Ao Sr. José Ventura Montano(Rogando-lhe socorro para pagar as rendasdas casas em que o autor habitava)Demanda-me usurário senhorioDo já findo semestre a soma escassa,E enjoada de esperas, sei que traçaPôr-me em Janeiro a passear ao frio.Ele em tais casos tem mais brio,Que é homem pé-de-boi, vilão de raça.Já creio que mandado extrai e o passaÀ mão ganchosa de aguazil bravio.Tu, que detestas esta corja horrenda,Que deveu a ganância inútil suaPrimeiro ao chafariz, depois à tenda,O avaro alegra, que um semestre amua;Acode ao caro amigo, antes que aprendaDe cães vadios a dormir na rua.Obras escolhidasBocageCírculo de Leitores (1985)
Casa situada na cidade das Caldas da Rainha, "nascida" em 1976, numa rua sossegada, estreita e, desde Abril de 2009, com sentido único. Produção: dois frutos de alta qualidade que já vão garantindo o futuro da espécie com quatro novos, deliciosos. O blog é, tem sido ou pretendido ser uma catarse, o diário de adolescente que nunca escrevi, um repositório de estórias, uma visão do quotidiano, uma gaveta da memória.
terça-feira, 30 de setembro de 2025
Palavras bonitas (talvez actuais)
segunda-feira, 29 de setembro de 2025
Sinas
Há dias assim!
Apetece-me escrever qualquer coisa e, ao mesmo tempo, interiormente algo me sussurra: não inventes, fica quietinho, à espera que a vontade passe, como o outro.
O lápis continua na mão e desliza, garatuja, gatafunha, risca, não desenha, que isso é mester a que a mão foi sempre arredia, anota, aponta, regista, começa, termina, volta ao sítio que o guarda, repensa, hesita, posiciona-se e, na sua santa ignorância, recoloca-se na mão, aguardando a sua oportunidade de servir, que foi para isso que ele, lápis, foi concebido.
Na oficina, onde o carro teve de ir para mudar a lâmpada do pisca traseiro esquerdo, fundida por excesso de uso, acredito, a senhora do atendimento, após receber o pagamento do serviço, diz:
- Muito obrigada e até à próxima. Um bom fim de semana ... ai, que disparate! Boa semana. Credo, já estou tão cansada ...
E tinha razões para isso. Naquela meia hora que por lá estive a aguardar, a senhora não parou um momento. Fez telefonemas, atendeu clientes, foi à oficina, recebeu chaves, deu chaves, puxou do multibanco, recebeu dinheiro e deu troco, imprimiu facturas, fez folhas de obra, chamou colegas mecânicos, deu opinião sobre o melhor óleo para determinada viatura, orçamentou um pedido de reparação que não foi aceite e, como se não bastasse, ainda veio a correr atrás do distraído que se tinha esquecido da lâmpada que sobrara.
Como o lápis, há gente que nasceu para servir ... e ainda consegue sorrir, mesmo cansada.
sábado, 27 de setembro de 2025
Moderação
Até aqui, uma das minhas grandes preocupações tem sido a moderação - minha e da sociedade -, sempre com a consciência de que não é nada fácil ser moderado e com a esperança de que eu não exceda os limites e que, na convivência social, aconteça o mesmo.
Todos sabemos que, por vezes, podem acontecer excessos por "dá cá aquela palha". O que não sabíamos é que a moderação tinha limites e estes podiam ser matematicamente explicitados e legalmente estabelecidos.
O Governo de Montenegro acabou de nos provar como, afinal, tudo é fácil e possível de quantificar. Até a moderação!
O valor moderado das casas passa a ser de 648.000 € e o das rendas das mesmas, de 2.300 €. Os valores fixados determinam o valor da moderação e estão perfeitamente ao alcance de qualquer bolsa moderada e bem intencionada ...
A moderação está na ordem do dia, nas casas, nos gestos e no vocabulário. Aguarda-se, apenas, que a moderação parlamentar confirme a decisão governamental e que a moderação de Belém a promulgue.
quinta-feira, 25 de setembro de 2025
Livros (lidos ou em vias disso)
"(...) - <<Maldito!>> - murmurou o Mil-homens. - <<Mandou cortar a hera e pôs cal nas juntas do muro ... Quando nós viemos isto não estava assim. Vamos dar a volta a ver se há outro lugar por onde subir>>.
