sexta-feira, 30 de abril de 2021

Maio, maduro Maio

Termina hoje o estado de emergência na quase totalidade dos concelhos do continente, sendo substituído pelo estado de calamidade. Como disse Salgueiro Maia, a propósito de uma necessidade imperiosa da época, "o estado a que isto chegou". É uma excelente notícia e o indício de que surgirá em breve o regresso à normalidade. E já não é sem tempo. Estamos todos fartos de condicionalismos, de não poder ir aqui ou ali, de viver com condições prévias, sujeitos a sanções, admoestações, recriminações e, por vezes, prepotências de quem, de forma inesperada, viu o seu poder reforçado e disso quer fazer gala.

Pelo que dizem os cientistas, ainda haverá muito caminho a percorrer e muitos cuidados a ter, mas a luzinha parece já tremelicar ao fundo do túnel.

Não vêm (ainda) os abraços, os beijinhos, as grandes festas, os espectáculos sem restrições. Não vamos ter o "prato" cheio, mas a "comiida" já terá mais quantidade e qualidade. Meio a sério, meio a brincar, poder-se-á dizer que posso viajar até Lisboa ou qualquer outro sítio; não posso ir a 120 mas já me deixam deslocar a 60 ...

Veremos o que nos reservará o mês das flores, que se inicia amanhã, com um dia no qual, de acordo com "regras" mais antigas do que eu, é fundamental levantar cedo para que o Maio não entre e, em consequência, se ande amarelo todo o ano ...

quinta-feira, 29 de abril de 2021

Dia Mundial da Dança

No Dia Mundial da Dança e quando se anseia pelo retorno dos espectáculos, o final sublime de O Lago dos Cisnes, expoente máximo da dança clássica, para manter viva a chama e esperar que, no próximo ano, a "nossa" Escola Vocacional da Dança possa voltar ao palco, com as salas cheias, como é (era) costume.

quarta-feira, 28 de abril de 2021

Filhos da madrugada

O 25 de Abril é uma data que me é muito querida, não por ser o dia do meu aniversário mas porque encerra uma transformação na qual, muito modestamente, participei, e que trouxe um país novo, abrindo portas que, até aí, permaneciam encerradas à grande maioria das gentes.

Decorridos quase cinquenta anos, é com muita alegria que vejo e ouço gente de elevada craveira, discutir com liberdade e participar activamente no desenvolvimento da ciência, da arte, da vida. Muitos dos que, hoje, fazem parte do escol da sociedade, teriam passado ao lado se aquele país fechado, falso moralista e enormemente elitista se tivesse mantido. O "ninho" determinava o destino e poucos "pássaros" conseguiam voar além de um horizonte muito limitado e previamente anunciado. O poder ser e depender apenas do querer não tem preço. Assim se mantenha ...

A RTP-3 transmitiu, durante o mês de Abril, 25 entrevistas de Anabela Mota Ribeiro a outras tantas pessoas, que têm em comum o facto de terem nascido depois de Abril de 1974. Chamou a essas entrevistas "Os filhos da madrugada". São conversas extraordinárias, com personalidades, as mais diversas, com histórias de vida e de antecedentes distintas, demonstrativas de que, ao contrário do que pensam muitos da minha geração, "os filhos da madrugada" são muito melhores do que foram os "pais" da dita. 

E tudo isto é o concretizar do sonho da grande maioria dos que viveram intensamente a madrugada do "dia inicial, inteiro e limpo", com tão bem o definiu Sophia.

terça-feira, 27 de abril de 2021

Fábula de trazer por casa

Era uma vez uma colmeia que existia há muitos anos nos campos da região. Destacava-se pela qualidade da sua edificação, pelos propósitos com que havia sido construída e pela qualidade do mel que produzia. A sua história era de todos conhecida e tinha tido a participação de muitas obreiras, lideradas por rainhas que iam mudando com o decorrer dos tempos. Todos juntos procuravam criar as melhores condições para quem frequentava a colmeia e tentavam produzir um mel da melhor qualidade.

Durante muitos anos assim foi acontecendo mas "não há mal que sempre dure nem bem que nunca acabe".

A construção, modelar em tempos idos, foi-se degradando; descuidou-se a manutenção, a produção baixou de qualidade. E quando tudo apontava e exigia a necessidade imperiosa de unir esforços, a rainha deixou de olhar para a colmeia como um património colectivo e começou a procurar os seus interesses específicos, tomando decisões autocráticas e contraditórias, fomentando que os interesses das partes se sobrepusessem aos do todo, criando uma situação insustentável na vida das obreiras e dos destinatários do mel.

