sábado, 30 de abril de 2022

Palavras bonitas

A VAGA

Como toiro arremete
Mas sacode a crina
Como cavalgada

Seu próprio cavalo
Como cavaleiro
Força e chicoteia
Porém é mulher
Deitada na areia
Ou é bailarina
Que sem pés passeia

Mar
Sophia de Mello Breyner Andresen
Caminho (Abril/2001)

sexta-feira, 29 de abril de 2022

Vida

 Para que a mão seja poupada e porque me apetece, hoje apenas música para os (meus) ouvidos).

quinta-feira, 28 de abril de 2022

Papel

 O papel? Falta o papel! Qual papel? O papel, claro!

Já não sei quem fazia graça com isto, para brincar com a burocracia, mas hoje veio-me à memória não a frase batida do Sérgio Godinho, mas a história do papel que falta e é imprescindível. Devolvemos por falta do papel da prescrição do RX.

E com toda a razão: não fui eu que quis fazer o RX nem me cabe o papel de elaborar o respectivo papel.

O médico prescreveu, a técnica efectuou, a secretaria cobrou e guardou toda a documentação para memória futura. Recebeu o "carcanhol", emitiu os recibos. Mas falta o papel. Sem papel não há palhaços, como no circo.

Vou pedir o papel? Não vou? Indeciso. Vou lá ficar a aguardar que descubram o original ou processem uma segunda via. Entre dentes, talvez sugiram que o velho é chato. Não se lembrou na altura. Ele é que precisa.

Não vou! Fica para descontar no IRS. Dinheiro gasto não faz falta a ninguém!

quarta-feira, 27 de abril de 2022

A Mesa

Não é uma humilhação porque só é humilhado quem deixa e só humilha quem não presta.

Ver o Secretário-Geral das Nações Unidas sentado no topo de uma mesa com seis metros e, no outro topo, um "caramelo" que parece crer que é o dono do mundo, da razão e da mesa, não é agradável nem parece que vá servir para alguma coisa. 

António Guterres foi pressionado pela opinião pública e até por gente que já passou por altos cargos na ONU, para se deslocar à Rússia. Acabou por fazê-lo, embora me pareça que sempre soube que era o mesmo que chover no molhado e que nem o ditado do ratinho - acrescenta sempre um bocadinho, disse o rato. E fez chichi no mar - se aplicaria à situação. Sentar naquela mesa, ser obrigado a aumentar o volume da voz sem uma garrafa de água por perto, com os olhos e os ouvidos do anfitrião bem longe dali, deve ter sido um suplício e uma "refeição" de digestão difícil.

O outro estava longe, bem longe, e surdo, bem surdo.

terça-feira, 26 de abril de 2022

Livros (lidos ou em vias disso)

(...) "Não há qualquer possibilidade, hipótese nenhuma, por mais remota e improvável e fugidia, de Petra Chissomo saber do Rafa e do pai e do carvalho vermelho. Ele olha para o Sininho, enroscado no tapete, as patas já tão magras, as costelas a emergirem. O cão tem os olhos fechados, mas há movimento nas orelhas, como quem estivesse a escutar a conversa e agora estranhasse o silêncio da pausa.

Olham-se. Petra Chissomo parece esperar, há qualquer coisa no ar que ainda não acabou, os gramas a mais dos assuntos inacabados. Não há qualquer possibilidade de ela saber o que ele precisa de lhe contar a seguir.

- Porque é que perguntas o que levou a Isabel com ela?

- Curiosidade. Se não sabes, não sabes. Se não queres dizer, não digas.

- Levou o pior de mim, aquela desilusão, a maior de todas.

A certeza de que escolheu mal, deve ter levado a raiva de não conseguir deixar-me.

- Qual desilusão? Disseste aquela.

- A que tu não podes saber e no entanto sabes.

- Eu? Não sei enquanto não disseres.

- Seja. Já que vai ser assim. Tenho de dizer, não é?

- Tens de dizer. Tens de fazer acontecer. Antes de seguirmos." (...)

Cuidado com o cão
Rodrigo Guedes de Carvalho
D. Quixote (2022)

segunda-feira, 25 de abril de 2022

Liberdade

Para mim e para muitas outras pessoas, hoje é dia de festejar o aniversário e de lembrar sonhos que estão por cumprir, coisas que não se fizeram, tempos que já foram. 

Com esta idade, os sonhos já só acontecem a dormir. Os outros, se não se concretizaram, talvez já não aconteçam. Nesta noite, dei por mim a convidar a Liberdade para comigo almoçar, e, assim, comemorarmos o aniversário em conjunto. Apesar de ela ser bastante mais nova do que eu, tinha alguma esperança de que aceitasse e, até, ficasse satisfeita com a lembrança do idoso. 

