sábado, 20 de dezembro de 2014

Natal

NATAL

Fiel das horas mortas
desta noite comprida,
pergunto a cada sombra recolhida
que sol figura o lume
que da lareira negra me sorri:
O do calor cristão?
O do calor pagão?
Ou a fogueira é só a combustão
da lenha que acendi?

Presépios, solstícios, divindades ...                                
A versátil natureza do homem, senhor de tudo!
Cria mitos,
Destrói mitos,
Nega os milagres que fez,
e depois, desesperado,
procura o mundo sagrado
nas cinzas da lucidez.

Miguel Torga
S. Martinho de Anta, 24/12/1972
Diário XI

BOAS FESTAS!


terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Música ... doce

O meu amigo ADS faz o favor de partilhar comigo as belezas que lhe chegam por via electrónica. 

Hoje presenteou-me com esta pérola, que alia duas coisas que adoro: a música e ... os doces.
São pouco mais de três minutos. Deliciem-se!

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Penamacor - Vila Madeiro


Os meus amigos lá me aturaram uma vez mais em Penamacor, aproveitando o fim de semana prolongado pelo dia santo que ainda se mantém. Muito frio, ao contrário da última vez, em que choveu a "potes". O Portugal profundo, com as tradições, a vida pacata, o sossego, a hospitalidade, a simpatia, o descanso.
A festa do Madeiro deslumbra sempre, pela quantidade de árvores que são arrancadas e transportadas para uma pilha junto à igreja, que se tornará em fogueira de Natal na noite de 23 para 24 de Dezembro. Dezassete tractores e camiões, carregados até mais não poderem, sobem a rua principal e aguardam a sua vez de descarga. Entretanto, o vinho, as filhós, a jeropiga, o queijo, os licores, a música, a alegria e a participação de gente de todas as idades, indescritível. 
E antes, os "borrachões" de S. Miguel de Acha, o queijo de Benquerença, a Sortelha, os Escalos, a Serra da Malcata, a Meimoa e o Meimão, a Idanha, Monsanto e a Espanha ali a dois passos, a feijoada e o caldo verde na Senhora do Incenso, os restos da Igreja Matriz, cujas pedras o padre vendeu há séculos, a paisagem do Castelo, as ruas íngremes, as gentes da Vila Madeiro, em festa feita, como é da tradição, pela "malta" que nasceu há vinte anos!
Na ida, o M.V., condutor distraído pela minha conversa, levava o pé pesado e encontrou um "amigo" de mota que o convidou a sair da auto estrada e a fazer uma pausa, para descanso, tudo isto por uns meros 120,00 Eur e os votos de Bom Natal. Malhas que os radares tecem!
Fica a recordação, que vai fazer companhia a uma outra, em Cerveira, com um vidro partido e um GPS a "escapar-se" do porta luvas e mais de três horas na GNR para fazer a participação.

domingo, 30 de novembro de 2014

Ranking das escolas

As avaliações valem o que valem, dentro da subjectividade que em si próprias encerram e dos parâmetros que lhes servem de base. Apesar disso, é sempre importante e gratificante ver reconhecido aquilo que nos é próximo e que sabemos ser bom.
O Expresso publicou esta semana o ranking das escolas do país e nele a Escola Secundária de Raul Proença é a PRIMEIRA escola pública do país (25ª na classificação geral). Foi a escola dos meus filhos, um deles estagiou e foi lá professor e o genro, que também lá estudou, faz hoje parte do seu corpo docente. O Colégio Rainha D. Leonor (privado) obteve um também brilhante 38º lugar e a "minha" Escola Secundária de Rafael Bordalo Pinheiro figura no lugar 148º. 
Para uma cidade pequena como a nossa, ter três estabelecimentos de ensino nos 150 primeiros, dois deles nos primeiros cinquenta e um em primeiro no respectivo sector é obra!
Esperemos que o trabalho do presente não se perca nos labirintos do futuro.

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Palavras bonitas

AVE DA ESPERANÇA 

 

Passo a noite a sonhar o amanhecer.
Sou a ave da esperança.
Pássaro triste que na luz do sol
aquece as alegrias do futuro,
o tempo que há-de vir sem este muro
de silêncio e negrura
a cercá-lo de medo e de espessura
maciça e tumular;
o tempo que há-de vir - esse desejo
com asas, primavera e liberdade;
tempo que ninguém há-de
corromper
com palavras de amor, que são a morte
antes de morrer. 

Penas do Purgatório
Miguel Torga
Gráfica de Coimbra (1976)

Torga publicou estes versos em 1954, desabafando o seu desejo de um tempo sem muros de silêncio e de negrura, com asas, luz e liberdade.