As condições climatéricas do reino não têm permitido a realização do plenário de todos os interessados, aos quais cabe a decisão sobre o futuro da colmeia e a forma de o atingir.

Anseia-se que a decisão aponte para que o bom senso prevaleça e que a qualidade da colmeia possa melhorar, continuando a servir o bem de todos e não os interesses de alguns.

segunda-feira, 26 de abril de 2021

Livros (lidos ou em vias disso)

Não conhecia e nunca tinha ouvido falar do autor, William Melvin Kelley, nascido em 1937, em Nova Iorque, e falecido em Fevereiro de 2017. Fui sensível à publicidade do "gigante perdido da literatura americana" e comprei. Vou a meio de uma história sobre escravos e senhores, racismo e exploração, que me tem entusiasmado pela história em si e pela escrita escorreita. Deliciei-me com a descrição da "aula" do menino para aprender a andar de bicicleta. O regresso a casa do senhor e do servo trouxe o costume, nada agradável para o "professor". Fica aqui uma parte da aula ...

(...) O crepúsculo já pendia sobre as colinas e a força do vento era cada vez maior. Tinham tentado vezes sem conta.
- Será melhor que regressemos a casa, Dewey. 
- Só mais uma vez, Tucker, se fazes favor. Vá lá.  
- Vamos embora, Dewey, já sabe que o seu pai não ficaria contente se lhe atrasássemos o jantar. 
- Mas TENHO de aprender, Tucker. 
Sentiu lágrimas quentes no fundo dos olhos que talvez já brotassem, queimando-lhe a cara, porque Tucker olhou para ele e assentiu. Depois ajudou-o a montar, segurou com força o selim para que a bicicleta não tombasse e começou a empurrar. Dewey tentou sentir a máquina e, quando lhe pareceu que tinha conseguido, voltou-se para dizer a Tucker que o soltasse.
Tucker já não estava ali. Tinha deixado de correr sem aviso prévio e Dewey seguia sozinho, rolando, cavalgando, deslizando, navegando, voando sozinho, e sentiu a bicicleta em equilíbrio sobre estreitas rodas brancas e o orgulho que o inundava. E subitamente o medo surgiu do nada, um pânico escuro vitrificou-lhe os olhos e tapou-lhe os ouvidos, quase o impedindo de ouvir o que Tucker gritava:
- Siga a direito! Vire agora! Siga a direito!
Mas a confiança já o tinha abandonado em pequenas gotas oleosas; estava a perder o combate contra o insubmisso guiador. O pavimento escuro veio ao encontro dele, esfolando-lhe os joelhos, mas desmontado da bicicleta, de novo a salvo em terra firme, não sentiu dor e estava mais orgulhoso que nunca de si mesmo.
- Conseguiu! Conseguiu! Conseguiu!
Tucker correu até ele, levantou-o e deu-lhe uma palmada no ombro; dançaram em largos círculos ao redor da bicicleta. Tucker apertou-lhe a mão, abraçou-o, chegou mesmo a beijá-lo, e gritaram e vociferaram até ficarem cansados e roucos.
Depois empreenderam o regresso a casa pela estrada direita às escuras, com as caras iluminadas pelos faróis dos poucos veículos que passavam.
- Tucker, ensinas-me a arrancar sozinho?
- Quando tiver aprendido a parar sem cair.
- Tucker, ensinas ...? 
(...)
Quando pensou mais tarde nesse dia, Dewey apercebeu-se de que Tucker já devia saber o que aconteceria quando aceitara ficar. Foi a ele que atribuíram a responsabilidade, era ele que devia ter em conta as horas e não o tinha feito, ou assim parecera ao pai de Dewey, que falou a esse respeito com John, que por sua vez deu instruções à nora para que administrasse um castigo memorável. E por isso nessa noite, enquanto jantava, Dewey ouviu os estalidos da correia contra as nádegas do Tucker.
Mais tarde, Dewey contou ao pai que tinha aprendido a andar de bicicleta.(...)

Um tambor diferente
William Melvin Kelley
Quetzal (2021)

domingo, 25 de abril de 2021

25 de Abril

A liberdade, minha companheira de aniversário, comemora hoje 47 anos de uma vida difícil, com altos e baixos, com alegrias e tristezas, aberta a todos, mesmo aos que a não merecem.

