sexta-feira, 30 de junho de 2023

Exemplos

O futebol jovem tem momentos altos nos últimos dias desta semana, com a realização, nesta cidade ventosa e alheia ao calor que se faz sentir no resto do país, de mais um torneio Footmania

O torneio envolve centenas de jovens atletas, integrados em equipas de todo o país e algumas do estrangeiro. A alegria dos miúdos é patente e a vontade de jogar, manifesta. Há convívio, competição, disputa, jogo e, no final, quem ganhe e quem perca, como sempre. A organização divulga valores importantes que presidem à realização, como promover o fair-play, defender a alimentação equilibrada e saudável, educar para a responsabilidade ecológica, proporcionar a partilha intelectual. E, percebe-se, tenta pôr isto em prática.

São quase nove e meia da manhã. O jogo vai começar daqui a pouco tempo. Os atletas fizeram o aquecimento, recolheram aos balneários para os últimos ajustamentos, os árbitros já aguardam no centro do campo e ei-los que surgem, cheios de genica e vontade de mostrarem as qualidades treinadas durante a semana, às vezes em condições bem adversas.

Um grupo de adultos, ruidoso, acampa na bancada. Vêm munidos de tambor, bandeiras, buzinas, camisolas do clube, para que não fiquem dúvidas sobre quem apoiam. Transportam duas geleiras que os mais incautos julgarão tratar-se de alimentação equilibrada para as refeições do dia.

O jogo começa ou, na leitura daquela gente, vai iniciar-se o combate. Os paizinhos e mãezinhas dos Ronaldos em potência começam o seu ruidoso apoio de claque mal educada, mas cheia de sabedoria dos segredos técnicos do jogo. Se os miúdos cumprirem as orientações dos infalíveis treinadores de bancada, a vitória não lhes escapa. E gritam muito, muito, com o vernáculo que, deverão pensar, não é conhecido nesta cidade de bonecos. 

Gritar, toda a gente sabe, dá cabo da garganta. À falta de chá de perpétuas roxas, nada melhor que uma cervejita fresquinha, saída da geleira que bem cumpriu a sua função. Pelo meio, uma cigarrada com a beata bem pisada na bancada, reiterando a responsabilidade ecológica. E mais uma bejeca e outro cigarro, que ainda falta muito para o intervalo. E outra ainda!

Não se correm riscos de falta de mercadoria: a geleira vem bem aprovisionada e o maço também ainda deve ter muitos cigarros. Com estes exemplos dos papás, os jovens atletas irão longe ...

segunda-feira, 26 de junho de 2023

domingo, 25 de junho de 2023

Montras

Passado o Santo António e o São João, confirmada a implosão do Titan, desaparecidas no Mediterrâneo mais umas centenas de pessoas, anónimas, que, em lugar de ficarem sossegadas na pacatez das suas terrinhas, têm o dislate de arriscarem tudo em busca de uma vida um pouco melhor, pagando a alguns algozes que deles se aproveitam, surgiu a bronca na guerra da Ucrânia.

E tudo parou! O mercenário, amigo do peito de Putin, comandante de um exército paralelo com larga experiência em vários países do mundo, revoltou-se contra quem lhe pagava ou lhe tinha deixado de pagar. Desencadeou uma marcha de tanques em direcção a Moscovo e trouxe aos olhos do mundo uma tempestade medonha. Foi um susto. As televisões alteraram programação e convocaram comentadores, os jornais publicaram parangonas e interrogaram-se, preocupados, sobre o amanhã.

Ainda não tinham decorrido vinte e quatro horas e já um "boneco" aliado de Putin chegava a acordo com o insurrecto e garantia-lhe asilo na Bielorússia, talvez arranjando-lhe um T0 com renda económica, para que possa ter uma vida digna, sem sobressaltos de maior e sem ter de ir dormir para debaixo da ponte.

A guerra, afinal, não parou, nem se vislumbram jeitos disso. A produção de munições e armamento garantirá a riqueza de alguns e a desgraça da grande maioria.

Entretanto, em Portugal, há gente muito preocupada com os males que pairam no mundo e tenta arranjar forma de os solucionar. Para isso, trata de trazer, para gozarem o nosso sol, jovens candidatos a futebolistas fora de série, apanhadores de bivalves que irão obter certificados profissionais para lhe abrirem os rios de todo o mundo, trabalhadores rurais que, vivendo em condições miseráveis, garantirão o seu futuro como agrónomos e encherão os bolsos de chulos e senhorios sem escrúpulos.