- Nem pensar. Já me conheces há tempo suficiente para saberes que não quero nem devo privilegiar ninguém. Aliás, conheces bem a minha história e sabes que foi para acabar com os privilégios que vim ao mundo há 48 anos, trazida com orgulho por um punhado de portugueses corajosos.

- E achas que conseguiste? 

- Resposta difícil, tais são as incertezas e os escolhos que procuro contornar. Mas já muita coisa se alterou e o jardim tem um aspecto e uma vida completamente diferentes.

Compreendi as reticências da minha amiga, ou melhor, reconheci que a não devia ter convidado, uma vez que, apesar da nossa ligação fraternal, ela tem muito mais que fazer do que almoçar com um qualquer egoísta que a pretende só para si. Talvez até nem tenha tempo para almoçar, tal o trabalho imenso que a mantém atarefada e com uma preocupação constante de tentar evitar aqueles que, à sombra da sua benevolência, não hesitarão em matá-la à primeira oportunidade. Não lhe gabo a sorte e estarei por aqui para lhe dar a ajuda de que for capaz, considerando que as minhas limitações já vão sendo significativas.

Acordei! E veio-me à memória Sophia:

Esta é a madrugada que eu esperava 
O dia inicial inteiro e limpo 
Onde emergimos da noite e do silêncio 
E juntos habitamos a substância do tempo.
O nome das coisas
Sophia de Mello Breyer Andresen
Caminho (2004)

Viva o 25 de Abril, SEMPRE!

domingo, 24 de abril de 2022

Candeeiro

Esta é a altura em que vemos, ouvimos e lemos dissertações imensas sobre o país que o dia de amanhã, em 1974, despertou e transformou. A maior parte delas registam situações, hoje quase absurdas, que se viviam nessa altura e que, vistas a esta distância, não lembram ao diabo. Esta não foge à regra e serve apenas para a confirmar.

Outras há que, menos cuidadas ou propositadamente omissas, registam estórias para encher o olho e o ego, regra a que também esta não fugirá. Ainda bem! O país (e o mundo) não tem nada a ver com o daquela época e não é apenas por vivermos em democracia, haver partidos políticos, não termos censura nem polícia política, e existirem hipóteses (quase) iguais para todos, independentes da qualidade da madeira do berço. A vida minimamente digna ainda está longe de ser totalmente abrangente, mas mesmo os mais miseráveis vivem indiscutivelmente melhor, embora com muito caminho a percorrer.

Há coisas que, contadas hoje, parecerão da Idade da Pedra e completamente incompreensíveis para os mais novos. Se um qualquer professor se lembrar hoje de perguntar o que significa torcida, o mais provável é receber como resposta de que se trata da claque apoiante de um qualquer clube de futebol. Ninguém se lembrará, felizmente, da tira que, mergulhada no petróleo existente no "depósito" do candeeiro de vidro, garantia a iluminação de muitas das casas portuguesas, em finais da década de cinquenta do século passado. Um pequeno rodízio fazia com que a torcida subisse ou descesse, aumentando ou diminuindo a chama que dava a luz a quem da eléctrica apenas conhecia a dos candeeiros da rua, não em todas as terras e muito menos em todas as ruas.

Hoje, o candeeiro de vidro já não leva petróleo e é apenas um peça decorativa, cara, pousada sobre um qualquer móvel de recordações para visita ver.

sábado, 23 de abril de 2022

Premonições

Estamos como o burro do espanhol: agora que já estávamos habituados a usar máscara, veio o decreto que elimina a obrigatoriedade de com ela andar.

Marcelo, com a rapidez do costume, promulgou o decreto que, em consequência, se encontra em vigor. Hoje, talvez por insistência dos jornalistas, o Presidente teve uma conversa "informal" com eles e deu a conhecer que, quase de certeza, as reuniões de Guterres com o "caramelo" que manda na Rússia e quer estender o seu mando como quem estende uma toalha sobre a mesa, e também com o Presidente da Ucrânia invadida, as quais devem acontecer no início da próxima semana, irão ser determinantes para o fim da guerra. Marcelo opinou, quem pode duvidar.

Significa isto que quer a pandemia quer a guerra poderão estar em vias de extinção, tal como o lince da Serra da Malcata? Talvez. Marcelo costuma ser assertivo e antecipar tudo e o seu contrário.