E assim irá continuar, por muito que custe a alguns, que a não prestigiam nem defendem, mas a quem ela, superior a tudo isso, não liga e continua a permitir-lhes ter opinião, mesmo feita de barbaridades, aleivosias e estupidezes.

Viva, sempre, o 25 de Abril.

sábado, 24 de abril de 2021

Liberdade

Aquela "coisa" que mantinha a ordem em todo o país e que, em boa hora, sucumbiu em 25 de Abril de 1974, cuidava de todo o mundo com um desvelo e uma dedicação "louvável", controlando o que se dizia, escrevia ou lia, pretendendo determinar comportamentos e bons costumes, fomentando a denúncia e o afastamento, ostracizando ou perseguindo quem ousasse agir ou pensar de forma diferente.

No ano em que nasci, a Direcção dos Serviços de Censura "despachava" o livro de contos de José Cardoso Pires intitulado Histórias de Amor desta forma "brilhante e eloquente":

Imoral. Contos de misérias sociais e em que o aspecto sexual se revela indecorosamente. De proibir.

O Subdirector 
a) José da Silva Dias
Cap.

Em Janeiro de 1960, a Delegação de Angola da PIDE enviava à sede da mesma sinistra polícia em Lisboa, o ofício nº. 169/60, que dizia o seguinte:

A seguir tenho a honra de transcrever a V. Exª. parte da escuta feita pela Rádio Costeira ao noticiário da "Radio Brazaville", na sua emissão em língua portuguêsa: 
 
"Em Lisboa a polícia apreendeu todos os exemplares do último livro de Miguel Torga "O Tomo oito do seu diário" publicado há dias. Supõe-se que o motivo de tal atitude são as depreciações dadas pelo autor sobre alguns episódios da vida política portuguesa. Miguel Torga é um dos mais brilhantes escritores portugueses contemporâneos e a sociedade dos homens de letras portuguesas apresentou a candidatura do escritor ao Prémio Nobel de Literatura Portuguesa.
Foi levantada a apreensão que a polícia fêz em todas as Livrarias de Lisboa da última obra do célebre escritor português Miguel Torga. O próprio autor do livro tinha sido detido pela Polícia na véspera da confiscação do livro mas posto em liberdade pouco depois. Miguel Torga é candidato ao Prémio Nobel da Literatura de 1960. A sua candidatura foi apresentada pela Sociedade Portuguesa dos homens de letras. Julga-se que a atitude que a Polícia tomou foi devida a algumas apreciações contidas no livro sobre certos episódios da vida política portuguesa."
A Bem da Nação
O Subdirector, Intº
Aníbal de São José Lopes
Inspector-Adjunto

Muitos outros exemplos se poderiam dar do país que tínhamos e que, parece. alguns por aí querem fazer regressar.

sexta-feira, 23 de abril de 2021

quinta-feira, 22 de abril de 2021

Dias

Não é sexta-feira e nem sequer estamos a treze, mas o trabalho nas obras de hoje não correu como se esperava e estava planeado. Quando parece que estão reunidas as condições para ser um "passeio", surge um obstáculo, pequeno, que não se mostrou antes e surge como que a dizer :

- Esqueceram-se de mim, aguentem. Como vêem, sou fundamental e vocês não me valorizaram.

É a vida! Acontece muito. Desvaloriza-se e neglicencia-se a importância de quem não grita, não barafusta, não se põe em bicos de pés e, no fim, por muito que custe a alguns, todos somos importantes. 

quarta-feira, 21 de abril de 2021

Lícito

"Quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado vem."

O adágio, como quase todos, é pleno de verdade e metaforiza o enriquecimento ilícito, tão glosado nos últimos tempos que até já vai tirando protagonismo ao coronavírus. Como é normal, lá voltamos a discutir novas leis, constitucionalidades, âmbitos, versões, propostas, textos, palavras, actos, omissões, penalizações, comissões, tudo nessa língua maravilhosa que chamo de "direitez", tão hermética quanto abrangente, onde cada termo tem, pelo menos, duas interpretações e milhentos significados.

