestação

As duas situações "só" têm de diferente um "pequeno" intervalo de 42 anos! Apesar de haver grandes alterações no protagonista, há valores que são eternos!


segunda-feira, 31 de maio de 2010

Dois selos e um carimbo

Há cerca de ano e meio publiquei aqui um comentário sobre a crise que então se vivia, utilizando o disco que os DEOLINDA tinham acabado de editar. Em concreto, referia uma das músicas do album, a qual, na minha opinião, fazia (e faz) um excelente retrato do que somos enquanto povo - diligentes, críticos, lutadores, solidários - mas sempre com qualquer assunto inadiável que nos impede de comparecer onde possa "cheirar a esturro", muito embora estejamos sempre de corpo e alma com o que por lá aconteça ("Vão sem mim, que eu vou lá ter").
Tal como a crise, também os DEOLINDA cresceram.
Apresentaram recentemente o seu segundo trabalho, ainda mais conseguido do que o anterior, e que, de novo, traz um "boneco" caracterizador do Portugal que somos: a fobia de figurar no Guinness já nos proporcionou uma infinidade de realizações, que vão desde o banquete na Ponte Vasco da Gama à pirâmide de cavacas nas Caldas (as abelhas deliraram), passando pelo assador de castanhas de Vinhais e pelo Pai Natal de Torres Vedras.
Não faço ideia se o emblema do Benfica, com cerca de 80 metros, que apareceu na Malveira terá o mesmo destino mas não restam dúvidas que o maior mastro do mundo é português!

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Palavras bonitas

A um passarinho

Para que vieste
Na minha janela
Meter o nariz?

Se foi por um verso
Não sou mais poeta 
Ando tão feliz!

Se é para uma prosa
Não sou Anchieta
Nem venho de Assis.

Deixa-te de histórias
Some-te daqui!
 
Antologia Poética
Vinicus de Moraes
D. Quixote (2001)

quarta-feira, 19 de maio de 2010

O costume

O Verão está a chegar, trazendo à lembrança os chinelos, as t-shirts, os pés descalços, as "cabeçadas" nas ondas da Foz, (se o mar estiver pelos ajustes), as gravatas abolidas, os casacos "esquecidos" nos cabides mais recônditos do armário, os livros lidos na praia, com umas sonecas pelo meio, o nevoeiro matinal (ainda vai abrir, vais ver), uma panóplia (que palavrão - será que tem algum significado?) de coisas que se sucederão até chegar o 31 de Julho. Neste dia, aparece sempre alguém, pessimista, a dizer:
- O Verão acabou!
- 'Tás maluco?!
- Claro, primeiro de Agosto, primeiro de Inverno, vais ver!
Vem tudo isto a propósito, ou a despropósito, da entrevista de ontem do nosso Primeiro-Ministro: a memória recordou (longe vá o agoiro) algumas conversas de antanho, das quais se dizia ... e, para cúmulo da chatice, tanto falou e nada disse.
Ontem, José Sócrates falou muito e convenceu-nos a todos, pela força que transmitiu a todas as ideias, repetindo-as bastantes vezes, para que não passassem despercebidas.
A mim, ficou-me a sua última descoberta: o mundo mudou muito nas últimas três semanas.
Será que, apesar da mudança, vai haver Verão?

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Palavras bonitas

DIES IRAE 

Apetece cantar, mas ninguém canta.
Apetece chorar, mas ninguém chora.
Um fantasma levanta
A mão do medo sobre a nossa hora.

Apetece gritar, mas ninguém grita
Apetece fugir, mas ninguém foge.
Um fantasma limita
Todo o futuro a este dia de hoje.

Apetece morrer, mas ninguém morre.
Apetece matar, mas ninguém mata.
Um fantasma percorre
Os motins onde a alma se arrebata.

Oh! maldição do tempo em que vivemos,
Sepultura de grades cinzeladas
Que deixam ver a vida que não temos
E as angústias paradas!

Cântico do Homem
Miguel Torga
Gráfica de Coimbra (1974)

domingo, 2 de maio de 2010

Paradoxo















Já se vê "fumo branco" ...
A "aberta" antiga mantém-se fechada e nova já está "aberta".
O paradoxo parece resolvido!
Teremos praia???

sábado, 1 de maio de 2010

Sábado

Como qualquer outro utilizador regular da Net, recebo todos os dias dezenas de mail's, a maior parte dos quais sem qualquer interesse e cujo caminho é, sem grandes delongas, o do caixote do lixo virtual. Porém, outros há que visualizo, mantenho e aos quais volto com mais algum tempo e atenção.
De entre os muitos de ontem, houve três (do Gonçalo P.) que cumpriram os requisitos e ficaram no "arquivo", para observação futura, mais cuidada.
A manhã de hoje foi dedicada ao ritual do sábado: levantar da cama mais tarde, pequeno almoço com calma, café, visita à Niza para a compra do Expresso e praça, designação que, nas Caldas, é dada ao mercado.
Entre as laranjas, as favas, os morangos, as maçãs, o coelho, vivo, a fugir do saco da vendedeira, os grelos, as flores, o bom dia a este e o empurrão daquele, veio à memória o vídeo da ópera no mercado, que tinha observado, meio à pressa, na noite de ontem.
Ei-lo! Foi gravado no Mercado Central de Valencia, no dia 13 de Novembro de 2009.
Apreciem e digam lá se não é possível fazer tudo em todo o lado, desde que haja bom gosto.

domingo, 25 de abril de 2010

25 de Abril

Hoje devia escrever qualquer coisa, se mais não fora para comemorar a data e agradecer a todos os que se lembraram de mim, num dia em que as atenções estão viradas para as lembranças do que nos trouxe, há 36 anos, o acontecimento ímpar da história e que, ele sim, continua a merecer os parabéns, apesar de algumas tropelias que lhe vão fazendo desde o primeiro dia.


P.S.- Para quem não conhece, poderá parecer paradoxal, mas a aberta está fechada! Vamos ver o que pensa o mar, nos próximos capítulos.