Numa altura em que tudo é posto em causa e se ouvem arautos clamando pelo regresso ao "ontem", é bom deixar claro que "uma andorinha não faz a primavera" e que a sociedade livre e justa passará, sempre, pelo castigo dos que prevaricam e pela absolvição dos inocentes, sem condenações prévias nem absolvições de casta, sejam ou tenham sido os indiciados banqueiros, primeiros-ministros, chefes da polícia, juristas, altos quadros ou simples cidadãos desconhecidos.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Quotidiano

O meu neto Gil está cada vez mais personalizado, criativo, afirmativo, meigo e a refinar um sentido de humor fascinante.
Tem um discurso fluente, sarcástico quando lhe parece adequado, simples ou mais elaborado, consoante a ocasião e a disposição.

- És o meu neto "mais grande".
- Ó avô, isso é que é português "bem dezido". Fico com a boca "abrida".

E lá foi para a ginástica, ao som de uma boa gargalhada conjunta.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Quotidiano e ... Palavras bonitas

Na última ida à piscina, numa pausa entre braçadas, diz uma:

- Vamos lá, há ir e voltar ...
- Há mar e mar, há ir e voltar, acrescenta outro.
- Sabe de quem é, pergunto eu.
- ???
- Alexandre O'Neill
- Não sabia. E olhe que até gosto, embora conheça pouco.
- Quinta-feira trago-lhe um livro, velhinho, que lá tenho e tem um nome engraçado: "Tomai lá do O'Neill!". Tenho mais dois ou três mas este é uma antologia, vai gostar, espero.

Fui à "secção" da poesia e lá estava ele, numa edição de 1986, do Círculo de Leitores.
Folheei e, antes de ele ir passear ... tomai lá, para aperitivo:

PELO ALTO ALENTEJO/2

Meto butes à inteira planura.
Esboroa-se a terra. Lá pra trás
sobraram o paleio e a literatura.
Aqui, na aparência, só a paz.

Mas que paz se desdobra a toda a anchura
do horizonte a que olhar se faz?
Esta página em branco (ou sem leitura)
não terá uma chave por detrás?

Eu sei ler a cidade, mas, aqui,
sou um dedo parado em letra morta.
Uma guerra haverá, com o alibi
da paisagem que a outras me transporta.

Hei-de voltar a ler e a presumir,
quando Alentejo se puser a rir ...

AUTO-RETRATO

O'Neill (Alexandre), moreno português,
cabelo asa de corvo; da angústia da cara,
nariguete que sobrepuja de través
a ferida desdenhosa e não cicatrizada.
Se a visagem de tal sujeito é o que vês
(omita-se o olho triste e a testa iluminada)
o retrato moral também tem os seus quês
(aqui uma pequena frase censurada ...)
No amor? No amor crê (ou não fosse ele O'Neill!)
e tem a veleidade de o saber fazer
(pois amor não há feito) das maneiras mil
que são a semovente estátua do prazer.
      Mas sofre de ternura, bebe de mais e ri-se
      do que neste soneto sobre si mesmo disse ...

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Palavras bonitas

LUTA

O que eu sonho!
A fé que ponho
na imaginação!
Digo à razão
que sim, que desvario
nesta humana aventura,
e ergo mais a lança em desafio
e desço mais o elmo da loucura.
Nada conquisto, porque são moinhos
os gigantes que encontro nos caminhos
das minhas digressões.
Mas combato,
combato
e desbarato
as próprias ilusões.
 
Diário XIII
Miguel Torga
Gráfica de Coimbra (1983)

domingo, 2 de novembro de 2014

Livros (lidos ou em vias disso)

A minha filha foi esta semana falar à escola dos meus netos sobre discriminação e teve uma grande receptividade da parte das crianças que a ouviram e que com ela partilharam os sentimentos e as experiências que, sobre o tema, já tinham tido ou sentido. Por mera coincidência, hoje li mais uma história dos habitantes do prédio que Lobo Antunes descreve no seu novo livro, esta a dos que moram  no rés do chão direito.

(...) 
    que curioso o tempo, volta e meia marcha ao contrário recuperando cenas perdidas, tardes na praia, uma girafa do carrossel que se escapou da feira, a prega de apreensão do meu pai enquanto afasta o jornal
     - O que vai ser de nós?
    as lojas dos judeus despejados, os colegas da escola sem falarem connosco, meninas que puxavam o cabelo à minha irmã, um rapaz que me bateu, o director
     - Não os tragam mais são judeus
     e a pena na cara dele, não o frenesim dos restantes, um aluno mais adiantado ameaçou-o com a régua
     - É amigo dos judeus?
     e o director sem o castigar, baralhando as mãos, mais alunos em torno
     a primeira bofetada, a primeira rasteira, o primeiro soco nas costas, uma súplica aflita
     - Perdão
     o casaco rasgado, o vizinho que nos visitava às vezes
     - Não me falem
   a vidraça da varanda quebrada, as floreiras do muro no chão, os pneus do nosso automóvel furados e o mecânico baixinho
     - Não me deixam vender-lhes
     e alto a seguir para um freguês que entrava
     - Não vendo a judeus
(...)
Caminho como uma casa em chamas
António Lobo Antunes
D. Quixote (2014)

sábado, 25 de outubro de 2014

Quotidiano

O primeiro caderno do Expresso de hoje foi lido junto ao mar, na Foz do Arelho, numa manhã com um sol a lembrar Julho e as férias, uma água com temperatura de Verão e uma calmaria que permitiu meia dúzia de mergulhos saborosos e revigorantes, com a sensação que Sophia tão bem descreve:

LIBERDADE

Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.