Vamos ver o que acontece nos próximos dias, com a esperança de que, desta vez, Belém acerte em cheio nas duas, promulgação e palpite.

sexta-feira, 22 de abril de 2022

Escondido


Talvez tenha vindo para frequentar a universidade, mas escondeu-se e quase passa despercebido.

quinta-feira, 21 de abril de 2022

Paciência

A necessidade de esclarecer a contabilização e um pedido de pagamento obrigou-me a procurar um endereço electrónico para responder, uma vez que o que me foi enviado transmitia, imperativamente,  que aquele endereço não fosse utilizado para responder. 

Fui à página da NET mas contactos electrónicos não existiam. Indicava-se um número de telefone para qualquer contacto.

Que desespero! Tentar saber apenas um endereço electrónico é pior que percorrer a via sacra! A chamada já leva mais de quatro minutos e continuo a ouvir um arrazoado dissertando sobre a protecção de dados e afins.

Não há pachorra! Desisto, que são horas de ir jantar, tema muito mais interessante e importante.

quarta-feira, 20 de abril de 2022

Roseira

Não aguentou a ventania. Havia sido plantada no jardim há muito, muito tempo. Talvez trinta anos, talvez mais. Era a mais antiga e ostentava algumas rosas na primavera que foi a sua última. Caiu de noite, para que ninguém visse. O vento foi implacável e aproveitou-se da sua fraqueza e incapacidade para resistir. Como tantas vezes acontece com tanta situação ...

Deixa duas herdeiras que, cheias de força e vontade, resistiram sem problemas às inclemências do tempo. Partiu a roseira mais velha, ficaram as descendentes que, juntamente com as outras que por cá moram, hão-de continuar a dar alguma beleza ao jardim.

Tudo tem o seu fim, tudo continua.

terça-feira, 19 de abril de 2022

Cuidado com o cão

(...) Cesse tudo quanto a antiga musa canta,
que outro valor mais alto se alevanta. (...)
Os Lusíadas - Canto I

"Chegou, viu e venceu"

Como era esperado, o carteiro trouxe-o hoje, dia oficial da colocação à venda, autografado e tudo. E já começou a ser lido.

Remeteu para a fila de espera a "Morte e ficção do Rei Dom Sebastião", de André Belo, (Tinta da China),  e o "Contágios", de diversos autores (Visgarolho), que ficarão a aguardar melhor oportunidade para serem concluídos. Talvez não o merecessem, mas devem ter paciência. Nem sempre tudo nos corre bem.

Tendo em conta os trabalhos anteriores, as expectativas são elevadas para este novo livro de Rodrigo Guedes de Carvalho, mas as conclusões serão tiradas no fim. Não são de prever desilusões e o princípio já o indicia.

Agora é ler, para chegar ao fim tão depressa quanto o deleite o permita. 

segunda-feira, 18 de abril de 2022

Divagações

Há todos os dias coisas que aprendo, aparecem diariamente muito mais assuntos que ignoro. Não tem nada de mal nem de anormal, é verdade, e acontece, digo eu, a toda a gente, mesmo aos que pararam no tempo e acham que nem vale a pena perder uns minutos com um tema que ignoram e também àqueles que sabem tudo e de ninguém precisam.

É bem mais fácil comer o peixe já misturado no acompanhamento, previamente despido da pele e das espinhas, do que ser colocado frente ao prato onde paira a posta, e conseguir que, com esforço, calma e atenção, lhe sejam retirados os componentes que não irão ser deglutidos.

Com tantos anos já decorridos, seria admissível pensar que já não apareceriam coisas completamente novas, assuntos totalmente ignorados, temas simplesmente desconhecidos. E nada disto acontece, felizmente. Depois disto, surge a interrogação, a constatação da estupidez, a vontade de abanar, agitar, revoltar, modificar.

Se o mundo tem tanto de aliciante para todos, se cada um pode dar o seu contributo útil, como compreender que "meia dúzia" continue a subjugar a imensa maioria e se repitam situações de opressão, dizimação, violência, sem preceito nem respeito por ninguém.

A estrada será estreita. Todavia, todos poderiam nela caber, se cada um ocupasse apenas o seu espaço e se preocupasse em não invadir o dos outros.

Divagações!!!

domingo, 17 de abril de 2022

Palavras bonitas

QUEREM O CÉU

Querem o céu, a mística ilusão
Da alma.
E, se estivessem lá,
Queriam a terra, a sórdida morada
Da raiz.
Mas é o céu que lhes diz
Eternidade,
Verdade,
Santidade
E descanso.

Assim se pode mistificar
A preguiça,
O pecado,
A mentira,
E a transitória vida natural.

O grande tecto azul, porém, não dá sinal
De acolher o aceno.
Afaga as nuvens, e da luz solar
Faz o dia maior ou mais pequeno.

