sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Alegria ... no trabalho

O dinheiro não faz a felicidade ... mas ajuda muito!

No início da semana que hoje termina atendi um jovem cidadão ucraniano, com as faces muito coradas e um sorriso largo mas envergonhado, cuja razão não consegui descortinar no imediato.
Cumprimentou-me (já não era a primeira vez que falava comigo) e disse-me, num português arrastado e sem concordância gramatical:
- Ter cheque a depositar.
O sorriso alargou-se quando me entregou a ordem de pagamento da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, emitida a seu favor, por cerca de 230.000,00 Euros.
Esteve cerca de 30 minutos a conversar ... da vida e do que agora poderá fazer.
Ontem voltou, mais calmo, já com as ideias claras. Vai mandar uma parte do dinheiro ganho para ser aplicado na Ucrânia, mas "Portugal é meu país segundo. Fico cá".

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Palavras bonitas

TALVEZ

Talvez os galos rujam os leões cacarejem
mas a nossos ouvidos nos pareça o contrário
Talvez leões e galos se riam em segredo
por saberem que andamos desde sempre enganados
Talvez bebamos fogo quando ouvimos silêncio
Talvez sejam serpentes o que chamamos água
Talvez o tempo tenha tanto a ver com o Tempo
como têm cem corvos a ver com uma cigarra
Ou talvez estes versos sejam só o enredo
de dez rios dois astros a névoa de uma casa

Obra poética (1948-1988)
David Mourão-Ferreira
Editorial Presença (1997)

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Dama-da-Noite

Moro no vaso do canto, junto ao pilar que suporta a varanda da casa, mas não nasci aqui. Trouxeram-me lá do fundo do País, de um lugar onde o Guadiana se espraia beijando as duas margens, oferecendo-se a portugueses e espanhóis sem cuidar de saber se mata mais a sede a uns do que a outros.
Apesar de a viagem ter sido agradável (o carro tinha ar condicionado), vinha com receio do desconhecido e a questionar-me sobre o que me aguardava na nova vida.
O primeiro impacto foi positivo. Agradou-me o local, o carinho com que fui colocada num vaso maior, a companhia de outras flores, todas diferentes, belas e cheirosas. O Sol não era tão forte como na minha terra, de vez em quando a nortada abanava-me e obrigava a algum cuidado, para não perder o equilíbrio e a roupagem, havia menos trânsito e o bulício era bem menor.
Por vezes, a memória agitava-se com recordações dos jardins anteriores, com pouca água, pouco cuidado, pouco alimento, pouca atenção.
Experimentei a crista e o fundo da vaga, tropecei nas pedras, escorreguei nas rochas, caí na areia. Não vou ser capaz ... os ramos partiam-se, as flores caíam, o cheiro evaporava-se, o cão mijava-me o tronco ...
Num olhar em volta, mais atento, a realidade beliscava: ao lado, nas outras flores, também havia fragilidades, tristezas, angústias.
Espreitei o Sol, bebi a água da chuva, encolhi-me com o frio, ouvi as vizinhas, olhei para dentro, espreitei pelo canto, mexi as mãos, cocei a cabeça, esfreguei os pés.
Vamos à vida, que o futuro é hoje!
Exalo perfume, dou flores bonitas, valorizo o jardim!
Sou a Dama-da-Noite ... e gosto de mim!

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Mês da música



Hoje, que acaba Outubro, apetece-me dizer que José Afonso foi um grande, grande músico.

O Teatro da Rainha, de quinta a sábado da semana passada, prestou-lhe um excelente tributo, com três espectáculos de alto nível.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Palavras bonitas

Quem me amarrou a ser eu
Fez-me uma grande partida.
Debaixo deste amplo céu,
Não tenho vinda nem ida.
Sou apenas um ser meu.

Nem isso ... Anda tudo à volta
A retirar-me de mim.
Parece uma fera à solta
Este mundo que anda assim
A servir-me de má escolta.

Quando encontrar a verdade
Hei-de ver se hei-de fugir,
Pelo menos em metade.
Depois ficarei a rir
Da minha tranquilidade.