Sophia de Mello Breyner Andresen

domingo, 19 de outubro de 2014

O presente e o futuro

Afinal, o futuro é hoje e urgente.
"Quem sente não consente"
Apesar de nos quererem mentecaptos, de nos massacrarem com o défice, a dívida, a crise e mais alguns "palavrões" de um vocabulário cada vez mais redutor, ainda há quem pense, e diga, bem alto, o que lhe vai na alma e onde devemos colocar as fichas para que a aposta do futuro possa ser ganha.
Vale a pena ouvir, e registar, a lição de Sampaio da Nóvoa ...

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Escola Rafael Bordalo Pinheiro

Hoje, nas notícias sobre o "caso BES" foi mostrada, uma vez mais, a fachada da sede do Banco em Lisboa, na Avenida da Liberdade.
Hoje passam 50 anos da abertura da "minha" Escola Rafael Bordalo Pinheiro e a associação de ideias que os "velhos" tanto gostam de ter trouxe-me à memória que, em 1965 ou 1966 (já não consigo precisar) estive naquele edifício, sede do então Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, integrado numa visita de estudo organizada pela Escola e que nos levou também ao Instituto Nacional de Estatística e à Casa da Moeda. Um dos professores era Jorge Amaro, que nos extasiou com as "modernices" do BESCL e nos explicou como funcionavam os cartões perfurados do computador do INE, que ocupava toda a cave e onde trabalhava um antigo aluno da Escola - o Queirós. Na Casa da Moeda, apenas vimos como eram cunhados os dez tostões, os vinte cinco tostões e os cinco paus.
Mal sabia eu, naquela altura, que um dia haveria de ser bancário (que nunca mais se reforma) e que o BES dava o "estoiro" que deu.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Palavras simples

Acabei de ler Alabardas, o único romance que, se não houver "arca", Saramago iniciou e não teve tempo de terminar. Vem acompanhado de alguns apontamentos dos Cadernos e de dois textos da autoria de Fernando Gómez Aguilera e Roberto Saviano, para além de ilustrações de Gunter Grass.
Descontando a clara estratégia comercial da nova editora da obra do Prémio Nobel, é sempre saboroso mesmo sabendo a pouco, ler Saramago "novo".
Como ele dizia e Saviano relembra no texto "É o que as palavras simples têm de simpático, não sabem enganar".
Uma pequena amostra, com o respeito integral da grafia publicada:
"(...) Estou a ouvir, Li em tempos, não recordo onde nem exactamente quando, que um caso idêntico sucedeu na mesma guerra de espanha, um obus que não explodiu tinha dentro um papel escrito em português que dizia Esta bomba não rebentará, Isso deve ter sido obra do pessoal da fábrica de braço de prata, eram todos mais ou menos comunistas, Nessa altura parece que havia poucos comunistas, E algum que não o fosse, seria anarquista, Também pode ter sido gente da tua fábrica, Não temos cá disso, Braço de prata ou braço de ouro, o gesto é idêntico, com a diferença importante de que neste caso ninguém terá sido fuzilado, ao menos que se tivesse sabido, Ao contrário do que pareces pensar, não reclamo fuzilamento para os culpados de crimes como esse, mas apelo para o sentido de responsabilidade das pessoas que trabalham nas fábricas de armas, aqui ou em qualquer outro lugar, disse artur paz semedo, Sim, o mesmo tipo de responsabilidade que fez com que nunca tivesse havido uma greve nessas fábricas,(...)
José Saramago
Alabardas
Porto Editora  2014

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Quotidiano

Mudanças profissionais em perspectiva: para melhor, para pior, para tudo ficar na mesma?
Veremos!
Parafraseando o CEO do meu Banco:
- Não me peçam para ser adivinho nem perguntem o que vai acontecer no futuro. Nas condições actuais, três meses já é médio prazo.

Vai "melhorá", só pode, diz o povão brasileiro, com a visão optimista da vida, que eu corroboro.
Amanhã é outro dia, positivo pela certa.
Hoje foi o Dia Mundial da Música e o Dia Internacional do Idoso.
Coincidências ...