Cântico do Homem
Miguel Torga
Coimbra (Jan/1974)

sábado, 16 de abril de 2022

Largo Estragado

Na designação camarária, oficial e obrigatória nos registos, é Largo do Colégio Militar. Ninguém saberá explicar bem porquê e quais as razões que motivaram a homenagem à instituição que, na capital, há mais de duzentos anos se dedica, quase em exclusivo, ao ensino de futuros militares. O Estragado, que sempre deu nome ao Largo, foi despromovido e passou a usar as divisas de Beco, perdendo os galões de Largo.

Não parece que o grande oleiro que foi e que por ali manteve a sua olaria, produzindo bens de carácter utilitário para todas as famílias, das mais abastadas às menos afortunadas, merecesse tal despromoção, ainda por cima feita à revelia da "parada" e sem conhecimento da grande maioria dos "soldados", "sargentos" e "oficiais". Enfim!

Apesar das decisões, da publicação e da saída "à ordem", continua a ser o Largo do Estragado o nome pelo qual é conhecido por todos. Sem contar os que lá moram ou por perto residem, não haverá muita gente na cidade que consiga localizar rapidamente o Largo do Colégio Militar. Se for perguntado pelo Estragado, quase todos terão a resposta na ponta da língua.

O Largo anda há mais de dois anos a ser arranjado, perdão, requalificado, e não há meio de as obras de requalificação - é bem mais bonito assim, não haja qualquer dúvida - ficarem prontas. A pandemia, a pandemia, a pandemia, a pandemia, ainda a pandemia e ... nem a mudança de regime camarário conseguiu o milagre. Os elementos que hão-de propiciar as delícias da criançada ainda estão "embrulhados" em panos, por certo para se não sujarem até à inauguração. As vias que o circundam, um dia parecem estar prontas, no outro aparece logo mais um buraco e novo trabalho de calceteiro. Se chove, surgem poças de água a demonstrar que o nível foi mal calculado e a água, que o determina, fica por ali. Mais umas fitas vermelhas, uns sinais de obras e de proibição de trânsito, um ou dois trabalhadores, uma maquineta pequena e, de novo, uma requalificação da calçada, não um arranjo. 

A requalificação caminha, devagar, mas caminha. Se fosse arranjo, seria mais rápido, mas não tinha a repercussão devida. Não era a mesma coisa ...

O Estragado, lá onde estiver, deve rir-se e achar que era bem mais fácil fazer bilhas, alguidares e jarros do que arranjar, melhor, requalificar o largo que é seu, de facto, mas não de direito.

sexta-feira, 15 de abril de 2022

Teatro

Há mais de dois anos que não acontecia. 

Ontem foi noite de teatro no CCC e aconteceu uma daquelas que dificilmente se esquecerá. A peça, COCHINCHINA, uma adaptação do livro Princípio de Karenina, de Afonso Cruz, feita por Sandra Barata Belo, encheu a noite.

Victor d'Andrade foi o protagonista, num regresso à sua terra natal, muito bem acompanhado por Margarida Vila-Nova e Patrícia André. Excelentes interpretações, uma encenação linda e fora do esperado, e uma sala, cheia, que aplaudiu de pé os três actores, enormes no seu desempenho.

Hoje, logo pela manhã, a notícia que ensombra o Teatro: morreu Eunice Munoz, a "Mãe Coragem" que, felizmente, tive oportunidade de ver várias vezes em cima do palco, onde os actores se dão na plenitude e mostram todo o seu valor.

Eunice era enorme e assim permanecerá na memória.

quinta-feira, 14 de abril de 2022

"Reset"

Está um caco. Não que esteja sujeito a partir-se, isso não, o físico ainda mantém algum vigor. O cérebro, esse, deixou de funcionar e não há "ferramentas" que o recoloquem no sítio. Não há ninguém conhecido, não há palavras proferidas, já nem sequer sussurros ou sorrisos. Olha para o infinito, mesmo quando lhe dizem para se sentar no carro. É lá bem ao fundo que estará o que procura e já não tem meio de encontrar.

A mulher vai levá-lo a ver o mar, mesmo parecendo que isso pouco lhe dirá. Talvez goste das ondas, lá ao fundo e elas lhe tragam alguma felicidade. O horizonte é extenso, pode olhar sem limite.

As indicações são de que, a cada dia que passa, a ausência vai-se acentuando e assim continuará, inexorável, até que a "máquina" se canse e dê por finda a tarefa.

Nunca se está preparado, por mais que saibamos que é assim. Custa ver quem connosco brincou, correu, saltou, bebeu, fumou, esteja "branco". 

