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quinta-feira, 17 de julho de 2025

Barracas

Apetecia-me escrever sobre Gaza, Ucrânia, Síria, ou sobre o Bairro do Talude, em Loures. Falta-me em competência o que me sobra em rancor e correria o risco de ser mandado às urtigas por me meter onde não sou chamado, arrimado na minha condição de burguês bem instalado numa casa a sério.

Não resisto a uma pergunta elementar, que ainda não vi respondida, talvez por me faltar a pachorra necessária para escutar as explicações tipo "e, para cúmulo da chatice, tanto falou e nada disse". A pergunta é esta: há quanto tempo começaram a ser construídas as "casas" do Tapume? Talvez a resposta seja: no início da semana passada. Se assim foi, aquela gente merece ser contratada desde já para um lugar de responsabilidade nas grandes obras nacionais, dada a capacidade evidenciada para construir num instante.

Se assim não foi, surgem outras perguntas pertinentes: ninguém deu por aquilo antes? Foi decidido demolir agora, por se presumir que os habitantes estariam de férias no Algarve?

Não se brinque com coisas sérias! As (re)eleições não podem justificar tudo!

segunda-feira, 3 de junho de 2024

Visões

Estamos em Junho e cheira a Verão. O sol brilha, o vento está tranquilo, escondido e talvez a preparar-se para as habituais visitas em Julho e Agosto. Os dias são compridos, proporcionando mais luz à borla e sem necessidade de interruptor.

Vê-se tudo ... ou talvez não. 

Não se vislumbram sinais de paz na Ucrânia ou na Palestina, ouvem-se baboseiras, muitas, na campanha para as eleições europeias, que está na última semana. Todos têm soluções para tudo. Até eu!

E só pode ser verdade. O Face trouxe, o Insta mostrou, o X comentou. A difusão tornou-se "viral" e o contraditório fica, na maior parte das vezes, reduzido ao boçal insulto. Os jornais são cada vez menos lidos. As televisões deixaram de "fazer" notícias e passaram a comentar tudo e mais um par de botas.

Estou preocupado, mas deve ser da idade. Que outras razões haveria?

Lisboa e o resto do país têm cada vez mais hotéis, pensões, residenciais, alojamentos locais. Aumenta o número de pessoas que nos visitam, em qualquer época do ano. Os trabalhos mais duros são assegurados por pessoas vindas de todo o mundo, em busca do paraíso lusitano.

E eu, meio cegueta, vejo mais gente a dormir na rua. Será por prazer?

sábado, 30 de julho de 2022

Livros (lidos ou em vias disso)

(...) Os sítios onde os sem-abrigo tentam organizar-se e fazer os seus "cantinhos" pessoais estão sempre sujeitos a vandalismo e a que alguém roube tudo o que lá está. Roubar ... o termo não será bem este. Já diz o célebre chavão que achado não é roubado. As coisas simplesmente desaparecem. Por muito bem escondidas que estejam, em sítios cuidadosamente escolhidos, aquilo que nos pertence está na via pública.

Estes nossos "cantinhos" podem até ser removidos ou limpos. Podem ser considerados lixeiras pelas autoridades na matéria. E vamos queixar-nos de quê e a quem?

Depois, há a questão da privacidade. Ou da falta dela. Estamos permanentemente expostos aos olhos de toda a gente: quando dormimos, quando comemos, quando nos lavamos. Para os outros, talvez sejamos "poluição visual", expressão que ouvi da boca de alguém que me deu uma moeda. Bem, o que sei é que somos, de facto, diferentes. Na vida e na sociedade. Mas é precisamente nessa diferença que estamos presos. Porque somos pessoas sem casa.

Poluição visual! De facto, o sítio onde eu dormia era uma lixeira! Comecei a pensar que teria de descobrir um melhor. Não conseguia arranjar um colchão e conhecia muitos sem-abrigo que encontravam e escolhiam locais melhor para dormir. Já falara nisso ao Zé, mas ele gostava de estar ali. Dizia que não havia confusão. E não havia. Era uma espécie de abrigo só nosso. Podem não acreditar, mas não é fácil vivermos uns com os outros.

O mundo onde passei oito meses era uma autêntica selva. Era quase cada um por si. Por isso, normalmente, um sem-abrigo só tem um outro sem-abrigo por companhia regular. É uma questão de confiança. É um parceiro. Como disse um dia o Zé: "Para viver aqui, um não chega, três são demais."(...)