Como dizia a Professora Deolinda: "ora valha-lhes um burro aos coices e três aos pontapés".  

sábado, 24 de junho de 2023

Capicua especial

Hoje é um dia especial para o avô babado que assumo ser, ainda que tente mascarar a evidência.

O meu neto Duarte - terceiro na hierarquia das idades - completa hoje a sua primeira capicua nos anos de vida, que se esperam sejam muitos e bons. É, naturalmente, um motivo de grande felicidade para todos os que gravitam na sua órbita e o adoram.

Ponderado, prático e assertivo, respondeu de pronto ao elogio fácil de já ser um homem com 11 anos.

- Não, avô. Onze anos só vou fazer às nove e um quarto da noite!

sexta-feira, 23 de junho de 2023

Preocupação

A gaivota, com preocupações ambientais, tenta recarregar as suas baterias, recorrendo à energia solar, que não polui nem aumenta o dióxido de carbono. 

quinta-feira, 22 de junho de 2023

Tarefas

O tempo, em férias, é sempre escasso. Por mais que se queira folgar, há sempre coisas importantes para fazer, tarefas imprescindíveis, ainda que o dia seja planeado com eficiência e esse planeamento tenha sido, em teoria, mais que perfeito.

No final do dia, como sempre, constata-se o incumprimento, inventam-se as razões, atribuem-se as culpas. Na ponta da língua, a solução miraculosa:

- Paciência, fica para amanhã. Ainda há tempo...

O amanhã ficará, de novo, incompleto. O Variações tinha razão quando cantava que "amanhã, voltas sempre a adiar". Se não foi feito hoje, o mais provável é que, amanhã, surjam novas ideias, melhores desafios, tarefas mais atraentes.

O que custa mais nesta constatação é verificar que já meia dúzia de anos ininterruptos em situação "ferial", não tenha proporcionado o "saber da experiência feito" que permitisse fazer tudo e mais um par de botas sem dificuldades.

Não acontece assim e o lazer está sempre incompatibilizado com o planeamento. 

quarta-feira, 21 de junho de 2023

Surpresa

O mundo é pequeno...

A mais de trezentos quilómetros de casa, numa pequena volta por uma cidade bem movimentada, a última coisa que se espera aconteça é encontrar alguém conhecido. 

Mas aconteceu! E a pessoa encontrada não era apenas conhecida, era familiar. Passeava com uma amiga, fazendo tempo e esperando pelo marido. 

- Conheci-vos logo, mas nem queria acreditar. 

A conversa fluiu é, vejam só, até de doenças se falou. 

Coisa estranha...

segunda-feira, 19 de junho de 2023

Livros (lidos ou em vias disso)

 "(...) Descendo a Avenida Infante Santo, recuei ao dia da segunda TAC, ao ponto da estrada em que disse, com desassombro, que não ia durar muito. O movimento era então ascendente. Agora, a minha voz, a minha casa, a minha energia eram de verão. Já se via o rio ao fundo quando contraste um dia com o outro.

Almoço na esplanada. Primeira ida ao restaurante em quatro meses. Quase não comemos. Quis beber Água das Pedras. 

Bruscamente, uma saturação de estar ali. Não pude suportar um calor que intumescia os dedos das mãos, dos pés, os tornozelos, nem a prostração do suor, o corpo a empapar por dentro. 

Afirmei com segurança, como quem compreende um problema difícil, que preciso de aprender a viver com um corpo novo. O meu corpo deste verão não é o mesmo corpo do verão passado, e todos os problemas dos verões passados continuam a viver comigo, são agora potenciados. (...) "

O quarto do bebé
Anabela Mota Ribeiro
Quetzal (2023)

domingo, 18 de junho de 2023

Feras

O mar, calmo, se o termo de comparação for o da Foz do Arelho. Para muita gente, são ondas a mais e a água pelo joelho já pode ser perigosa. O mar é traiçoeiro e todo o cuidado é pouco...

O "leão da Tanzânia" é um desses. Passeia pela borda, exibe o cabedal, pavoneia-se, olha em volta, mira esta, espreita aquela, põe os óculos, tira os óculos, passa o pente, que traz no bolso dos calções, sempre a jeito para qualquer eventualidade. De repente pode surgir uma admiradora que não goste do despenteio.

A criança, que segura o baldinho com água para fazer o castelinho, pisou a toalha e por lá deixou alguma areia molhada que trazia agarrada aos pézitos. O "leão" fulminou-a com o olhar e não teve tempo de abrir a boca. O pai da criança, atento, pediu desculpa e não lhe deu hipótese de barafustar.

Limpou a pouca areia, sentou-se de novo e lá continuou a tarefa de conquistador sem castelo por perto. O almoço já deve estar preparado e são horas de partir.