O F. está arrumado. Não terá disso noção e talvez seja melhor assim.

quarta-feira, 13 de abril de 2022

"Os cadernos e os dias"

Gonçalo M. Tavares é um escritor que faz parte de um núcleo, reduzido, de gente das letras, bem mais nova do que eu, que muito aprecio e procuro ler com regularidade. Nesta regularidade está incluída a crónica semanal por ele publicada na revista do Expresso, que sempre me abre horizontes, me desperta para curiosidades, me chama a atenção para evidências que, de outra forma, talvez passassem despercebidas, me extasia e causa inveja, pela qualidade dos pensamentos e pela forma como são expostos.

O Expresso sai, de novo, já amanhã - o tempo passa a correr - e a leitura da revista da semana passada só hoje foi concluída. E é lá que se podem ler estas preciosidades, aguçando o apetite para o que virá a seguir.

(...)
3. A palavra "antigo" tem então, hoje, bem menos tempo lá dentro. Em 2022, ao fim do dia, uma notícia da manhã é uma notícia antiga. Eis o que todos sabemos.
Em termos de informação, um dia torna-se antigo ao ritmo dos minutos e nunca das horas, as vinte e quatro, que o calendário estipula - e esta aceleração da informação não deixa que os humanos se escondam.
(...)
8. No século das montras. Eis onde estamos. É preciso uma montra e luz que incida nela. Quem não está exposto atrás de um vidro ou quem está no escuro, está - por exclusão de partes - numa passadeira rolante, alistado no pacífico exército dos consumistas. Podemos rodar por estes três espaços, mas pouco mais. Podemos pensar que não é assim, mas de facto não caminhamos de uma montra para a outra em cima, afinal, de uma passadeira rolante. Mudamos de sítio, ou seja, de produto à nossa frente, sem esforço algum. Quer estejamos no espaço físico, lá fora, quer estejamos sentadíssimos diante do ecrã. 
Os quietos e os preguiçosos há muito que não são excluídos do reino do consumo. São demasiados para serem ignorados.
9. Sejamos claros, amigo Jonathan. Um ser vivo fica obsoleto quando se torna inútil e torna-se inútil quando não consome. 
A inutilidade já não é a incapacidade para produzir - inútil já não é quem não trabalha. Há muito o centro passou das mãos que fazem para as mãos que anseiam.
Aqui continuamos. Mais estúpidos, sim, mas ainda com dez dedos.

Gonçalo M. Tavares
Os cadernos e os dias
Jornal Expresso (08.04.2022)

terça-feira, 12 de abril de 2022

Correspondência

Pouca gente hoje escreve uma carta e menos ainda imagina o que significava receber um postal dos correios, normal ou ilustrado, enviado de um qualquer sítio onde se tivesse ido, mesmo que houvesse algum atraso e a correspondência chegasse depois de o "escritor" ter regressado.

Num tempo em que pontificam os emails e as SMS, de uma comunicação breve e rápida, ilustrada por  imagens, símbolos e abreviaturas que dizem tudo, sabe bem ouvir uns versos pretensamente simples, cantados com uma voz "ingénua", recordando tempos que não se repetem.

segunda-feira, 11 de abril de 2022

Embirrações

A semana da Páscoa começou hoje e, pelo que se ouve e quer fazer crer, a população deslocar-se-á em massa para os destinos turísticos da moda, nacionais e estrangeiros, aproveitando as merecidas férias a que todos, sem excepção, têm direito. Felizmente que já bem longe vai o tempo em que isso não acontecia, nem por direito quanto mais por falta daquilo com que se compram os melões, ainda hoje. As redes, modernas "catedrais" de notícias, ficarão inundadas com fotos em vestimentas de praia, completadas com as das iguarias saboreadas em restaurantes da moda, de preferência com a companhia de um chef bem conhecido e badalado.

Durante alguns dias, a barbárie da guerra da Ucrânia, a actividade sísmica nos Açores ou os números da pandemia, serão relegados para as notícias pouco importantes, que o lazer pontifica e determina, apesar de, para nenhuma das três referidas, se vislumbrar solução no curto prazo.

António Costa viu o programa do seu governo aprovado e vai apresentar amanhã o orçamento para 2022, o qual, naturalmente, seguirá o mesmo caminho da aprovação, ainda que apareçam mil e uma soluções bem mais milagrosas, oportunas e claras, que não serão tidas em conta.

Em França, Emmanuel Macron e Marine Le Pen irão disputar, a 24 de Abril (data curiosa) a segunda volta das eleições presidenciais francesas, cabendo aos cidadãos daquele país decidirem se há nova inquilina no Eliseu ou se se mantém o actual. Entre les deux, mon couer ne balance pas.