Pretende-se, de acordo com o que é dito, criminalizar o enriquecimento ilícito de quem exerce cargos públicos. E os que usufruem de ganhos "pela porta do cavalo", não estando no poder, ficam impunes? O tema poderá ser melindroso, colidir com a liberdade de cada um, dar azo a devassa injustificada, proporcionar parangonas e vinganças, abrir portas aos populismos, mas ... quem não deve, não teme.

Mais importante, antes de legislar sobre tudo e sobre nada, seria tornar a justiça célere, garantindo os meios de defesa a todos por igual e acabando com os subterfúgios que adiam audiências, protelam julgamentos, atiram com as decisões para as calendas, em processos de milhares de páginas carregadas de citações, opiniões, deduções, afirmações, contradições, tudo, menos lições acessíveis ao comum dos mortais, que não teve a graça de aprender a tal língua de "meia dúzia".

Respeitar o outro é, também, cumprir regras, não usufruir sem contribuir, não usar o que é de todos em proveito próprio sem dar alguma coisa de si. E ganhar o euromilhões não é enriquecimento ilícito!

terça-feira, 20 de abril de 2021

Palavras bonitas

 MANIAS

O mundo é velha cena ensanguentada,
Coberta de remendos, picaresca;
A vida é chula farsa assobiada,
Ou selvagem tragédia romanesca.

Eu sei um bom rapaz - hoje uma ossada -
Que amava certa dama pedantesca,
Perversíssima, esquálida e chagada,
Mas cheia de jactância quixotesca.

Aos domingos a deia já rugosa
Concedia-lhe o braço, com preguiça
E o dengue, em atitude receosa,

Na sujeição canina mais submissa,
Levava na tremente mão nervosa
O livro com que a amante ia ouvir missa!

(Lisboa1874)
O livro de Cesário Verde
Cesário Verde
Editorial Minerva

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Educação ou a falta dela

Por vezes parece que estamos mais rudes, menos educados, mais porcos. 

O novo MacDonald's da cidade tem sempre clientes, de manhã à noite, até ontem em regime de take-away e, a partir de hoje, em funcionamento normal, com restrições de número, como qualquer outro restaurante. Os clientes são muitos, sinal de que gostam da comida e são bem atendidos. Não posso fazer outra coisa que não seja conjecturar, por ainda lá não ter entrado e, aqui para nós, dificilmente isso irá acontecer. Mas não tenho nenhum preconceito. Não gosto, pronto.

A caminhada da manhã mostrou como há quem permaneça insensível ao espaço que o rodeia e faça lixo para outrem limpar. Em todo o estacionamento eram visíveis os restos de domingo e, num espaço em particular, havia restos de comida, embalagens e até fraldas de bebé.

Na volta, lá andava a empregada do restaurante, vassoura numa mão, pá na outra e saco às costas, a limpar a porcaria que um ou mais energúmenos, clientes da sua entidade patronal, tinham feito.

Nunca mais lá chegamos ...


domingo, 18 de abril de 2021

Incêndio

aqui falei dele. É um homem pequenino, tem pouco mais de 50 anos e uma dinâmica e uma agilidade que não é vulgar ver-se. Fala bastante, muitas vezes com ele próprio, tem sempre uma piada na ponta da língua e fuma muito, dizendo que vai deixar os cigarros porque o filho lhe pede.

Executa várias tarefas e, quando eu chego, brinca, dizendo:

- Hoje está cá o estucador ...

ou

- O pedreiro chegou agora. À tarde, vem o ladrilhador. Carpinteiro só na semana que vem. Tem muito trabalho. 

Um dia desta semana, questionou-me, com um olhar malandro,  como quem sabe a resposta que vai obter.

- Conhece a Igreja de S. Domingos, em Lisboa?

- Por acaso conheço bem.

- Sabe que a igreja, há muitos anos, foi destruída por um fogo?

- Tenho ideia disso, sim. Acho que ouvi ou li sobre o incêndio. (aconteceu em 13.08.1959)

- E sabe porquê?

- Não faço ideia ...

- Havia lá um padre que deitava as beatas no chão ...

Riu-se ... e acendeu um cigarro.

sábado, 17 de abril de 2021

Urgências

Há dias assim. Plenos de actividade, sem tempo para pausas, ocupação ininterrupta e, no fim, afinal que fiz eu? 