Lá foi, sempre muito preocupado com o cabelo e com o estilo. A água, teimosa, não lhe passou cartão!

sábado, 17 de junho de 2023

Modernices

Isto anda tudo mudado...

A semana começa ao sábado, violando tudo o que estava ancestralmente estabelecido. Ainda por cima, vai ser dedicada ao ócio e ao lazer, sem horários nem compromissos e a remuneração chegará dentro do prazo normal, como convém e é fundamental que se mantenha!

Mudanças, sim, mas não em tudo... 

quinta-feira, 15 de junho de 2023

Viagens

Quase todos os dias me confronto com a frase, já por aqui citada várias vezes, do professor Dragomir Knapic, que me deu aulas nos idos de setenta do século passado: "Quanto mais sei, maior é a minha ignorância". E confirmo-a, sempre, cada vez mais desiludido ou, melhor, mais consciente.

As demissões, as comissões de inquérito, os comentários dos "tudólogos" e as opiniões, sempre claras e assertivas, do mais alto magistrado na Nação, alertam-me para a degradação da minha capacidade interpretativa e obrigam-me a constatar a diminuição, vertiginosa, dos neurónios que permitem o acesso ao entendimento.

As notícias de ontem informaram que a Top Atlântico, na sua qualidade de agência organizadora da viagem de Marcelo Rebelo de Sousa a Moçambique, assumiu o pedido de alteração da data do regresso do Presidente, sem que ninguém lho tivesse pedido e apenas com a preocupação, suprema, de facilitar a agenda do Presidente.

Parecendo-me desde logo estranho que a agência de viagens saiba os condicionalismos da agenda, fico apreensivo e a pensar que, se fosse comigo, correria o risco de não ter ninguém à minha espera no aeroporto, por o regresso acontecer antes da data programada, sem o meu conhecimento e consentimento.

Assim sendo, como confiar numa agência que se permite tentar alterar a data do regresso do Presidente da República sem lhe "passar cartão" ou "dar cavaco", transportando situação idêntica para um ser vulgar de Lineu que, ainda por cima, nunca passará de um "cliente da treta".

terça-feira, 13 de junho de 2023

Mares

Um novo mar entrou hoje na casa, agitado e rochoso, como para demonstrar, se tal fosse necessário, que a nossa costa não é só areia ...

segunda-feira, 12 de junho de 2023

Poda

A poda é uma actividade agrícola essencial para que as árvores e um grande número de plantas se desenvolvam harmoniosamente, cresçam nos limites e tenham melhor produção.

Ainda que sem qualquer intervenção de Marcelo Rebelo de Sousa e bem antes de o Presidente ter dado ênfase a tão antigo mester, os pinheiros foram podados por quem "sabe da poda" e lá estão, brilhantes, viçosos, enormes, lindos. Vê-se a olho nu que adoraram a intervenção humana e até o seu porte tem agora um ar majestoso, talvez até aristocrático. Os pássaros gostam de por lá andar - corvos, melros, peneireiros, pintassilgos - o vento sussurra nas agulhas, as nuvens espreitam de cima e impedem que o Sol castigue muito. Lá bem no alto, o mundo é outro, até na forma como o clima se comporta. 

Mas, como sempre, "não há bela sem senão": os ramos cortados ficaram espalhados por toda a extensão do pinhal e há necessidade de os apanhar, não só porque sim mas também por darem jeito à lareira, quando o inverno chegar. O trabalho é duro - apanha, corta, ensaca, transporta - tudo feito por "avenidas" cheias de socalcos e com inclinação acentuada.

A agricultura, para além de ser "a arte de empobrecer alegremente", puxa pelo cabedal a sério!

domingo, 11 de junho de 2023

Coexistência

Coelho e Rola: a convivência pacífica entre o mamífero e a ave, sem cartazes nem gritos, num entendimento perfeito.

Bem sei que é apenas o nome de uma embarcação e que a qualidade do fotógrafo deixa muito a desejar, tal como o diálogo que acontece nos humanos, por mais responsabilidades que tenham. Ainda ontem, sem "Peso" nem "Régua", alguns "educadores" gritaram bem alto a sua falta de educação, que se espera não seja o cartão de visita profissional.

sábado, 10 de junho de 2023

10 de Junho

Comemora-se hoje o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Depois do início na África do Sul, as cerimónias oficiais decorreram no Peso da Régua, confirmando-se que o interior, tantas vezes esquecido, também tem direito à festa e sobre ela manifestou grande carinho e orgulho.

