"Quanto mais sei, maior é a minha ignorância" foi uma frase que fixei na década de setenta do século passado (estranho) e me acompanha desde essa altura. Foi-me transmitida por um Professor (assim mesmo, com letra grande) do ISCAL chamado Dragomir Knapic, refugiado da (nessa altura) Jugoslávia e que leccionava Geografia Geral e Económica. Lembro-me dela amiúde e procuro que me desafie sempre. Correndo o risco de ser o "chato de serviço" ilustrei-a para os meus filhos em tempos idos e, mais recentemente, para o meu neto grande. Espero conseguir ainda transmiti-la aos outros três.
Casa situada na cidade das Caldas da Rainha, "nascida" em 1976, numa rua sossegada, estreita e, desde Abril de 2009, com sentido único. Produção: dois frutos de alta qualidade que já vão garantindo o futuro da espécie com quatro novos, deliciosos. O blog é, tem sido ou pretendido ser uma catarse, o diário de adolescente que nunca escrevi, um repositório de estórias, uma visão do quotidiano, uma gaveta da memória.
quinta-feira, 27 de dezembro de 2018
Livros (lidos ou em vias disso)
Vem isto a propósito de um livro que estou a acabar de ler: numa das suas crónicas do Expresso, Miguel Sousa Tavares referia, "en passant", que Milton Hatoum era um dos grandes escritores brasileiros da actualidade e que Dois Irmãos era um romance genial. Desconhecia o autor e, naturalmente, também o livro. Nestas alturas, a minha impaciência e o meu gosto por livros não me deixam hesitar e pronto, mandei vir ... está quase no fim e é, sem dúvida, um livro "enorme" que não chega às trezentas páginas, escrito em português "do Brasil" sem acordo ortográfico!
" (...) A cada mês, na noite de um sábado, a casa de Estelita virava um cassino, explodia de tanta luz, só eles na rua tinham gerador. Os vizinhos não eram convidados a entrar no palacete iluminado, ficavam na janela, intocados na escuridão, admirando aquele chafariz de lâmpadas, tentando adivinhar quem eram os convidados. Naquelas noites, Estelita tinha a audácia de pedir a Zana baldes cheios de gelo. Certa vez pediu um rolo de gaze. Fui levar o gelo e a gaze, e fiquei curioso de saber quem estava ferido no palácio dos Reinoso. Antes de voltar, dei uma espiadela na sala onde iam jantar antes da jogatina. O rolo de gaze havia se transformado em trouxinhas que os convidados usavam para espremer o limão sobre o peixe. Contei a cena a Halim. "São finíssimos, pertencem à nossa aristocracia", disse ele, "por isso adoram aqueles macacos enjaulados no quintal." Um dia encasquetei: me recusei a ser mensageiro dos Reinoso. Minha mãe não tinha coragem de dizer a Zana que eu não era um empregado dos outros. Eu mesmo disse, exagerando um pouco, contando que Estelita atrapalhava a minha vida, que eu não tinha tempo para trabalhar em casa. Halim concordou comigo. E muitos anos depois, quando Zana expulsou brutalmente Estelita de casa, dei umas gargalhadas na cara daquela megera.(...)"
Dois irmãos
Milton Hatoum
Companhia das Letras (2017)
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