No tempo do trabalho (já lá vão quatro longos anos ociosos), havia um tableau de bord, escrito ou mental, que ia servindo de orientação e de lembrança. Assuntos urgentes, tarefas importantes, temas prioritários, tudo pensado de véspera para que o dia fosse o mais produtivo possível. Uma grande parte das vezes, o planeado ficava no tableau, adiado (se eu fosse moderno diria procrastinado) para o dia seguinte ou eliminado por, entretanto, ter perdido actualidade. O desconforto surgia com a vontade de mandar o planeamento "às malvas", deixar que tudo acontecesse e depois se veria.

Agora é muito mais fácil! Não fiz nada do que tinha pensado para hoje? E depois? Qual é o problema? E, como diria o outro, qual é a pressa?

Não há nenhuma urgência que não possa esperar 24 horas e só há dois tipos de problemas: aqueles que o tempo resolve e os outros que nem o tempo consegue resolver.

sexta-feira, 16 de abril de 2021

E ainda ...

O Oeste não vai à capital há "séculos", mas Lisboa desce à província e, atempadamente, graças ao serviço de entregas dos CTT, faz-me chegar o último álbum de Carlos do Carmo, posto à venda exactamente hoje. Sem pagamento nem filas, chegou, completo, numa caixa bem bonita e já foi ouvido na totalidade. Falta apenas ver o DVD que acompanha os dois CD's, mas isso acontecerá mais tarde, talvez à noite.

Para que a sua voz fique gravada na nossa memória e o seu gosto eternizado, Carlos do Carmo deixa-nos no seu último disco as palavras de Vasco Graça Moura, Hélia Correia, Jorge Palma, Herberto Helder, Júlio Pomar, José Saramago e Sophia de  Mello Breyner Andresen. Se outras razões não houvera, e há, bastavam estes nomes para se justificar a audição.

Um grande trabalho e uma grande recordação, para ficar em lugar de destaque, como é devido.

quinta-feira, 15 de abril de 2021

Canalhices

Faz parte do álbum "Com as minhas tamanquinhas", gravado em 1976 pelo grande Zeca.

Tantos anos depois, surgem acontecimentos e ocasiões há em que as palavras são tão assertivas que parecem ter sido escolhidas propositadamente para esses momentos.

quarta-feira, 14 de abril de 2021

Natureza

Mais de um ano decorrido, vamos entrar num novo período de "estado de emergência", que os responsáveis querem e têm esperança que seja o último. Eu também ...

Há um ano, quando ainda se estava no princípio e se esperava que fosse "sol de pouca dura", divaguei aqui sobre o jardim e coloquei uma fotografia de um arbusto, que estava a evidenciar-se e a exibir-se, fanfarrão, com a esperança de ter toda a gente a apreciar a sua beleza. O tempo passou, as pessoas rarearam na rua, caíram as flores, mudou de tom, encolheu-se, perdeu as abelhas, deixou a exibição e de vedeta passou a ignorado.

Mas eis que a mãe natureza, prestimosa, não o deixou cair na amargura e trouxe-o de volta. Em dois dias, as flores surgiram, brilhantes, vaporosas, e chamaram as abelhinhas, para se deliciarem com o seu néctar. E o escovilhão, ou escova de garrafa, ou limpa-garrafas ou Callistenon voltou a exibir todo o seu esplendor e a despertar a curiosidade de quem passa na rua e o espreita, fascinado.

terça-feira, 13 de abril de 2021

Cara de pau

Cara fechada, sem quaisquer manifestações, um bom dia (mal) sussurrado, quase imperceptível. Tem aquele aspecto dos que se costumam definir como gente "a quem todos devem e ninguém paga". 

Não há sorrisos, nem sequer um simples esgar. Concentração máxima, sobrolho franzido, faz o seu trabalho sem uma fala, contraído, como se estivesse a aguardar o cadafalso ou a sentença de morte.

- Precisa de alguma coisa?

- Não.

E lá vai prosseguindo a tarefa, sem esforço físico mas com um peso na "pinha", que deve ser enorme. Nem os músculos da face mexem e até a "maçã do Adão" permanece imóvel.

Terminou. Baixinho, quase em murmúrio, duas palavras seguidas:

- Boa tarde.

- Uma boa tarde também para si e obrigado.

O objectivo é "fazer aquilo que se gosta e gostar daquilo que se faz", mas há pessoas que não conseguem. É a vida!

segunda-feira, 12 de abril de 2021

Sonhos

Esta noite tive pesadelos.