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Pois é, nem mais, se fosse só isso

Ler a Visão é um ritual das quintas-feiras, com o prazer acrescido na semana da crónica de António Lobo Antunes, que nela escreve (apenas) quinzenalmente. É pena, porque as suas crónicas são sempre uma delícia pelo tema, pela forma, pela beleza da escrita. 

"Pois é!"
(...) e porque me horroriza a ideia de gramar audiências semanais com o Presidente da República, que também só diz
          - Pois é
mas de maneiras compridíssimas, que é para isso que lhes pagam. Aliás pode lidar-se com as pessoas só com estas três frases e garanto, a quem as usar, um futuro de perpétua paz e permanente concórdia. Tive um tio que levou uma vida difícil por desconhecimento destes princípios simples. O que lhe saía da boca, em vez de 
          - Pois é
          - Nem mais
e
          - Se fosse só isso
era um fatal
          - O problema não é bem esse
que é a expressão ideal para uma existência atormentada.
          - O problema não é bem esse
até é capaz de ser verdade, mas os humanos, que detestam a verdade, preferem o que consideram ter razão, que é uma coisa que não existe porque ninguém tem razão e, aqui entre nós, o que custa dar-lhes essa prenda inestimável e útil? A mim não me custa nada, ter razão não me interessa um pito, quero lá saber da razão. No fundo gosto muito mais de não ter razão nenhuma, adoro enganar-me, estar errado, passar ao lado das coisas, porque, no fundo, ter ou não ter razão que importância tem?(...?

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Palavras bonitas

20-1-1933

Olhando o mar, sonho sem ter de quê.
Nada no mar, salvo o ser mar, se vê.
Mas de se nada ver quando a alma sonha!
De que me servem a verdade e a fé?

Ver claro! Quantos, que fatais erramos,
Em ruas ou em estradas ou sob ramos,
Temos esta certeza e sempre e em tudo
Sonhamos e sonhamos e sonhamos.

As árvores longínquas da floresta
Parecem, por longínquas, 'star em festa.
Quanto acontece porque se não vê!
Mas do que há ou não há o mesmo resta.
(...)
Fernando Pessoa
Novas Poesias Inéditas
Edições Ática - 1973

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Palavras ... sábias

(...)
- Quando a juventude sai de ti, tu sais dela. Quero dizer, sais da vida. Até esse momento, limitas-te a viver, depois disso, ficas consciente do que é viver e viver torna-se um processo consciente. Tal como o acto de pensar também se torna consciente com o tempo, sabes. Tornas-te consciente do que pensas, e depois começas a pensar em palavras. É assim que te apercebes, não tens pensamento nenhum na cabeça, só tens palavras. Mas quando és jovem, limitas-te a ser. Depois chegas a uma fase onde fazes. Depois a uma fase onde pensas e, por fim, onde te lembras. Ou tentas fazê-lo. (...)
William Faulkner
Mosquitos

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Férias (final)

Acabaram!

Depois do fim de semana, prolongado, que já está em curso, eis-me de volta às madrugadas, às gravatas, à estrada e ... estamos quase no fim de mais um ano!

Foram muitos banhos, muitos livros, muita música, encontros de amigos, conversa em dia e ... os netos.

Um quer a mão para o levar aos carrinhos, que adora, outro já joga matraquilhos e quer experimentar o sabor da vitória sobre o avô e o do meio, observador, a constatar:

- Tens a ba'iga gande! Pa'ece bébé!

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Férias

Há alguns anos passei oito dias de férias num "resort" da República Dominicana, com praia de águas calmas e tépidas, piscina com bar aberto, comida e bebida "à grande e à francesa". Não fiquei cliente e não conto voltar a repetir. Num dos dias resolvi passear pela orla da praia e, percorridos cerca de 200 metros, fui abordado por um soldado, de metralhadora em punho, que me advertiu não poder garantir a minha segurança a partir daquele ponto. Agradeci, voltei ao ponto de partida, e não voltei a infringir as regras.
Hoje, contrariando o hábito e o gosto, voltei à Foz no final da tarde. A maré estava vazia, o mar continuava óptimo, a bandeira mantinha-se "sportinguista", o tempo convidava a mais um mergulho e a um bom passeio até às rochas.
A meio caminho da passeata, fui interpelado não por um soldado de metralhadora aperrada mas por um jovem de walkie-talkie na mão que, com toda a delicadeza, me pediu que não avançasse mais, por estarem a decorrer as gravações da telenovela "Água de Mar". Ainda argumentei que estava na "minha" praia (pública), que não me parecia justo, que não queria fazer parte do elenco nem aparecer na televisão, que iria pelo mar sem interferir nas gravações mas ... voltei para trás.
Tomei mais um grande banho em mar aberto e às rochas, talvez amanhã, se não houver gravações!

