terça-feira, 31 de março de 2020

Quotidiano

Amanheceu a chover, esteve frio, o sol surgiu agora, envergonhado ou medroso, trazendo o aviso de que se não vai demorar muito por aqui.
As alterações do clima parecem competir com a disposição que vamos sentindo ao longo do dia.
Tanta coisa para fazer! Ainda não fiz nada! 
O planeamento a fazer lembrar o "tableau de bord" dos tempos dos objectivos, dos números, dos relatórios, das justificações. Que digo eu? Estou a perder o tino ou a sonhar acordado?
Nada disso! Os dias, afinal, são muito grandes e as horas demoram uma eternidade a passar, apesar de amanhã já ser Abril.
Sentimentos e opiniões contraditórias: tão depressa acho que o tempo passa a correr como decido, logo a seguir, que demora muito a passar.
Quem me entende?

segunda-feira, 30 de março de 2020

Quotidiano

A hora mudou, o mês está quase a mudar, a Primavera chegou, o Verão há-de chegar, porque o tempo não parou nem vai parar ...
Só faltou, no conjunto de lugares comuns mal rimados, dizer que isto vai piorar ...
E pode acontecer, que sei eu!
Vou procurando ouvir quem estuda e analisa, e procurando desligar sempre que surgem nos écrans uns "papagaios", cuja única coisa que sabem é falar "pelos cotovelos". 
Esta parte do corpo era, até há bem pouco tempo, destinada a adjectivar quem falasse muito, a denominar uma dor muito difícil de suportar e a, claro, auxiliar os braços a movimentarem-se.
Tudo se altera e os cotovelos são, agora, a peça fundamental no cumprimento, substituindo o tradicional "bacalhau".
Até quando? 
Não se sabe e é isso que me inquieta.

domingo, 29 de março de 2020

Palavras bonitas

A voz do vizinho através da parede

Eu transmito-te este domingo à tarde,
a voz do vizinho  através da parede.

Tu transmites-me a distância que existe
depois do que consigo ver pela janela.

Durante a noite mudou a hora e, no entanto,
continuamos no tempo de ontem.

Como é raro este domingo, não podemos
garantir que amanhã seja segunda-feira.

O futuro perdeu-se no calendário, existe
depois do que conseguimos ver pela janela.

O futuro diz alguma coisa através da parede,
mas não entendemos as palavras.

Lavamos as mãos para evitar certas palavras.

E, mesmo assim, neste tempo raro, repara:
tu e eu estamos juntos neste verso.

O poema é como uma casa, tem paredes
e janelas, é habitado pelo presente.

Olhamo-nos nos olhos pela internet,
estamos verdadeiramente aqui.

O poema é como uma casa,
e a casa protege-nos.

José Luís Peixoto
29 de Março de 2020

(Em tempo de clausura, sabe bem ler estas palavras de um escritor de quem gosto muito. A minha filha, que sabe isso, deve tê-las obtido na Net e enviou-mas de imediato.)

Novas tecnologias

A minha filha, ontem à noite, mandou-me um "link" para eu ouvir, colocando uns auscultadores. Era uma ordem peremptória e sem qualquer indicação do que se tratava, com referência de que me devia sentar (ou deitar) e fechar os olhos.
Numa dimensão nova, "assisti" a um "corte de cabelo" e à "conversa do barbeiro" em 8D.
Estupefacto com a "realidade", senti-me nas nuvens, deliciado e, no final, desiludido: o cabelo, afinal, ainda se mantinha grande, embora a tesoura e a máquina tivessem por lá andado, sem qualquer dúvida. E o barbeiro transmitia confiança, ainda por cima em inglês ...
Depois disto concluído, recebi também a indicação de que podia ouvir música na mesma dimensão, mas sempre com auscultadores, de cujo uso não sou grande fã.
Mas fiquei cliente. E aqui estou eu, ouvindo a Toccata in D Minor, tão satisfeito como quando, há muitos anos, ouvi música em estereofonia pela primeira vez.
Sempre a aprender ... mesmo de quarentena.
Se tivesse os contactos da Directora Geral da Saúde e da Ministra, dava-lhes esta indicação, para recuperarem um pouco da trabalheira que têm tido e poderem ter um pouco de descanso que, nota-se bem, era merecido e pelo qual devem estar ansiosas.

