VOTO DE NATAL
Acenda-se de novo o Presépio no Mundo!Acenda-se Jesus nos olhos dos meninos!Como quem na corrida entrega o testemunho,passo agora o Natal para as mãos dos meus filhos.E a corrida que siga, o facho não se apague!Eu aperto no peito uma rosa de cinza.Dai-me o brando calor da vossa ingenuidade,para sentir no peito a rosa reflorida!Filhos, as vossas mãos! E a solidão estremece,como a casca do ovo ao latejar-lhe vida ...Mas a noite infinita enfrenta a vida breve:dentro de mim não sei qual é que se eterniza.Extinga-se o rumor, dissipem-se os fantasmas!Ó calor destas mãos nos meus dedos tão frios!Acende-se de novo o Presépio nas almas,Acende-se Jesus nos olhos dos meus filhos.Obra Poética (1948-1988)David Mourão-FerreiraEditorial Presença (1997)
Casa situada na cidade das Caldas da Rainha, "nascida" em 1976, numa rua sossegada, estreita e, desde Abril de 2009, com sentido único. Produção: dois frutos de alta qualidade que já vão garantindo o futuro da espécie com quatro novos, deliciosos. O blog é, tem sido ou pretendido ser uma catarse, o diário de adolescente que nunca escrevi, um repositório de estórias, uma visão do quotidiano, uma gaveta da memória.
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sábado, 24 de dezembro de 2022
Poesia de Natal
quinta-feira, 22 de dezembro de 2022
Poesia de Natal
O NATAL DA INFÂNCIA
Ah como se alongava a província Natalcom distritos de luz dentro do Novo AnoVinha já de mais longe um perfume lunarComeçava em Novembro a toilette dos AnjosNo mapa da Europa a Suíça a Suéciaganhavam posições de repente invejáveisAndava-se na rua à procura de neveA neve dos postais arquivava-se em casaE brincava connosco o menino Jesusmesmo antes da noite em que tinha nascidoMas ninguém se atrevia a tratá-lo por tuEra de todos nós o menino mais ricoAs prendas que nos dava E fingia-se pobreAdorávamos nele o amor do teatroo dom de liberdade e da metamorfoseSorríamos de quem nos dissesse o contrárioObra Poética (1948-1988)David Mourão- FerreiraEditorial Presença (1997)
terça-feira, 20 de dezembro de 2022
Poesia de Natal
NATAL À BEIRA RIOÉ o braço do abeto a bater na vidraça?E o ponteiro pequeno a caminho da meta!Cala-te, vento velho! É o Natal que passa,a trazer-me da água a infância ressurrecta.Da casa onde nasci via-se perto o rio.Tão novos os meus Pais, tão novos no passado!E o Menino nascia a bordo de um navioque ficava, no cais, à noite iluminado ...Ó noite de Natal, que travo a maresia!Depois fui não sei quem que se perdeu na terra.E quanto mais na terra a terra me envolviamais da terra fazia o norte de quem erra.Vem tu, Poesia, vem, agora conduzir-meà beira desse cais onde Jesus nascia ...Serei dos que afinal, errando em terra firme,precisam de Jesus, de Mar, ou de Poesia?Obra Poética (19481988)David Mourão-FerreiraEditorial Presença (1997)
domingo, 18 de dezembro de 2022
Poesia de Natal
PRELÚDIO DE NATALTudo principiavapela cúmplice neblinaque vinha perfumadade lenha e tangerinasSó depois se rasgavaa primeira cortinaE dispersa e douradano palco das vitrinasa festa começavaentre odor a resinae gosto a noz-moscadae vozes femininasA cidade ficavasob a luz vespertinapelas montras cercadade paisagens alpinasE a multidão passavaE a chuva era tão finaque parecia filtradade taças clandestinasFinalmente chegavatriunfal em surdinaa noite convocadaem todas as esquinasMas não se derramavacomo tinta-da-chinaNa cidade acordadajá se ouviam matinasObra Poética (1948-1988)David Mourão-FerreiraEditorial Presença (1997)
segunda-feira, 1 de março de 2021
Palavras bonitas
SERENATA DO ADOLESCENTE
Que doentia claridadea que me invade e me obsidia,durante a noite e à luz da tarde,à luz da tarde, à luz do dia!Que doentia aquela gradede insone e ténue claridade,sob a avançada gelosia!Passo na rua e nada vejosenão a luz, a luz e a grade,Ó lamparina do desejo,porque ardes tu, até tão tarde?E às vezes surge, entre a cortina,aquela sombra vespertinaque me retém nesta ansiedade.Se tens trint'anos? ou cinquenta?Quis lá saber a tua idade!Sei que em meus olhos se impacientafome de luz daquela grade!Sei que sou novo, e que me odeioporque me tarda - ante o teu seio -queimar tão pobre mocidade!Obra PoéticaDavid Mourão-FerreiraEditorial Presença (1997)
sexta-feira, 25 de dezembro de 2020
Palavras bonitas
NADA / NATAL
Este lume que já não nos aquece
Este medo do nada que nos contem
Esta névoa de nata em vez de neve
E a nossa vida cada vez mais ontem
Estes mortos de novo hoje tão perto
É no búzio dos crânios exumados
que melhor nós ouvimos o deserto
Estas folhas de plátano Estas mãos
que o fogo vai torcendo lentamente
Esta cinza no fim de uma oração
Este sino Este céu sobrevivente
Mas soa a meia-noite E logo o nada
deixa de estar em tudo como estava
Obra Poética
David Mourão-Ferreira
Editorial Presença (1997)
terça-feira, 7 de abril de 2020
Quotidiano
Uma mudança no visual do blogue, que fica agora carregado de verde, simbolizando a esperança de que isto acabará em breve e que a nossa vida, "escada sem corrimão", volta à normalidade.