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Memórias

“podia ser só uma Avó... mas ela era (é) o cheiro do sabão azul e branco, a água que escorria dos tanques públicos para a calha, os carreiros de formigas, os lagartos saídos da seringa de madeira para a mesa, o cheiro das couves cozidas misturadas com as sêmeas, as flores violeta rebentadas se lhes tapássemos os topos, o andar em bicos de pés para chegar aos ovos, o som do motor do poço, as molas encaixadas como comboios no terraço, a cafeteira deformada usada como regador, os pegamassos, o açafate com uma bola de madeira e mil botões, o pente molhado no lavatório antes de alisar o cabelo, os bifes fritos em lume lento, as mãos calejadas, o cheiro das cascas das sementes dos pássaros sopradas para fora dos comedouros, as urtigas arrancadas à mão... podia ser só uma Avó e já era muito, mas foi (é) grande parte das memórias impregnadas na matriz quase por estrear que era o meu cérebro infantil e, por isso, mais marcantes e intensas... e a prova de que não é o dinheiro, nem a instrução, nem a quantidade de brinquedos, que garantem uma infância feliz. os afectos (ou a falta deles) é que condicionam tudo o resto daí para a frente...”

A minha filha vai perdoar-me a apropriação e divulgação do texto que escreveu e publicou no seu blogue, partindo do filme que André Raposo realizou, tendo por base uma crónica de José Saramago.
O retrato é perfeito, as palavras certas, a descrição genial.
Nos arquivos da minha memória está cada vez mais presente, com mais pormenor, a personalidade, a calma, o carinho, os ensinamentos que cada vez valorizo mais.
O tempo é outro e mais urgente. 
Os meus netos nunca dirão de mim nada parecido com o que a minha filha hoje me ofereceu sobre a minha mãe.
E as lágrimas não param ...

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Sophia - Poesia e Sabedoria

No dia em que passam dez anos da sua partida, os restos mortais da ENORME poeta Sophia de Mello Breyner Andresen foram trasladados para o Panteão Nacional.
Os seus versos serão eternos, permanecerão connosco para sempre e, espera-se e deseja-se, estarão cada vez mais em todas as nossas escolas, como muito bem pediram os seus filhos.

MAR SONORO

Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim,
A tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho,
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só para mim.

AS ROSAS

Quando à noite desfolho e trinco as rosas
É como se prendesse entre os meus dentes
Todo o luar das noites transparentes,
Todo o fulgor das tardes luminosas,
O vento bailador das Primaveras,
A doçura amarga dos poentes,
E a exaltação de todas as esperas.

*************************************
É por ti que se enfeita e se consome,
Desgrenhada e florida, a Primavera.
É por ti que a noite chama e espera.

És tu quem anuncia o poente das estradas.
E o vento torcendo as árvores desfolhadas
Canta e grita que tu vais chegar.
*************************************

LUA

Entre a terra e os astros, flor intensa,
Nascida do silêncio, a lua cheia
Dá vertigens ao mar e azula a areia,
E a terra segue-a em êxtases suspensa.

PORQUE

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não. 

POEMA

Cantaremos o desencontro:
O limiar e o linear perdidos

Cantaremos o desencontro:
A vida errada num país errado
Novos ratos mostram a avidez antiga.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Obra Poética

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Palavras bonitas

Regresso inúmeras vezes a Torga, cuja escrita me fascina e transmite estados, ideias, vertigens, retratos, um sem número de sensações que não consigo explicar.

O Público tem vindo a facultar, semanalmente, reproduções de livros proibidos por quem nos quis (e conseguiu) manter inaptos, incultos, subjugados, atentos, veneradores e servis. Esta semana chegou o Diário VIII, publicado em Janeiro de 1960 e que os algozes decidiram proibir, apesar dos inúmeros protestos quer por cá quer no estrangeiro.

Após a retirada do plástico de protecção e antes de o arrumar junto ao seu companheiro original mas bem mais novo ( tenho a 3ª. edição, de 1976), folheei e reli na diagonal:

TATUAGEM

Um verso apenas, mas que fique impresso
Na morena epiderme
Do teu corpo maciço;
Um verso agradecido
à universal beleza
Do teu rosto redondo,
Infatigavelmente variado;
Um verso branco e puro
De rendido louvor
À serena ironia
Com que deixas brincar no teu regaço
A inquietação,
E devolves o eco
De cada grito
À boca enfurecida,
- Terra, pátria da vida!
Eva que o sol fecunda do infinito!