sábado, 28 de março de 2020

Quotidiano

Fui ao jardim passear ... agora, vou ler o Expresso e continuar a ouvir boa música.
Isto não está para brincadeiras - o Hospital de Peniche fechou e todo o pessoal foi de quarentena - e o melhor é mesmo "comprar" paciência e arranjar formas de entretenimento.

sexta-feira, 27 de março de 2020

Quotidiano

Hoje não me apetece escrever nada ou, para ser sincero, nada me ocorre que valha a pena deixar por aqui, se é que alguma vez isso acontece.
As notícias mantêm-se, as conferências de imprensa também, o cansaço de quem lidera é visível, e a luz ao fundo do túnel ainda não se vislumbra.
Neste ínterim, continuamos a ouvir perguntas de "jornalistas" que devem fazer corar de vergonha os verdadeiros profissionais que ainda temos.
Permanece a esperança de que o bom senso impere, a solidariedade entre povos aconteça e que o egoísmo de alguns não se torne num outro vírus.

quinta-feira, 26 de março de 2020

Quotidiano

Do Público de hoje:

- Em Portugal
" Como enfrentar a epidemia em acampamentos sem água? 
Há mais de três mil famílias ciganas a viver em tendas de lona, barracas de madeira, tijolo e/ou zinco ou autocaravanas."

- No estrangeiro
" Gaza, com dois infectados, está aterrorizada. Juntando-se à falta de luz, densidade populacional enorme e uma frágil sistema de saúde, o covil-19 é um inimigo terrível."

Não é preciso procurar muito para encontrar, ao nosso lado, quem esteja muito, mas muito, pior do que nós.

quarta-feira, 25 de março de 2020

Quotidiano

A rua era sossegada. Agora, está sossegadíssima. 
Muito raramente passa um carro e as pessoas, poucas, resumem-se aos vizinhos que (ainda) trabalham e àqueles, poucos,  que passeiam os seus cães. 
Valem-nos os melros, as rolas, os chapins, os piscos, que também devem estranhar todo o silêncio que se faz ouvir.
É bom ouvir o silêncio, mas assim tanto também cansa.
A Primavera está a pôr o jardim todo florido! A glicínia, as roseiras, as strelitzias, o jasmim e até os cactos, mostram toda a sua vitalidade e fazem a companhia possível.
Até o "WC" dos gatos está confinado! Era normal utilizarem todo o jardim para as suas necessidades. Agora, escolhem a parte norte e aparecem menos.

terça-feira, 24 de março de 2020

Quotidiano

Já estamos quase no fim de Março e a pandemia não dá quaisquer sinais de nos abandonar, antes pelo contrário. Parece, até, que o vírus se está a sentir bem, e que pretende passar por aqui uma parte do Verão, mesmo sem ter sido convidado. Esperamos que não alugue um TO na Foz do Arelho!!!

Vamos tentando manter algum humor e as rotinas agradáveis e possíveis: lavar as mãos, sempre; ler, muito; ouvir música, boa; um bom filme, também, e, de vez em quando, a televisão para "actualizar os dados".

segunda-feira, 23 de março de 2020

Quotidiano

Cada dia que passa a minha ignorância acentua-se face ao conhecimento revelado por tanta gente. 
Não me sinto frustrado nem deprimido mas, por vezes, tenho a sensação de que todos são "sabões" e eu apenas "lavo as mãos".
Há gente que escreve, opina, disserta, com tantas certezas que o vírus um dia destes assusta-se (oxalá) e foge, antes que o matem com alguma das muitas mezinhas que circulam na net, desde a água com vinagre para bochechar à água tépida para gorgolejar.
Que diabo! Falem do que sabem, escrevam sobre o luar e o céu azul, dissertem sobre a "conspiração" que faz o mar bater na rocha ou calem-se. Deixem o importante e o necessário para quem sabe.
E quem sabe deve, nesta altura, ter tanta coisa com que se preocupar que nem tempo tem para se perder com ninharias e com grandes citações de "pessoas bem colocadas" ou outras que, sabendo tanto, afinal nunca se deu por elas até aqui.
O tempo é dos que, mal dormidos, seguram as pontas e mantêm a nau.