Para além dos desfiles próprios da ocasião, num tempo de guerra em que, por cá, ainda se limpam armas, houve os discursos de circunstância, com Marcelo a apelar à "poda das árvores" numa terra de cepas. Também se assistiu à sofreguidão costumeira de quem dá notícias, na procura dos protestos dos professores, dos assobios ao (ainda) Ministro Galamba, dos comentários do líder da oposição sobre a carta escrita e a resposta recebida.

O dia, que já foi da raça de má memória, vai terminar sem que o Peso da Régua se faça sentir sobre quem se porta mal. Felizmente, o tempo dela já passou há muito. Nos entretantos, alguns professores em protesto portaram-se francamente mal, deixando a turma perplexa. Quem dirigia a "aula" não teve a capacidade de corrigir e manter o nível.

quinta-feira, 8 de junho de 2023

Livros (lidos ou em vias disso)

Lealdade invisível

(...) No País de Gales, o turismo, divisa ou fachada de quase todos os países da actualidade, já se encontra em grande medida nas mãos dos ingleses, desde o pub ao hotel supostamente sofisticado (mas não muito, na verdade). São poucas as lojas de bairro que não fecharam. Metade dos postos de correios estão nas mãos de ingleses. E a imensa vaga de famílias inglesas que para aqui vem faz com que até as escolas, de cujo programa a língua galesa faz parte, fiquem mais ameranglicizadas a cada período que passa - pois por cada criança que para cá vem e se torna galesa, meia dúzia de crianças que sabem falar galês já não usam a nossa língua no recreio. Todos os dias do ano há mais umas centenas de casas das zonas rurais galesas que são vendidas a ingleses por preços que muito poucos galeses do campo poderiam pagar, muitas vezes para se transformarem em cabeça de ponte de corrosão cultural.

Quanto a mim, meio galesa e meio inglesa, não sou certamente nenhuma racista, e só por pouco me considero nacionalista, pois já não acredito em nacionalidades, nem na porcaria do Estado-Nação. No entanto, sou uma culturalista e parece-me que, infelizmente, os povos têm de alcançar a condição de estado para preservarem o seu próprio ser. Na minha opinião, seria uma tragédia medonha se os pequenos povos como o nosso desaparecessem realmente do mapa - não do mapa geográfico, o que provavelmente não acontecerá no próximo milhão de anos ou assim, mas do mapa político, o que pode acontecer a qualquer momento.

Mas atrevo-me a dizer que aqueles cartógrafos do Compêndio Estatístico do Eurostat estariam a expressar subconscientemente uma verdade quando relegaram o País de Gales ao esquecimento. De certa forma, o nosso país já é invisível ou, pelo menos, oculto. <<Assim que entrámos no pub>>, dizem os ingleses que gostam de contar histórias quando voltam para casa, <<aquela gente desatou a palrar em galês.>> Que disparate. Já estavam a palrar em galês muito antes de lá entrar, meu senhor, muito antes de os seus antepassados atravessarem o Severn e pode acreditar que continuarão a palrar quando se for embora.

Assim será porque muita da cultura galesa é privada. (...)"

Alegorizações
Jan Morris

terça-feira, 6 de junho de 2023

Selos

Estavam há alguns anos em hibernação, por falta de pachorra e também alguma desmotivação. As rotinas, por vezes, quebram-se e depois não é fácil retomar.

Na semana passada, uma conversa com um amigo despertou a lembrança e eis-me a verificar o estado dos selos guardados com tanto carinho e que, por certo, já tinham estranhado a ausência e a falta de mimo.

As colecções nunca estão terminadas, têm sempre algo a rever e a modificar e dão uma trabalheira danada. 

Assim, a tarde passou a correr e nem deu para preocupações com as audiências dos casos e casinhos. Valeu a pena. A satisfação final até faz esquecer o tempo ... ganho.

segunda-feira, 5 de junho de 2023

Esforço e dedicação

Marcelo Rebelo de Sousa preocupado, como sempre, com o bem-estar de todos os portugueses, resolveu usar toda a sua influência e, num encontro fortuito e perfeitamente ocasional com os jornalistas, fez um veemente apelo à banca, pedindo um "esforçozinho" para que as taxas de juros dos depósitos sejam aumentadas. Podia ter feito uma chamada telefónica para os responsáveis máximos de cada banco, mas assim só gastou o "latim" uma vez e deu nota a toda a gente da sua preocupação.

A banca tremeu, reuniu, estudou, ponderou e decidiu, de imediato, o que não foi surpresa para ninguém: ficou tudo na mesma, mas tomaram boa nota das preocupações do PR. Quando precisarem de dinheiro, irão comprá-lo.