S. Martinho de Anta, 29 de Outubro de 1955 - O solar da família, térreo, de telha vã, encimado pelo seu brasão de armas esquartelado, com enxadões em todos os campos ... Foi desta realidade que parti, e é a esta realidade que regresso sempre, por mais voltas que dê nos caminhos da vida. É uma certeza de marco com testemunhas, que nunca me deixa desorientado quando quero avivar as estrelas da alma. Basta escavar um pouco a crosta da aparência, e aí estou eu na matriz, confrontado.
Há tempos, em Lovios, no Gerês espanhol, depois de conversar com vários habitantes da povoação, interessei-me por um tumor a despontar no pescoço de uma velhota.
- É doutor ... - informou o meu companheiro.
- Que doutor! Ele é como nós! ...
E sou. Tudo, menos trânsfuga da minha classe. Nasci povo, povo continuo, e povo quero morrer. (...)

Diário VIII
Miguel Torga
Gráfica de Coimbra

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Refugiados

A Gazeta das Caldas publica hoje a notícia da existência, no Museu Nacional do Holocausto nos Estados Unidos, de um pequeno filme das Caldas, que se presume ter sido feito por refugiados judeus, que passaram pela cidade (alguns ficaram por cá) em fuga do regime nazi.
Coincidência ou não, passam hoje 70 anos do desembarque da Normandia, que abriu as portas à vitória dos Aliados na Segunda Grande Guerra e à derrota do terror nazi, esperemos que para sempre.
Sem qualidade cinematográfica mas de uma enorme qualidade histórica e de  memória, vale a pena ver aqui:

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Quotidiano

Ainda não são oito da manhã. O comboio está parado na estação e aguarda que se esgotem os cerca de dois minutos assinalados no painel luminoso como tempo em falta para a partida.
É início de linha, as portas estão abertas e as pessoas vão chegando sem a correria que acontece nas estações intermédias.
Leio um livro, como quase sempre. Duas ou três páginas libertam e tranquilizam. Ao lado, o ruído de uma conversa entre duas senhoras, uma quase a roçar a minha geração, a outra ainda jovem e bem jovial. São colegas de trabalho, percebo, e falam de uma terceira, temporária, que foi dispensada e teve de regressar a casa dos pais, acompanhada do marido e do filho. Nestes tempos, o tema é um não assunto, tão vulgar se tornou.
Pelo canto do olho, apercebo-me que o homem tropeça ao entrar no Metro. A pasta mantém-se segura numa das mãos, mas o telemóvel "voou". A mensagem não chegou ao fim e o aparelho despenhou-se naquele desfiladeiro que fica entre o cais e o comboio. Grande pontaria!
A atrapalhação era evidente e as faces ruboresceram. Que fazer?
De súbito, ouve-se a voz, colocada, da mulher mais velha:
- Vá lá acima e diga ao meu colega o que lhe aconteceu.
- ???
- Vá depressa, para ele ter tempo de, enquanto não chegar o próximo comboio, desligar a corrente, descer à linha e apanhar o telemóvel. Não tenha medo: o comboio não lhe toca. Despache-se!
Nem agradeceu. Correu para as escadas e, com a velocidade de quem faz os 100 metros da sua vida, partiu em busca do auxílio. A velocidade que imprimiu deve ter feito o coração quase saltar do peito.
A funcionária do Metro esclareceu os passageiros:
- O telemóvel está lá em baixo, mas o comboio não o pisa.
Os dois minutos tinham passado e o Metro partiu.
E o telemóvel, teria ficado inteiro, como a senhora assegurou?

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Salazar

Na minha juventude, ouvi inúmeras anedotas sobre Salazar, Tomás, Caetano, Tenreiro, Cerejeira e outras figuras gradas do regime que nos ridicularizava, as quais, muito à socapa, alguns iam fazendo correr de boca em boca, como a "vingança" possível.
Dos fatos sem bolsos do Salazar, que não precisaria deles por passar a vida a meter as mãos no bolso de todos, ao Tomás a mandar procurar envelopes redondos para enviar as circulares, havia para todos os gostos.
Porém, nunca tinha ouvido a que J. Rentes de Carvalho transcreve no seu livro A Flor e a Foice, cuja leitura está quase concluída. 
Não resisto a deixá-la por aqui, com a devida vénia à inteligência, sagacidade e malícia do anónimo autor.
"Uma noite jantava Salazar em casa do general Carmona, então presidente da República, e à mesa reinava um silêncio profundo. 
Um dos netos do general, ainda criança, voltando-se para Salazar quis saber:
- Senhor presidente, o que é o Governo?
Não tendo recebido resposta, na sua inocência, fez mais uma pergunta:
- E o que é a ditadura?
Salazar retorquiu irritado:
- O menino faça como o avozinho, coma e cale-se."

domingo, 11 de maio de 2014

Memoráveis

UM DIA

Um dia, os rapazes serão louvados.
Hão-de passar entre multidões floridas.
Levarão riso na boca e os braços levantados.

Um dia, os rapazes hão-de ser punidos.
Pelos males que hão-de vir dos quatro pontos cardeais.
Terão latrinas derramadas nos portais.