Em resumo, tudo tratado e ... nada resolvido!

domingo, 10 de abril de 2022

Privilégio

Viver na cidade e ter o campo, cheio de tremoços e papoilas, a cerca de quinhentos metros é um privilégio.

Foi por aqui hoje a caminhada matinal. O mar ficou para a tarde!




sábado, 9 de abril de 2022

Conversas ... da treta

Lá no reino dos céus ou dos infernos, ninguém sabe ao certo, consta que entabularam conversa dois seres, assim designados para facilitar, bem diferentes entre si mas conviventes em variadíssimas situações da vida de ambos.

A tábua, ufana, preconceituosa, convencida, transmite o seu esplendor e arrogância, passeando o seu brilho já fosco, enquanto discursa para a geral, ainda que só esteja presente um ouvinte.

- Fui fundamental. Sem mim não haveria beleza nas casas e nos escritórios. As salas ficariam sem brilho, os móveis não teriam graça. Nada pode substituir a madeira, pintada, envernizada, ou simplesmente virgem.

O escadote, cabisbaixo, encostado ao canto da parede, aguardava serenamente a possibilidade de alguém ainda dele precisar. Não era provável, mas se acontecesse, ali estaria ele, meio trôpego, mas disponível. Pouco dado a familiaridades, não lhe apetecia muito fomentar a conversa, tendo a certeza de que a estultícia da tábua o arrastaria sempre para a mó de baixo, lembrando-lhe a sua pouca utilidade, a sua vocação para ser espezinhado e sujo, destinado a permanecer no vão das arrumações sem que um pano, sim, um simples pano, lhe limpasse os pingos da tinta, os restos de cimento, enfim, as marcas do trabalho duro. 

- Ao contrário de ti, tábua, eu tinha sempre utilidade embora, reconheço, ninguém me elogiasse. Sem mim, o que seria dos móveis altos, dos aros das portas, dos candeeiros de tecto e das limpezas dos mesmos, da mosca à pontinha de humidade que por vezes aparece lá mesmo em cima, no sítio onde ninguém chega sem mim. E sabes porque vim aqui parar?

Tive um tremelique, acontece aos melhores. Os pés do utilizador baralharam-se, as leis do Newton estiveram presentes e o que parecia impossível, aconteceu.

A tábua, ciente de que o seu protagonismo não poderia ser manchado por um qualquer escadote, ainda por cima sujo e muito usado, para não dizer velho, retorquiu:

- Comigo foi diferente, claro. Alguém, pouco sensato, deixou-me no passeio, talvez para embelezar a calçada. Os pés (ainda) não têm olhos, a elasticidade dos adultos mais maduros já vai rareando, o "desastre" aconteceu. Resultado: fui parar ao lixo, não ao da reciclagem que me cabia por direito, mas ao normal. Por ali fiquei, misturada com todas as porcarias, eu, vê tu, que sempre fui tão caprichosa e tão ciosa do meu espaço, limpo e agradável.

A conversa ficou por ali. Cada um foi para o seu canto meditar na função que desempenharam enquanto se revelaram úteis. Agora eram ambos coisas sem qualquer préstimo, por mais que se esforçassem ...

sexta-feira, 8 de abril de 2022

Calma

Pinturas concluídas, parte-se para as arrumações de tudo o que está amontoado e a ocupar divisões que não deve. Não é fácil esta vida de reformado, sempre disponível para as tarefas que são de somenos importância para os profissionais e que servem, até, para ocupar o tempo que toda a gente acha que abunda.

- Não tem nada para fazer. Ainda morre de tédio ... serve de entretém!

Clarinho como água, tal como quando era criança: "trabalho do menino é pouco, mas quem o perde é louco". 

E contra factos, não há argumentos. Se não se fizer hoje, faz-se amanhã ou noutro dia qualquer. Ninguém pressiona e os objectivos já não são obsessão nem tiram o sono. Por associação de ideias, presumo, lembrei-me de uma frase de um velho, extremamente calmo, sem nenhuma vontade de se desgastar e sempre com discurso apropriado à circunstância que lhe desse melhor descanso e o fizesse respeitado.

- Tem calma, rapaz. Ainda és muito novo e não sabes, mas podes ter a certeza de que, com tempo e vagar, até uma formiga marcha!

Tempo não falta e o vagar está sempre presente ... ou quase.