domingo, 22 de março de 2020

Egoísmo e ingratidão

Quando o "Zepelim Corona" partir, como iremos ser com os/as "Genis" que agora seguram as pontas, para o bem de todos?

sábado, 21 de março de 2020

Dia Mundial da Poesia

Da crónica de Pacheco Pereira, hoje no Público, respigo:
(...) Mas, resumindo e concluindo, três coisas contam nesta pandemia: vida, cultura e dinheiro. Infelizmente, estão todas muito mal distribuídas, em particular a última. Mas, pelo menos na cultura, sempre se pode combater a incultura que cresce perante a cobardia e a inércia de muitos que acham que esta é a "realidade" dos nossos tempos e não há nada a fazer. Há e muito. Não é remédio absoluto, mas ajuda. (...)

No Dia Mundial da Poesia, dois poemas de Eugénio de Andrade, para deleite de quem espera, e acredita, que virão melhores dias e que, apesar de tudo, o mundo não vai acabar. 
Mas vai ser diferente, vai, vai!

CONSELHO

Sê paciente; espera
que a palavra amadureça
e se desprenda com um fruto
ao passar o vento que a mereça.

OS AMANTES SEM DINHEIRO

Tinham o rosto aberto a quem passava.
Tinham lendas e mitos
e frio no coração.
Tinham jardins onde a lua passeava
de mãos dadas com a água
e um anjo de pedra por irmão.

Tinham como toda a gente
o milagre de cada dia
escorrendo pelos telhados;
e olhos de oiro
onde ardiam
os sonhos mais tresmalhados.

Tinham fome e sede como os bichos,
e silêncio
à roda dos seus passos.
Mas a cada gesto que faziam
um pássaro nascia dos seus dedos
e deslumbrado penetrava nos espaços.

Eugénio de Andrade
Fund.Engénio de Andrade (2000)

sexta-feira, 20 de março de 2020

Quotidiano

No sossego da emergência Coronavírus, os livros e a música são boa companhia e, espero eu, têm capacidade para nos dar os anticorpos necessários à manutenção de um estado de espírito positivo, e a esperança de que, uma vez mais, se cumprirá a regra: a seguir à maré vaza surgirá a maré cheia. 

A Fundação Gulbenkian disponibiliza, aqui, concertos de produção própria e alheia.

O YouTube é um manancial de boa música, para todos os gostos.

O Teatro Aberto disponibiliza, até ao final do próximo mês, várias peças de teatro que levou à cena.

O Instagram transmite, em directo, concertos de vários artistas. O programa pode ser consultado aqui

Felizmente, longe vão os tempos em que era utópico pensar ter acesso a tudo isto.


quinta-feira, 19 de março de 2020

Dia do Pai

Apesar do que está a passar por aqui e pelo mundo, das incertezas e das esperanças, com coronavírus ou sem ele, com estado de emergência ou a emergência do estado de isolamento, "escondidos" em casa porque o risco é grande, sabemos que, algures, há sempre alguém a passar bem pior do que nós e sem casa para se esconder.
E também que muitos outros há já sem oportunidade de passar por isto.
O meu pai faria hoje 98 anos e, se ainda por cá estivesse, ficaria preocupadíssimo com o que se passaria ... com todos os outros.

SOL DE MENDIGO

Olhai o vagabundo que nada tem
e leva o sol na algibeira!
Quando a noite vem
pendura o sol na beira dum valado
e dorme toda a noite à soalheira ...
Pela manhã acorda tonto de luz,
Vai ao povoado
e grita:
- Quem me roubou o sol que vai tão alto?
E uns senhores muito sérios
rosnam:
- Que grande bebedeira!

E só à noite se cala o pobre
Atira-se para o lado, 
dorme, dorme ...