Abril é, há 46 anos, o mês da Liberdade. Se, em 2020, não nos trouxer novidades a 25, ao menos que traga a 30. Mais cinco menos cinco pouco importa!
ESCADA SEM CORRIMÃO
É uma escada em caracol
e que não tem corrimão.
Vai a caminho do Sol
mas nunca passa do chão.
Os degraus, quanto mais altos,
mais estragados estão.
Nem sustos nem sobressaltos
servem sequer de lição.
Quem tem medo não a sobe.
Quem tem sonhos também não.
Há quem chegue a deitar fora
o lastro do coração.
Sobe-se numa corrida.
Correm-se perigos em vão.
Adivinhaste: é a vida
a escada sem corrimão.
David Mourão-Ferreira
Obra Poética
Editorial Presença (1988)
quinta-feira, 16 de junho de 2016
Palavras bonitas
Pouco passa das sete e meia da manhã; o rádio está sintonizado na Antena 1, para ouvir as últimas do Euro e, logo a seguir, o espaço que David Ferreira preenche habitualmente com músicas já com algum tempo e "estórias" de discos e artistas. Hoje começa com Amália num fado que, sem qualquer dúvida, tem letra de David Mourão-Ferreira. Depois, a revelação:
- "O poeta do amor, meu pai, morreu faz hoje 20 anos."
Tão simples e tão profundo!
ESCADA SEM CORRIMÃO
É uma escada em caracol
e que não tem corrimão.
Vai a caminho do Sol
mas nunca passa do chão.
Os degraus, quanto mais altos,
mais estragados estão.
Nem sustos nem sobressaltos
servem sequer de lição.
Quem tem medo não a sobe.
Quem tem sonhos também não.
Há quem chegue a deitar fora
o lastro do coração.
Sobe-se numa corrida.
Correm-se perigos em vão.
Adivinhaste: é a vida
a escada sem corrimão.
David Mourão-Ferreira
Obra Poética
Editorial Presença
quarta-feira, 23 de dezembro de 2009
Palavras bonitas
NATAL, E NÃO DEZEMBRO
Entremos, apressados, friorentos,numa gruta, no bojo de um navio,num presépio, num prédio, num presídio,no prédio que amanhã for demolido ...Entremos, inseguros, mas entremos.Entremos, e depressa, em qualquer sítio,porque esta noite chama-se Dezembro,porque sofremos, porque temos frio.Entremos, dois a dois: somos duzentos,duzentos mil, doze milhões de nada.Procuremos o rastro de uma casa,a cave, a gruta, o sulco de uma nave ...Entremos, despojados, mas entremos.Das mãos dadas talvez o fogo nasça,talvez seja Natal e não Dezembro,talvez universal a consoada.
Obra Poética 1948-1988
David Mourão-Ferreira
Editorial Presença (1997)
terça-feira, 1 de setembro de 2009
Palavras bonitas
Para o meu filho, que hoje fez 28 anos, a poesia e o mar ... da Foz!
E POR VEZESE por vezes as noites duram mesesE por vezes os meses oceanosE por vezes os braços que apertamosnunca mais são os mesmos E por vezesencontramos de nós em poucos meseso que a noite nos fez em muitos anosE por vezes fingimos que lembramosE por vezes lembramos que por vezesao tomarmos o gosto aos oceanossó o sarro das noites não dos meseslá no fundo dos copos encontramosE por vezes sorrimos ou choramosE por vezes por vezes ah por vezesnum segundo se evolam tantos anos
Obra Poética 1948-1988
David Mourão-Ferreira
Editorial Presença (1997)
terça-feira, 24 de fevereiro de 2009
Lagoa de Óbidos
As manilhas separaram-se e o seu conteúdo "mergulhou" na Lagoa. O acidente, dizem-me, aconteceu há quase 15 dias, mas a situação mantém-se.
(...)