Um dia esses heróis serão esquecidos.
Os seus nomes alinhados entre conchas e espinhas.
Hão-de constar de uns livros nunca lidos.

Mas um dia, este dia, será o dia do idílio.
Os rapazes ainda não desistiram de soltar os braços dos escravos.
E os escravos ainda não renegaram a cor dos cravos.
Ainda estamos no princípio desse dia.

Francisco Pontais - Poeta

Lídia Jorge
Os Memoráveis

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Palavras bonitas ... para a minha mãe

LUGAR DO SOL

Há um lugar na mesa onde a luz
abdicou do seu ofício.
Já foi do sol
e do trigo esse lugar - agora
por mais que escutes, não voltarás
a ouvir a voz de quem,
há muitos anos, era a delicadeza
da terra a falar: "Não sujes
a toalha"; "Não comes a maçã?"
Também já não há quem se debruce
na janela para sentir
o corpo atravessado pela manhã.
Talvez só um ou outro verso
consiga juntar no seu ritmo
luz, voz, maçã.

Eugénio de Andrade
Ofício de Paciência

A minha mãe faria hoje 91 anos, mas "a luz abdicou do seu ofício".

quarta-feira, 30 de abril de 2014

Natureza

"Na Natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma."
Lavoisier (1743-1794)

sexta-feira, 25 de abril de 2014

25 de Abril

As minhas amigas Liberdade e Democracia festejam o seu aniversário no mesmo dia que eu, com vinte e dois anos de diferença, tempo que me desfavorece em termos matemáticos.

Hoje procurei-as para um balanço destes 40 anos que partilhamos, tentando, nessa visita, perceber se os três mantínhamos a mesma vitalidade para transformar, alterar, progredir, inovar, melhorar, consolidar e, supremo, tentar sempre que todos possam viver melhor amanhã do que viveram hoje. Não as senti animadas.

A Liberdade sente-se atropelada, vilipendiada, enxovalhada e faz um esforço grande para subsistir. Diz que não a deixam dar igualdade de oportunidades a todos e que, sem isso, a sua função não existe. A preocupação quanto ao futuro mina-lhe a saúde, cria-lhe ansiedade, tira-lhe o sono. Tem receio de ser de novo engavetada no quarto do obscurantismo que tão bem conhece e do qual não tem quaisquer saudades. Sente-se triste por ser só de alguns e que esses alguns procurem, a todo o custo, que ela ignore os muitos que lhe deram vida há quarenta anos.

A Democracia lastima-se também.

- Ainda só tenho 40 anos e já me querem colocar na redoma, controlar-me, deixar-me aparecer de quando em vez, apenas para legitimar quem fica a mandar e, depois, não se preocuparem mais comigo. Confesso que, há 40 anos, estava longe de imaginar que iria ser assim.

Não alimentei mais conversa. Seria contribuir para que as minhas amigas se deprimissem ainda mais porque, também eu, estou farto de ouvir falar de mercados, juros, dívida, défice, sacrifícios, imposições, troika, austeridade, cortes, reduções e outros palavrões.

"Eu sou parvo ou quê?", como dizia Zé Mário Branco.

Falam de cátedra, pregam sermões, dizem como foi, como é e como vai ser, e eu ... sou limitado, mentecapto, inútil, estúpido, ignorante, débil, incapaz de fazer o que quer que seja sem a sua (deles) sapiência, que determina, manda, ordena, sem apelo nem agravo.

Fiz 22 anos em 25/04/1974 e até chegar esse dia já tinha comido muito pão que "o diabo amassou".

Sobra-me, ainda, vontade para mudar, mas falta-me paciência para os aturar!

EU SOU PORTUGUÊS AQUI
Eu sou português
aqui
em terra e fome talhado
feito de barro e carvão
rasgado pelo vento norte
amante certo da morte
no silêncio da agressão.

Eu sou português 
aqui
mas nascido deste lado
do lado de cá da vida
do lado do sofrimento
da miséria repetida
do pé descalço
do vento.

Nasci
deste lado da cidade
nesta margem 
no meio da tempestade
durante o reino do medo.
Sempre a apostar na viagem
quando os frutos amargavam
e o luar sabia a azedo.

Eu sou português
aqui
no teatro mentiroso
mas afinal verdadeiro
na finta fácil
no gozo
no sorriso doloroso
no gingar dum marinheiro.

Nasci
deste lado da ternura
do coração esfarrapado
eu sou filho da aventura
da anedota
do caso
campeão do improviso,
trago as mãos sujas do sangue
que empapa a terra que piso.

Eu sou português 
aqui
na brilhantina em que embrulho,
do alto da minha esquina
a conversa e a borrasca
eu sou filho do sarilho
do gesto desmesurado
nos cordéis do desenrasca.