Vamos a isto, com calma! 

quinta-feira, 7 de abril de 2022

Livros (lidos ou em vias disso)

(...) Com as aulas no Seminário, era cerceada a minha liberdade. Tinha de ir logo de manhãzinha cedo para a Vila, de onde só podia voltar à tarde, ao lusco-fusco. As obrigações da minha nova vida de estudante liceal traziam-me um sentimento de restrição, como se a Vila fosse para mim um lugar de degredo. Parecia-me que eu me ia separar para sempre daquele mundo que até então enchera a minha alma. Já não poderia mais sair pelos campos logo de madrugadinha, como de antes. Àquelas horas, ainda os grilos enchiam o campo com o seu cri-cri metálico. Enquanto eu esperava o café, sentia uma vontade desesperada de ir espreitar as codornizes despertarem com o seu palparate característico da ante-manhã;

Pedro Piedade, Pedro Piedade, 
béu, béu ...

No campo da preguiça as vacas ajuntavam-se ao pé dos currais onde pernoitaram os filhos, e era um bombar continuado, nostálgico e profundo, que inundava de tristeza meu coração de menino. Já não podia mais ir à boca do curral beber a caneca de leite espumoso. Pela primeira vez, as necessidades e as ambições da vida amputavam as minhas tendências espontâneas. Eu ia para o Seminário como quem vai para a cadeia. Deixava atrás de mim a liberdade. Invejei Tói Mulato e os outros que não podiam frequentar as aulas do Seminário.

Era um mundo novo que se abria para mim. Agora obrigavam-me a ter várias aulas por dia e a estudar matérias novas. Adquiri outros gostos. (...)

Chiquinho
Baltasar Lopes
Nova Vega

Nota: Este livro não faz parte do acervo da Casa. Face à minha ignorância do autor e da respectiva obra, o meu amigo ADS fez o favor de o mandar "viajar" da capital ao Oeste profundo, para me proporcionar a oportunidade de usufruir da sua leitura. Baltasar Lopes foi um dos que, em 1936, fundou a revista Claridade e trouxe um novo rumo à literatura de Cabo Verde.

quarta-feira, 6 de abril de 2022

Recauchutagem

Começou (e acabou) ontem a azáfama de tapar os móveis que ainda permaneciam nas salas que irão receber pintura nova. Deu, até, para uma notabilíssima aventura de um escadote, mas ficará para outra altura o registo dos seus detalhes. Não há aventura sem aventureiro e até para isso pode ser necessária uma licença especial, que previna todos e quaisquer enredos.

Hoje, bem cedo, os dois profissionais cobriram o chão, colocaram fita onde a tinta está impedida de tocar, taparam alguns buraquinhos que por ali andavam esquecidos, prepararam tudo e foram à procura do almoço, que o estômago já o determinava e, à tarde, a tarefa, outra. Só voltarão amanhã. Com tudo já bem sequinho e limpinho, pegarão nos pincéis, nos rolos e na tinta, claro. Darão uma vida nova ao escritório e à sala pequena e deixarão tudo sem rugas, sem manchas, sem mazelas, com as paredes a ficarem recauchutadas e rejuvenescidas. Usarão o escadote com os cuidados devidos para não haver surpresas e tornarão os tectos tão belos quanto as paredes que os suportam. 

Apesar de todo este saber da experiência feito, não conhecem tinta que possa ser utilizada na recauchutagem humana, garantiram-me, quando lhes coloquei a questão. E acrescentaram: em lado nenhum do mundo há tinta ou pincel que façam esse trabalho. Muito menos rolo ...

Querias!!!

terça-feira, 5 de abril de 2022

segunda-feira, 4 de abril de 2022

Livros (lidos ou em vias disso)

Morreu ontem, com 98 anos, a escritora brasileira Lygia Fagundes Telles. Na estante cá de casa há quatro livros comprados e lidos já há alguns bons anos. Peguei num deles, abri e resolvi deixar por aqui este pequeno excerto, em memória da "grande dama da literatura brasileira".

"(...) Ana Clara fazendo amor. Lião fazendo comício. Mãezinha fazendo análise. As freirinhas fazendo doce, sinto daqui o cheiro quente de doce de abóbora. Faço filosofia. Ser ou estar. Não, não é ser ou não ser, essa já existe, não confundir com a minha que acabei de inventar agora. Originalíssima. Se eu sou, não estou porque para que eu seja é preciso que eu não esteja. Mas não esteja onde? Muito boa a pergunta, não esteja onde. Fora de mim, é lógico. Para que eu seja assim inteira (essencial e essência) é preciso que não esteja em outro lugar senão em mim. Não me desintegro na natureza porque ela me toma e me devolve na íntegra: não há competição mas identificação dos elementos. Apenas isso. Na cidade me desintegro porque na cidade eu não sou, eu estou: estou competindo e como dentro das regras do jogo (milhares de regras) preciso competir bem, tenho consequentemente de estar bem para competir o melhor possível. Para competir o melhor possível acabo sacrificando o ser (próprio ou alheio, o que vem a dar no mesmo). Ora, se sacrifico o ser para apenas estar, acabo me desintegrando (essencial e essência) até a pulverização total. Vaidade das vaidades. Apenas vaidade. A conclusão é bíblica mas responde a todas as perguntas deste mundo desintegrado e confuso. Os loucos reinando sobre os vivos e os mortos. Dominarão os poucos que conseguirem segurar as rédeas da loucura, quais? Pulmões e mentes poluídas. (...)"