Manuel da Fonseca
Poemas Completos
Forja (1978)

terça-feira, 17 de março de 2020

Pedro Barroso

Conheci-o em 1988, num espectáculo comemorativo dos 50 anos dos Pimpões, realizado no dia 12 de Março de 1988 (já lá vão mais de 30 anos, como é possível), que abrilhantou acompanhado dos seus músicos, numa noite inesquecível para todos os que dela usufruíram.
Voltou quatro anos depois, em 22 de Fevereiro de 1992, desta vez sozinho mas com a qualidade, o profissionalismo e a dedicação que guardarei enquanto a minha memória me não atraiçoar. Chegou bastante cedo, por volta das 15 horas e disse-me, baixinho: aquele meu amigo que esteve cá a tocar nos 50 anos, o do acordeão, morreu esta madrugada num acidente de automóvel, mas o espectáculo faz-se. 
No final, fui ter com ele ao camarim, chorava compulsivamente, abraçou-me, e, por entre lágrimas e soluços, disse: o espectáculo fez-se e ninguém notou nada.

Hoje partiu, após um sofrimento prolongado e num desfecho já aguardado há algum tempo.

Fico com as recordações, os discos, as músicas e a certeza de que, para além de um enorme poeta e músico, também conheci um grande homem.
Até sempre, António PEDRO Chora BARROSO.

segunda-feira, 16 de março de 2020

Coronavírus

Quase toda a gente tem opinião sobre a epidemia que está a contaminar o mundo, sobre as suas causas e sobre a forma de a debelar. 
Todos esperamos que, no fim, seja menos maligna do que os estudos científicos e as opiniões de quem sabe apontam. 
E é apenas por isto - por quem sabe - que também quero deixar meia dúzia de linhas sobre o assunto.
Vivemos, felizmente, num país democrático, com liberdade de expressão plena, até para a asneira, a estupidez e a ignorância. Todavia, a situação actual parece evidenciar uma "guerra", na qual não se conhece o inimigo, a sua estratégia, a sua composição e muito menos as suas posições. Assim sendo, temos forçosamente de confiar em quem sabe e procurarmos seguir as suas determinações com disciplina, sem alarmismos e sem facilitar nada. Neste caso, sem servilismos, manda quem sabe e os outros obedecem, por muito que custe.
Na guerra, cada um tem a sua função, que deve executar com o maior rigor, confiando que a estratégia delineada resulta da análise, ponderada, de quem tem o conhecimento e domina as variáveis.
Dispensam-se perfeitamente as "opiniões" vindas não se sabe de onde, sempre cheias de "certezas" tais que, ainda ontem, chegou aqui a casa, via USA, a "notícia" de que havia centenas de mortos em Lisboa, de acordo com uma fonte que ninguém consegue identificar mas que "sabe" muito.
Deixem-se de publicações idênticas às do tipo da anedota:
"Paris é uma cidade muito bonita! Eu nunca lá estive, mas tenho um tio que tem um primo que já lá foi e gostou muito".

segunda-feira, 2 de março de 2020

Lembranças

Era um princípio de tarde igual a tantos outros que se vão repetindo quase em ritual. 
De repente, junto à tua morada actual, surgiu, branca, tímida, medrosa até, e parou. Dirigi-me para lá, deixou-se apanhar sem qualquer resistência. Tinha penas sedosas, maciinhas (como tu dirias), e os olhos agradeciam o contacto com as minhas mãos.
Veio para casa sem qualquer esforço ou aborrecimento. Arranjei-lhe uma morada, provisória, alimentei-a e dei-lhe de beber. Cantou, agradecida. Já não devia comer e beber há muito tempo, saciou-se com a alpista que por cá havia. 
Ainda nesse dia fui comprar uma casinha nova e alimentação apropriada para a sua espécie, de acordo com a informação de quem vendeu. Dessa mistura que lhe coloco à disposição, não gosta de algumas sementes e rejeita-as com vigor, sujando o chão e ouvindo as recriminações de quem manda no sítio.
Acorda cedo e canta, num arrulhar sereno que repete sempre que me aproximo.
Na semana passada comprei milho partido, que ainda tornei mais miúdo com o auxílio de uma maquineta de cozinha. Adorou e cantou, de alegria, julgo.
Já faz parte da casa, trazendo sempre à lembrança o sítio onde se disponibilizou para que eu a trouxesse.
Está comigo sempre (como tu). Não sei bem se é pomba se é rola, é branquinha como a neve e tranquila como a paz.
Perfazem hoje dezasseis anos que partiste para essa morada onde apareceu a ave branca e maciinha.