Nasci
aqui
no mês de Abril
quando esqueci toda a saudade
e comecei a inventar
em cada gesto
a liberdade.

Nasci
aqui
ao pé do mar
duma garganta magoada no cantar.
Eu sou a festa
inacabada
quase ausente
eu sou a briga
a luta antiga
renovada
ainda urgente.

Eu sou português
aqui
o português sem mestre
mas com jeito.
Eu sou português
aqui
e trago o mês de Abril
a voar
dentro do peito

José Fanha

terça-feira, 22 de abril de 2014

Emprego

Foi realizado em 2008, mas só recentemente mão amiga mo fez chegar.
Ainda assim, vale a pena utilizar cerca de 6 minutos do tempo que é precioso para todos e apreciar a mensagem para o futuro.

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Gabriel García Márquez

Desapareceu ontem, aos 87 anos, um grande vulto da literatura mundial.
Gabriel García Márquez ou Gabo, como era tratado pelos íntimos, escritor colombiano galardoado com o Nobel da Literatura em 1982, deixa-nos uma obra genial, que continuará a despertar em muitos o gosto pela leitura e noutros o prazer de a ela sempre voltar.
"(...) 
- Dormi muito - bocejou o senhor Herbert.
- Séculos - disse o velho Jacob.
- Estou morto de fome.
- Toda a gente está assim - disse o velho Jacob. - Não tem outro remédio senão ir à praia desenterrar caranguejos.
Tobías encontrou-o a escavar na areia, com a boca cheia de espuma, e espantou-se de que os ricos com fome se parecessem tanto com os pobres. O senhor Herbert não encontrou caranguejos suficientes. Ao entardecer, convidou Tobías a procurar algo de comer no fundo do mar.
- Oiça - preveniu-o Tobías. - Só os mortos sabem o que há lá dentro.
- Também os cientistas o sabem - disse o senhor Herbert. - Mais abaixo do mar dos naufrágios há tartarugas de carne requintada. Dispa-se e vamos.
Foram. Nadaram primeiro em linha recta e depois para baixo, muito fundo, até onde se acabou a luz do Sol, e depois a do mar, e as coisas eram só visíveis pela sua própria luz. (...)"

Gabriel García Márquez
O mar do tempo perdido

terça-feira, 8 de abril de 2014

A gravata

Permitam-me que me apresente: sou jovem,bonita, vaidosa, convencida, tenho cerca de um metro de comprimento, mais larga na base do que no início, e ando na rua, como muita boa gente, sempre com um nó.
Vivo numa "assoalhada", um espaço preenchido com dezenas como eu mas, indiscutivelmente, sou a mais bonita de todas. Sou vermelha, não o vermelho benfica nem o vermelhão da moda, mas um vermelho belo, salpicado de pintinhas cor de cinza, na parte mais larga de mim. Sem falsas modéstias, tenho muito orgulho na minha beleza e sei bem o que isso contribui para o meu sucesso e o de quem me usa.
Ontem ouvi uma conversa cá em casa - não que eu seja coscuvilheira, mas calhou, e não rejeitei a oportunidade - e convenci-me logo que, no dia seguinte, iria haver passeio, andar na rua, ver pessoas, ouvir vozes, sentir o calor do sol este ano ainda tão arredio ou apanhar chuva (ouvi a conversa mas não escutei as previsões metereológicas), em suma, sair e contribuir com os meus préstimos para mais um dia de progresso do país de onde sou natural, onde cresci e onde vivo. Imaginei logo que iria entregar-me a uma camisa de um esplendoroso branco e que o fato seria o antracite das grandes ocasiões.
Desilusão!
De manhã, o meu dono não me pegou para fazer o nó e percebi que, afinal, ele iria com uma camisita vulgar, de colarinho aberto, sem qualquer nível no atavio.
No regresso, o semblante vinha carregado e a voz não trazia a doçura do costume. 
-  Esperei uma eternidade, ouvi coisas incríveis, respostas que não lembram ao diabo, gente tratada "à pedrada", fui mal atendido mas, quase por favor, lá me resolveram o problema, recebendo o que eu queria pagar.
Bem feito, disse para comigo. Se me tivesses levado, eras tratado com todo o requinte, porque eu assim o determino e, no fim, terias direito a uma vénia, um grande agradecimento e um "foi um prazer", porque o "hábito faz o monge" e a indumentária deve ser a padronizada para se ser tratado como gente.
Com gravata, naturalmente...  

sexta-feira, 28 de março de 2014

Palavras bonitas

Uma consulta ao Youtube por força de um mail enviado e eis que surge Bethânia a dizer o Cântico Negro, de José Régio, sublime como sempre, na divulgação da poesia e dos poetas de língua portuguesa.


E já agora, o mesmo poema (aqui completo) com a força da voz de João Villaret.