Crónicas publicadas inicialmente no jornal online Mensagem de Lisboa e agora reunidas em livro.

Diário de um sem-abrigo
Jorge Costa
Oficina do Livro (2022)

terça-feira, 4 de maio de 2021

"Gaibéus"

Para "alimentar" a hipocrisia e o desconhecimento do que se passa para as bandas de Odemira. 

Se procurarem (não é necessário lupa nem inquéritos), encontrarão mais "odemiras" por esse país fora.


segunda-feira, 3 de maio de 2021

"Ratinhos"

Com toda a gente perplexa, com investigações a arrancarem de imediato, requisição civil de habitações da zona e cerca sanitária em duas freguesias, a região de Odemira vive momentos difíceis, que geram pasmo e a admiração de muita gente, daqueles para quem Portugal é Lisboa e a capital, o Rossio.

As explorações agrícolas da zona são trabalhadas, nesta época do ano, por milhares de estrangeiros, na maior parte contratados por um "habilidoso" que os instala, lhes fornece comida e dormida e lhes paga uma "justa" remuneração. É um empresário de seres humanos, com três preocupações fundamentais: fornecer mão de obra às explorações agrícolas que dela necessitam, arranjar emprego para quem dele precisa, e conseguir um "lucrozito" para si próprio, o que ninguém pode levar a mal. Como os trabalhadores são muitos e não há casas nem hotéis para os alojar, o diligente empresário vira-se e lá arranja uns cómodos, "bons e baratos", que aquela malta não é muito exigente.

E, por estranho que possa parecer, a situação, repetida há vários anos, não era conhecida de ninguém e surpreendeu toda a gente. Até as autoridades, tão pressurosas a controlar trânsitos e confinamentos, desconheciam, pelos vistos, onde eram alojados (e em que condições) milhares de trabalhadores que por ali apareciam. 

Já percebi. O número de habitantes da zona é de tal modo elevado que mais dez ou quinze mil pessoas passam perfeitamente despercebidas a toda a gente.

quinta-feira, 8 de abril de 2021

Miséria

A morada era um carro, velho, coberto por uns panos grandes, seguros por elásticos, que se encontrava estacionado junto a um, também velho, pinheiro manso.

Vieram as obras de requalificação das ruas e aquela foi uma das contempladas, decerto por fazer parte do plano previsto, reforçado agora por ter passado a ser um dos principais acessos ao enorme restaurante Mcdonalds, que por ali se instalou recentemente.

Abandonou o poiso e acomodou-se a algumas centenas de metros, agora numa carrinha grande, mais nova e mais discreta. Mesmo assim,  havia um pano por cima para assegurar, julgo, algum conforto, e fazer de cortina ao "quarto", protegendo as intimidades. Aqui, ainda mantinha a vista para o restaurante e, de lá, também era visível.

Partiu de novo, obrigado ou convidado a sair. Não o descortinei durante alguns dias e pensei que alguém lhe tinha resolvido o problema e arranjado um espaço para habitar. Surgiu-me hoje, de novo, num outro local, sem vista para o restaurante mas com porta para a rua e para o trânsito.

A carrinha está bem estacionada, não podendo ser legalmente removida nem multada. O "inquilino" por lá vive, sem quaisquer condições de salubridade e higiene. 

Será teimosia do próprio ou toda a gente assobia para o lado, como eu?

sábado, 14 de novembro de 2020

Pedincha ou necessidade

Dou, não dou? O dilema surge sempre e nunca sei o que fazer. A negativa, agora, prevalece quase sempre, porque deixei de andar com dinheiro no bolso, notas ou moedas. Facilita a decisão, mas deixa-me sempre constrangido e com um peso, grande, de culpa. 

Nestes anos todos, a andar e a conhecer mais ou menos bem tantos sítios, encontrei muita gente com necessidade real e também deparei com alguns que o faziam por vício, fingindo maleitas ou defeitos que não tinham, para depois irem depositar uns cobres na sua conta mais ou menos recheada. 

A pergunta surge-me sempre: não há forma de eliminar esta praga? Não há vacina que ponha cobro a esta miséria? E aparecem sempre inúmeras respostas que nem vale a pena enumerar. A verdade é que se mantêm muitos seres humanos a estender a mão, sérios ou fingidos, pouco importa. 

Não quero acreditar que o melhor seja não olhar, não ver nem reparar porque, como diz o ditado, penas que não se vêem não se sentem.