Sonhei que me tinham obrigado a ler as justificações do Juiz Ivo Rosa e o livro do ex-primeiro-ministro José Sócrates. Foi duro! Vi-me a braços com a fuga das folhas do Juiz, como tinha acontecido a Ricardo Araújo Pereira, no seu programa de ontem, e também com as letras muito pequeninas que, imagino, deve ter o novo livro candidato a best-seller. Tudo isto se deve à idade, acho eu, e o mais aborrecido é que os sonhos estão muito longe de ser o que eram ...

Feita a higiene da manhã, com o duche a lavar os devaneios sinistros da noite, tomado um bom pequeno almoço seguido da imprescindível "bica", um salto ao mercado semanal que, finalmente, voltou. Era preciso ir comprar uns morangueiros para "retanchar" os que não vingaram e aproveitar para "cuscar" como se estava a processar o regresso da vida ao espaço. As pessoas voltaram. Muitas. Os vendedores da zona dos produtos hortícolas estavam felizes e exibiam o sorriso correspondente. A avaliar pelo número de compradores, tudo indica que o coronavírus despertou o interesse pela agricultura em muita gente amadora.

Por aqui, as framboesas circundam o jacarandá (que já ultrapassou o telhado) e estão lindas, com o verde pintalgado do branco das flores. São agora a sala de visitas das abelhas e das borboletas, como esta que por lá estava hoje, ainda a manhã não ia a meio, e que nem sequer se assustou com a presença de quem lhe invadiu a privacidade, sem respeito nem autorização.

domingo, 11 de abril de 2021

Vícios ou ajudas

O pesadelo que nos acompanha há mais de um ano exige resistência e capacidade para conseguir manter o equilíbrio, limitando tanto quanto possível os estragos e tentando que a cabeça se mantenha a laborar com as peças todas, com sentido crítico e discernimento para que as parangonas noticiosas não provoquem pesadelos nocturnos.

A leitura e a música têm servido de companhia constante, "companheiras de jornada" que já eram e que agora reforçaram o seu compromisso, revelando-se fundamentais e imprescindíveis.

Três intervenientes de quem gosto bastante: Cristina Branco, Mário Laginha e António Lobo Antunes. Sem qualquer preocupação de ordem de preferência, representam a companhia que me têm feito o canto, a música e a leitura.


E, no fim, fica sempre a sensação de que, se gostássemos um pouco mais de nós, talvez conseguíssemos ser mais felizes e contrariar a "sina".


sábado, 10 de abril de 2021

Mentira

Corria o primeiro ano da década de setenta do século passado e as rotinas eram poucas e muito circunscritas.

- Há festa em ... e hoje o baile é com o Conjunto ... Vamos lá?

Uma colecta para a gasolina rendeu os 20$00 necessários para a viagem - cada litro da normal custava 5$30 - e quatro litros chegavam para quase 50 quilómetros. Não era tão longe ...

O empregado da bomba (nessa altura havia empregados nas bombas) ouviu, a brincar e entre risota:

- Ponha 20 paus para atestar ...

E lá foram quatro mariolas, numa noite de sexta-feira, à procura de música e da bailação. Havia muita gente, barulho, leilões para ajudar nas despesas, quermesse, muito vinho, já algumas bebedeiras, apesar de pouco passar das dez da noite. A música ainda era gravada e o conjunto preparava-se, no palco, para começar a tarefa de fazer bailar toda a gente, novos e velhos, que "só há festa uma vez por ano".

As meninas sorriam, a aguardar o convite feito com discrição. As mães controlavam o par e assim que as filhas se encaminhavam para o centro do arraial, seguiam o mesmo caminho, dançando umas com as outras, bem perto, para evitar as "indecências".

De repente, qual furacão, o homem surge a espumar de raiva e dirige-se a um dos do grupo. Todos os olhos caíram sobre ele e a menina, seu par.

- Larga! A minha filha não dança com "gajos" casados.

E, palavras não eram ditas, o braço forte puxou a filha e levou-a, apartando o par, sem ouvir a explicação dada entre dentes, com alguma aflição à mistura e um rubor na cara que quase parecia a camisola do Benfica:

- Não me conhece de lado nenhum ...

- Desaparece, antes que te faça a "tromba" num bolo!

O  conjunto parou de tocar. A multidão encarou os intrusos com ar de poucos amigos. A saída foi feita "de fininho", pela "esquerda baixa" e a festa deve ter continuado depois, sem valdevinos a perturbar. Já bem longe, uma paragem para recuperar o fôlego e controlar o medo e as emoções, e descobrir a origem do desacato.