Novas Poesias Inéditas
Fernando Pessoa
Edições Ática (1973)

domingo, 21 de outubro de 2007

Partida

Aguardava-se há alguns dias.
O "bilhete" estava "comprado", faltava apenas saber a que horas chegaria o "autocarro".
Foi há pouco, no final de um fim de semana de sofrimento. Já nem soube o resultado do seu Benfica.
Conheci-o há mais de 40 anos, jovem mecânico de automóveis, numa oficina, no sítio da minha infância. Apesar de já não exercer esse mister, algumas vezes resolveu pequenos problemas mecânicos que me foram acontecendo.
Vivíamos na mesma rua há 30 anos! Em tempos idos, discutíamos quem devia ter a chave, por disputarmos sempre o último lugar da chegada.
Tinha 4 anos e pouco a mais que eu ... partiu, levado pela força indomável do cancro.
Adeus, Q.M.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Palavras bonitas

A GENTE NÃO LÊ

Ai Senhor das Furnas
Que escuro vai dentro de nós
Rezar o terço ao fim da tarde
Só para espantar a solidão
Rogar a Deus que nos guarde
Confiar-lhe o destino na mão

Que adianta saber as marés
Os frutos e as sementeiras
Tratar por tu os ofícios
Entender o suão e os animais
Falar o dialecto da terra
Conhecer-lhe o corpo pelos sinais

E do resto entender mal
Soletrar assinar em cruz
Não ver os vultos furtivos
Que nos tramam por trás da luz

Ai Senhor das Furnas
Que escuro vai dentro de nós
A gente morre logo ao nascer
Com olhos rasos de lezítia
De boca em boca passar o saber
Com os provérbios que ficam na gíria

De que nos vale esta pureza
Sem ler fica-se pederneira
Agita-se a solidão cá no fundo
Fica-se sentado à soleira
A ouvir os ruídos do mundo
E a entendê-los à nossa maneira

Carregar a superstição
De ser pequeno ser ninguém
E não quebrar a tradição
Que dos nossos avós já vem.

Album Fora de Moda (1982)
Letra de Carlos Tê
Música de Rui Veloso


quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Barcelona


O feriado comemorativo da República e um diazito que ainda restava do plano de férias, permitiram uma escapadinha a Barcelona, capital da Catalunha, afinal aqui tão perto. A viagem de regresso a Caldas foi mais rápida do que a realizada pela filha, entre Torres Novas e Lisboa.

Refira-se, para clarificar, que um viajou "pelo ar", enquanto outra, mais prevenida, veio com os "pés na terra".

Barcelona é uma cidade lindíssima!!!

Para além de Gaudi, Miró, Picasso, estão passeios largos, praças soberbas, avenidas vistosas, espaços verdes, mercados arrumados e limpos, gente nas ruas, trabalho intenso, lazer vivido de igual forma, gentes dos quatro cantos do mundo,numa miscelânea de liberdade e de convivência,
de respeito por todos e pelas diferenças de cada um.





Espero lá voltar!
Ficou tanto por ver e ... viu-se muito, num combate incessante entre o cansaço, o prazer e a vontade de usufruir. Ganhou o relógio, implacável, sem qualquer condescendência perante quem tão pouco tempo tinha!

Como se Barcelona não valesse por si só, ainda foi possível recuar 40 anos e conviver com uma "catalã", por adopção e matrimónio, radicada na bela cidade e que viveu e estudou nas Caldas, na juventude que já vai tão longe.

Obrigado D. pelo convívio e pelas recordações que manténs bem vivas.
Saltaste o "muro" e percebeste que, afinal, a rua da tua infância era demasiado pequena.
Ainda é ... apesar dos anos passados.

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Coisas da "Quinta"

Apesar dos mais de vinte anos de "reinado", "Rei Costa" não pára de surpreender e de demonstrar a sua queda, inata, para a inovação.

Depois da "corrida em osso" ao Primeiro Guterres, da entrada no Guiness das rotundas, pela construção mais rápida das mesmas, e das evidentes capacidades e conhecimentos de arquitectura e urbanismo, eis a sua brilhante contribuição para a sinalética a adoptar no novo Códido da Estrada:

O novo sinal está colocado na Praça 5 de Outubro e determina uma excepção para os transportes públicos, excepção essa que a capacidade reinante, confiando, como é seu timbre, na perspicácia dos seus munícipes, deixa à adivinhação de cada um ...

Será autorizado o trânsito para os autocarros?

Poderá ser estacionamento para todos os veículos, com excepção dos mencionados?

Permitir-se-á que toda a gente beba uma cervejinha no 120, excepto os que viajam em transportes públicos?

Ora TOMA e adivinha !!!

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Palavras bonitas

E TUDO ERA POSSÍVEL

Na minha juventude antes de ter saído
da casa de meus pais disposto a viajar
eu conhecia já o rebentar do mar
das páginas dos livros que já tinha lido

Chegava o mês de maio era tudo florido
o rolo das manhãs punha-se a circular
e era só ouvir o sonhador falar
da vida como se ela houvesse acontecido

E tudo se passava numa outra vida
e havia para as coisas sempre uma saída
Quando foi isso? Eu próprio não o sei dizer

Só sei que tinha o poder duma criança
entre as coisas e mim havia vizinhança
e tudo era possível era só querer.

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Ruy Belo