Entretanto, é expectável que o Presidente da República nomeie um grupo de trabalho que lhe forneça os elementos necessários às centenas de apelos que vai ter de fazer para que as grandes superfícies paguem mais aos agricultores, as gasolineiras vendam o combustível mais barato, os senhorios cobrem as rendas ao "preço da chuva", as construtoras diminuam o preço por metro quadrado, os táxis baixem as bandeiradas. 

Com um "esforçozinho" de todos, isto vai lá ...

domingo, 4 de junho de 2023

ORDEM

Há livros em vários locais da casa, espalhados pelos sítios mais inverosímeis aos olhos dos bem comportados e preocupados com a imagem. Estão começados, aguardam vez, esperam reunir condições para ocuparem o lugar que lhes compete e lhes está reservado numa das três enormes estantes que fazem parte da mobília.

A arrumação está a tornar-se, cada vez mais, um problema de difícil solução. As prateleiras estão repletas, com formatura em duas filas e, por vezes, algum atravessamento na parte superior. Procura-se a manutenção da ordem alfabética, para que a eventual necessidade de os encontrar dispense a consulta da base de dados. Livro terminado não é assunto arrumado; é problema complicado.

- Já não cabe aqui!

Muda-se o último para a prateleira seguinte, como forma de abrir o espaço necessário. Mas a seguinte também está completa e o mesmo se verifica com a seguinte. Existe um buraquinho lá ao fundo, mas isso implica alterar um montão de registos no computador.

- Que chatice!

O livro acaba por se aconchegar num espaço disponível, sem a preocupação da ordem, com a certeza de que, se a memória não funcionar, a consulta informática dá a localização precisa, qual GPS no carro.

No final, penso: quando deixar de comprar, reformulo tudo isto e a ordem alfabética regressa.

Será?

sexta-feira, 2 de junho de 2023

Mercados

No mercado do peixe, os fiscais (2) e os vendedores (6), excediam largamente os clientes, confirmando que, a cada dia que passa, os habitantes preferem os hipermercados àquele estabelecimento, adaptado de propósito para melhorar as condições que, ao ar livre, se tinham tornado insuportáveis para todos. Os vendedores vão sendo cada vez menos e os clientes ... imitam-nos.

- O robalo é óptimo e fresquinho. As lulas são sensacionais, da nossa costa, a sardinha ainda está um bocadinho magra, mas tem cá um sabor ... e os jaquinzinhos, até me está a crescer água na boca só de os imaginar fritos, com um arrozinho ...

A peixeira, conhecida de há muito, não se cansa de elogiar o seu produto. Ninguém vende caro e sem qualidade, sabemos todos.

A praça da fruta, durante a semana, permite a circulação sem atropelos, o que se torna muito difícil ao sábado. Os vendedores são muitos mais e os clientes, incluindo os mirones, tornam uma aventura a circulação do carrinho das compras. Ainda bem que as férias, permanentes, permitem a ida a outro dia ...

- Só por curiosidade, diga-me quanto custa cada enfiada de pinhões?

- Um euro e meio. Eu sei que é caríssimo, mas olhe que dá muito trabalho. É preciso muito cuidado a partir o pinhão, muita habilidade para enfiar a agulha e a linha sem dar cabo dele ...

- E vende-se bem?

- Vai-se vendendo ...

O segredo é a alma do negócio e não querem lá ver o "caramelo" a querer saber tanto como eu, pensou ele, com um sorriso nos lábios.

Comprados os tremoços e deixados os pinhões, seguem-se os alperces, as cerejas, os brócolos, as maçãs, uma couve coração de boi (a vaca deve sentir-se discriminada), as flores para quem as merece e já não as pede, meia dúzia de cumprimentos a conhecidos, três queijinhos frescos ... e o carrinho começa a sentir dificuldade em deslocar-se. Ou serei eu?

Sabe sempre bem esta rotina, tanto mais que a chuva e o vendaval anunciados não fizeram a visita. Quando isso acontece, a maior parte diz cobras e lagartos da falta que faz um mercado fechado, mas há sempre quem riposte:

- Pois, mas é o único mercado diário aberto em toda a Europa!

quinta-feira, 1 de junho de 2023

Palavras bonitas

ESTA GENTE

Esta gente cujo rosto
às vezes luminoso
E outras vezes tosco

Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis

Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre

Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome

E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada

Meu canto se renova
E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um tempo justo

(Para todas as crianças, que hoje comemoram o seu Dia Mundial) 

Obra Poética (Geografia)
Sophia de Mello Breyner Andresen
Caminho (2011)