- Estavas a ir longe demais? Ou a apertar muito?

- Não. Até estava a conversar, a dizer que era a primeira vez que vinha à festa e que a menina dançava muito bem.

- Mas o homem conhecia-te, de certeza.

- Nunca o tinha visto.

A entrada no café trouxe luz e mostrou a razão evidente da bronca. A aliança tinha sido escondida no bolso, mas a marca no anelar da mão esquerda traiu.

A mentira tem perna curta ... mesmo a bailar! 

sexta-feira, 9 de abril de 2021

Justiça

Quase sete anos depois, com a leitura de uma resma de folhas A4 que demorou mais de três horas, a "montanha pariu um rato".

Dir-se-á que é o tempo da justiça e o estado de direito a funcionar mas, para um leigo, ainda por cima com dificuldades no entendimento do "direitez", é triste ver o resultado, depois de todo este tempo na praça pública. 

Ficará para a história o falhanço da acusação e, como sempre, a culpa será apenas da interpretação e nunca da incompetência. O Ministério Público, depois deste atestado, vai por certo recorrer e procurar salvar a face com esse recurso. O Juiz teve o seu "tempo de antena", leu o "romance" de muitas centenas de páginas, que agora será escalpelizado e analisado por Departamentos superiores.

Veremos os desenvolvimentos futuros, com muitas dúvidas de que tudo se concluirá ainda na vida dos intervenientes.

quinta-feira, 8 de abril de 2021

Miséria

A morada era um carro, velho, coberto por uns panos grandes, seguros por elásticos, que se encontrava estacionado junto a um, também velho, pinheiro manso.

Vieram as obras de requalificação das ruas e aquela foi uma das contempladas, decerto por fazer parte do plano previsto, reforçado agora por ter passado a ser um dos principais acessos ao enorme restaurante Mcdonalds, que por ali se instalou recentemente.

Abandonou o poiso e acomodou-se a algumas centenas de metros, agora numa carrinha grande, mais nova e mais discreta. Mesmo assim,  havia um pano por cima para assegurar, julgo, algum conforto, e fazer de cortina ao "quarto", protegendo as intimidades. Aqui, ainda mantinha a vista para o restaurante e, de lá, também era visível.

Partiu de novo, obrigado ou convidado a sair. Não o descortinei durante alguns dias e pensei que alguém lhe tinha resolvido o problema e arranjado um espaço para habitar. Surgiu-me hoje, de novo, num outro local, sem vista para o restaurante mas com porta para a rua e para o trânsito.

A carrinha está bem estacionada, não podendo ser legalmente removida nem multada. O "inquilino" por lá vive, sem quaisquer condições de salubridade e higiene. 

Será teimosia do próprio ou toda a gente assobia para o lado, como eu?

quarta-feira, 7 de abril de 2021

Caminhada

O "grupo" voltou hoje às caminhadas, com as cautelas devidas, "mascarados", a distância determinada mas não medida, as vozes bem altas, para nos fazermos ouvir. 

A conversa fluiu e os cinco quilómetros foram percorridos sem esforço e quase sem se dar por eles. O barulho dos carros, tão incomodativo no passado, passou hoje despercebido, tal a ansiedade do reencontro e a satisfação pelo regresso dos hábitos, bem sumidos pelo tempo decorrido sem quilómetros calcorreados em conjunto.

As notícias parecem ser animadoras, muito embora isso já tivesse acontecido noutros tempos e, depois, tudo regrediu e obrigou a reduzir o espaço de liberdade e a circunscrevê-lo à "casinha" e pouco mais.

O tempo ajuda e o azul do céu reforça o efeito da esperança, como se verde fosse. 

Talvez consigamos, desta vez, colocar o "bicho" em sentido e obrigá-lo a depor as armas. 

terça-feira, 6 de abril de 2021

Embirração

Há muitos anos, num colóquio sobre rádio, ouvi um conselho de Joaquim Furtado, dirigido a todos aqueles que faziam ou pretendiam fazer rádio:

"Se não tem nada para dizer ou não sabe o que há-de dizer, cale-se. Ponha música!"

Quase todos os dias isto me vem à lembrança quando vejo os telejornais das várias televisões, os quais, na maior parte do tempo, poderiam ser substituídos por música, que toda a gente ficava a ganhar e eram reduzidas as exibições de braços com agulhas.