Salta o esgoto,cai o muro,morre o porcono monturo;e no portoo sussurrodos naviosenche o escuro;ardem corpos,ardem blocos,cresce o rio;sobre os purose os impurostomba o frioprematurodo futuro;grasna o corvoque assistiua um outroterramoto.Terramoto,te esconjuro!
Obra Poética
David Mourão-Ferreira 1948-1988
Editorial Presença (1997)
domingo, 21 de dezembro de 2008
Palavras bonitas
Acenda-se de novo o Presépio no Mundo!Acenda-se Jesus nos olhos dos meninos!Como quem na corrida entrega o testemunho,passo agora o Natal para as mãos dos meus filhos.E a corrida que siga, o facho não se apague!Eu aperto no peito uma rosa de cinza.Dai-me o brando calor da vossa ingenuidade,para sentir no peito a rosa reflorida!Filhos, as vossas mãos! E a solidão estremece,como a casca do ovo ao latejar-lhe vida ...Mas a noite infinita enfrenta a vida breve:dentro de mim não sei qual é que se eterniza.Extinga-se o rumor, dissipem-se os fantasmas!Ó calor destas mãos nos meus dedos tão frios!Acende-se de novo o Presépio nas almas.Acende-se Jesus nos olhos dos meus filhos.
Obra Poética 1948-1988
David Mourão-FerreiraEditorial Presença (1997)
Terminando um ciclo de 32 anos sem interrupção, o Natal da Casa deslocaliza-se, sem qualquer outro motivo que não seja a passagem do testemunho, natural, de acordo com as leis inexoráveis do tempo.
Neste ano, festejaremos na casa do meu "grego", que regressa para uma visita "de médico".
BOM NATAL PARA TODOS.
segunda-feira, 18 de agosto de 2008
Palavras bonitas
NOCTURNO
O desenho redondo do teu seiotornava-te mais cálida, mais nua,quando eu pensava nele ... Imaginei-o,à beira-mar, de noite, havendo lua ...
Talvez a espuma, vindo, conseguisse
tornar-te o busto de uma renda levee a lua, ao ver-te nua, descobrisse,em ti, a branca irmã que nunca teve ...Pelo que no teu colo há de suspenso,te supunham as ondas uma delas ...Todo o teu corpo, iluminado, tenso,era um convite lúcido às estrelas ...Imaginei-te assim à beira-mar,só porque o nosso quarto era tão estreito ...- E, sonolento, deixo-me afogar
no desenho redondo do teu peito ...
Obra Poética (1948-1988)
David Mourão-Ferreira
Editorial Presença (1997)quinta-feira, 13 de dezembro de 2007
Natal

NATAL UP-TO-DATE
Em vez da consoada há um baile de máscarasNa filial do Banco erigiu-se um PresépioTodos estes pastores são jovens tecnocratasque usarão dominó já na próxima década
Chega o rei do petróleo a fingir de Rei MagoChega o rei do barulho e conserva-se mudoenquanto se não sabe ao certo o resultadodos que vêm sondar a reacção do público
Nas palhas do curral ocultam microfonesO lajedo em redor é de pedras da LuaRainhas de beleza hão-de vir de helicópteroe é provável até que se apresentem nuas
Eis que surge no céu a estrela prometidaMas é para apontar mais um supermercadoonde se vende pão já transformado em cinzapara que o ritual seja muito mais rápido
Assim a noite passa. E passa tão depressaque a meia-noite em vós nem se demora um poucoSó Jesus no entanto é que não compareceSó Jesus afinal não quer nada convosco
Obra Poética (1948-1988)
David Mourão-Ferreira
Editorial Presença (1997)
terça-feira, 13 de novembro de 2007
Palavras bonitas
TALVEZ
Talvez os galos rujam os leões cacarejemmas a nossos ouvidos nos pareça o contrárioTalvez leões e galos se riam em segredopor saberem que andamos desde sempre enganadosTalvez bebamos fogo quando ouvimos silêncioTalvez sejam serpentes o que chamamos águaTalvez o tempo tenha tanto a ver com o Tempocomo têm cem corvos a ver com uma cigarraOu talvez estes versos sejam só o enredode dez rios dois astros a névoa de uma casa
Obra poética (1948-1988)
David Mourão-Ferreira
Editorial Presença (1997)
quinta-feira, 12 de outubro de 2006
Palavras bonitas
Paraíso
Deixa ficar comigo a madrugada,
para que a luz do Sol me não constranja.
Numa taça de sombra estilhaçada,
deita sumo de lua e de laranja.
Arranja uma pianola, um disco, um posto,
onde eu ouça o estertor de uma gaivota ...
Crepite, em derredor, o mar de Agosto ...
E o outro cheiro, o teu, à minha volta!
Depois, podes partir. Só te aconselho
que acendas, para tudo ser perfeito,
à cabeceira a luz do teu joelho,
entre os lençóis o lume do teu peito ...
Podes partir. De nada mais preciso
para a minha ilusão do Paraíso.
David Mourão-Ferreira
Obra Poética
1988
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