As meninas
Lygia Fagundes Telles
Editorial Presença (2005)

domingo, 3 de abril de 2022

Estaladas

A cerimónia de atribuição dos Óscares de Hollywood deste ano ficou marcada por um actor galardoado - Will Smith - ter dado uma estalada no apresentador da festa - Chris Rock -. por este ter feito uma piada acerca da sua mulher. 

A repulsa pela atitude do actor foi notória mas muitos outros acharam bem, com o argumento simplista do "ele pôs-se a jeito". E isso bastava para que o estalo ficasse justificado. São opiniões destas que abrem o caminho censório, que não precisa de ser posto em lei e que não terá bom fim. 

As piadas, os escritos, as opiniões, o que não gostamos, deve ser combatido com aquilo que são as nossas ideias e as razões que nos levam a não gostar, esclarecendo, justificando, salientando as diferenças e o que nos leva a pensar diferente. Não há nada que justifique o acto de violência, sob pena de castrarmos o pensamento e a criatividade e, no limite, admitir que a entrada da Rússia na Ucrânia, ou qualquer outra situação similar, tem justificação apenas porque, na opinião de uns, os outros se estão a portar mal e devem levar uns açoites.

Saibamos defender a liberdade de todos e o direito de cada um pensar como bem lhe aprouver, mesmo que seja burro e diga que a Terra é plana.

Um pouco de lirismo, no final de um Domingo com céu azul e um cheiro enorme à Primavera que se vai instalando, talvez não fique muito mal ...

sábado, 2 de abril de 2022

Saiba ...

... que, apesar das muitas diligências que as notícias nos informam acontecerem diariamente, por parte das mais variadas personalidades mundiais, do Vaticano à Índia, da China à Turquia, a guerra continua sem sinais de abrandar. Muitos já sofreram as consequências, muitos outros estão a caminho de as sentir e de certeza que os dissabores chegarão ao nosso cantinho. 

- O óleo aumentou cem por cento ... está bonito!

E, apesar das conversas, das sanções e das evidências, ninguém consegue convencer o "indígena" de que ele não é o dono do mundo, por muito poder que tenha ou pretenda exibir.

sexta-feira, 1 de abril de 2022

Obrigações

Tal como no ano passado, confirmei a minha declaração de IRS, relativa ao ano de 2021, na noite de ontem, ainda antes do dia previsto pela Autoridade Tributária se ter iniciado.

Seja a pressa de velho ou a ganância de receber cedo, qualquer um dos apodos me pode ser aplicado sem que me cause qualquer comichão ou vergonha. 

A cada ano que passa, esta obrigação fiscal melhora, torna-se mais simples e sempre mais intuitiva. Quem cuida da actividade informática do fisco tem tido um trabalho digno de destaque e de aplauso. 

Para quem já tem uma certa idade, lembrar o suplício que era preencher a declaração do Imposto Profissional do tempo das calendas, do que obrigava a do Imposto Complementar e dos primórdios declarativos do IRS, fazer, ou melhor, confirmar a declaração é, agora, quase uma brincadeira. Ninguém hoje se imagina a colocar o papel químico (muita gente nem sabe o que é) entre as folhas, com dois clips, pequenos, a segurar, para produzir original e duplicado, depois ir para a fila da Repartição, esperar um bom bocado para ser atendido, aguardar a verificação, datar e assinar, e receber o duplicado carimbado "Recebi o original". Guardar religiosamente esse importante duplicado, garantir que todos os documentos que suportavam os valores nele incluídos não desapareciam, ter a pasta à mão para exibir ao fiscal, se tivesse a "sorte" de a fiscalização lhe bater à porta. E aconteceu duas ou três vezes ...

Agora - bendita informatização - olha-se para o ecran, verifica-se por alto, carrega-se no botão do rato e, serviço cumprido. Há meia dúzia, vá lá, uma dezena de anos, era serviço bem comprido.

Aguardemos que o Medina não tenha dificuldades de adaptação e ponha o dinheirinho na conta, para que a inflação o leve rapidamente. É a guerra de sempre!