Hoje vou seguir o conselho, embora o blogue não seja rádio, não tenha a pretensão de dar notícias e quem "rabisca" as palavras não pretenda ser outra coisa que não um "diaristazito", que tenta escrever sem erros. As imagens abaixo são da ópera La Traviata, representada em Março de 1958 no Teatro de S. Carlos, tendo Maria Callas como primeira figura. Claro que não recordo nada disto (nessa altura nem sonhava que havia S. Carlos quanto mais ópera), mas tenho uma vaga ideia das eleições de Humberto Delgado, que aconteceram em Junho do mesmo ano e deram a vitória ao candidato que ficou em segundo lugar.



segunda-feira, 5 de abril de 2021

Visita

Já por lá não passava há bastante tempo. Um mês, dois, talvez perto dos três, aconteceu a última vez. (rimou mas não foi de propósito)

Fui à Rua Almirante Cândido dos Reis, que toda a gente conhece por Rua das Montras, e a "montra" tinha uma boa exposição. A esplanada estava cheia e havia uma "reunião" de quatro conhecidos, em amena cavaqueira, bem no meio do caminho com, soube-o depois, dois deles a aguardar mesa vaga para voltarem a deliciar-se no poiso habitual e tão ausente nos últimos tempos.

Juntei-me à conversa e por ali estive, quinze, vinte minutos, talvez meia-hora, a falar sobre a cidade, eleições autárquicas, obras, governo, crise, Marcelo e Costa, o tudo e o nada, como convém nestas "tertúlias". Falámos ao mesmo tempo, depressa, gesticulámos muito, que a ânsia de mostrar que ainda sabemos conversar é enorme. Depois, bem, depois fomos cada um à sua vida, mais frescos, mais limpos e mais fortes.

Passaram inúmeras pessoas, o sorriso apenas nos olhos que a máscara não permite mais. Sentia-se o prazer, a boa disposição - quero que me vejam - uma satisfação imensa por parecer que o normal está em vias de regressar, como todos ansiamos.

domingo, 4 de abril de 2021

Páscoa

Uma rosa de uma roseira com mais de 40 anos e um jasmim, que esteve quase morto e surge agora a dar uns pequenos passos rumo à florescência normal.

Assim vai o jardim em mais um Domingo de Páscoa confinado.

sábado, 3 de abril de 2021

Palavras bonitas

ANJO INCOLOR 
 
Abri o livro na altura
em que o Anjo me sorria
e em vez de mel prometia
amor, descanso e ternura.

Falava como que a sós.
E as palavras flutuavam.
Eram pombas que poisavam
no fio da sua voz.

Escutei-o de olhos no chão
como se fosse o culpado,
como se o mundo enredado
estivesse na minha mão.

Abri o peito e mostrei-lhe
a areia, a pedra britada,
os planos da grande estrada
onde o Anjo se ajoelhe.

Ele fitou-me, de frente,
de olhos frios como brasas.
E abrindo e fechando as asas
rasgou o céu, lentamente.

Sobre a folha imaculada
por longo tempo nevou.
Sentei-me à beira da estrada
mas o Anjo não voltou.

Poesias Completas (1956-1967)
António Gedeão
Portugália (1975) 

sexta-feira, 2 de abril de 2021

quinta-feira, 1 de abril de 2021

IRS

Cumpri a obrigação de contribuinte cordato, fiel e legalista. 

Fi-lo na noite de ontem, ainda antes de o Dia das Mentiras se iniciar, embora fosse o dia 1 de Abril o determinado pelo Governo para o início das entregas. Espero que esta minha atitude não venha a ser declarada inconstitucional, porque foi eivada das melhores intenções e no pressuposto de facilitar a vida a quem cabe mandar processar os reembolsos.

Com receio das aglomerações e cumprindo o distanciamento, experimentei, a página abriu e ... foi rápido. Até já sei que vou receber, e quanto. Só desconheço quando. Tomando por certa a conversa de quem manda, vai ser muito em breve e mais cedo do que no ano passado. Dirão uns: "chico espertice"; acrescentarão outros: "pressa de velho"; determinarão, por fim, os mais sapientes e ocupados: "não tem mais nada para fazer, entretém-se".

Talvez todos tenham razão. Contudo, o lema aprendido há muitos, muitos anos, comanda sempre:

"Não guardes para amanhã o que podes fazer hoje."