Contornámos o paredão, que dá ali uma volta, e ao pouco de andarmos vimos, quase tapado por um monte de terra de obras, um grande furo, rente ao chão, que se metia pelos alicerces do muro como se estivesse a fazer uma mina. Não havia ali ninguém a trabalhar, sem dúvida por causa da chuva. Depois de reflectirmos um pouco no que seria aquilo, percebemos que era para passar as águas do canal novo, como estavam a fazer em muitas outras casas, pois dizem que agora a gente rica vai ter torneiras nas suas casas, mas eu não vou acreditar até que o veja ... Então, mesmo sabendo que nos íamos encher de lama, pois aquilo estava uma desgraça, metemo-nos pelo furo, e após alguns passos vimos o céu por cima de nós e os galhos de umas árvores por outro furo que subia a pique.
- <<Põe-te aqui>> - ordenou o Bocas, com aquela sua maneira de mandar, quando andava nelas, que não admitia outra resposta senão obedecer. Agachei-me um pouco, e depois de meter a manta por cima das costas, subiu aos meus ombros até chegar à parte de cima do furo apoiando-se nos cotovelos. Espreitou um pouco e desceu com um salto, para ficar especado, encostado à parede e com os olhos postos em nós.
- <<Está ali!>> - balbuciou muito assustado.
- <<Quem, homem?>>
- <<A mulher, a tal senhora ...>>
- <<Eu não vos dizia?>> - argueirou o Mil-homens, como que pesaroso de que fora certo. - <<Mas viste-a bem?>>
- <<Meu Deus, não parece coisa deste mundo! Fiquei sem respiração ...>>
- <<Deixa-te de merdas ... Já tenho vinte e quatro anos e já passou o tempo de acreditar em bruxas.>>
- <<Meu Deus!>> - continuou a falar, como se não nos tivesse ouvido. - <<Põe-te aí; deixa-me vê-la outro bocadinho.>>
- <<Pois eu também quero ver o que é isso ...>>
O Aladio tirou uma garrafa de aguardente, que roubara na tasca e que trazia no bolso da samarra, e bebemos uns valentes goles para nos animar. (...)"
segunda-feira, 22 de setembro de 2025
Complicação outonal
Chega hoje o Outono e traz com ele o céu azul, pouco vento e uma temperatura agradável, que não convida ao banho nas águas, frias, da Foz. Acabou a época!
Ou talvez não! Com tantas alterações que vão acontecendo, no clima não controlável e naquele que podíamos apaziguar, quem sabe se Outubro não proporciona grandes modificações e, talvez, umas boas banhocas. A meter água, vamos ter muita gente ...
Começaram as aulas, a "Uber" está de prevenção, o "restaurante" abre portas com alguma frequência e sempre com o maior prazer, a logística do trabalho aperta, as folhas do jardim vão-se acastanhando e caindo, a "arrumação" dos troncos do pinhal está longe de estar concluída. Para além de tudo isto, que não é pouco, os entendidos recomendam actividade física, para prevenir o "esquecimento" e diminuir o risco dos "diabretes".
Que trabalheira, para mim, que há muito concluí ter feitio para estar de férias.
Vida de reformado é muito, muito, complicada ...
quarta-feira, 17 de setembro de 2025
Palavras bonitas
O VALOR DO VENTO
Está hoje um dia de vento e eu gosto do ventoO vento tem entrado nos meus versos de todas as maneiras esó entram nos meus versos as coisas de que gostoO vento das árvores o vento dos cabeloso vento do inverno o vento do verãoO vento é o melhor veículo que conheçoSó ele traz o perfume das flores só ele traza música que jaz à beira-mar em agostoMas só hoje soube o verdadeiro valor do ventoO vento actualmente vale oitenta escudosPartiu-se o vidro grande da janela do meu quartoTodos os PoemasRuy BeloAssírio & Alvim (2000)
domingo, 14 de setembro de 2025
Adversativas
Pelo céu vai uma nuvem, um ritmo lento, não seu, mas do vento que a impulsiona lá bem no alto. De quando em vez, dá um ar da sua graça e tapa o sol, impedindo o visionamento do azul celeste. Feitios ... a nuvem bem tenta fazer o que quer, lhe vai na real gana ou pensa ser o melhor para si e para as outras que a acompanham.
Porém, os condicionamentos são muitos e nem sempre a sua vontade prevalece. Melhor ainda, é muito raro que seja determinante, se é que alguma vez acontece. Vai de sul para norte, impulsionada pela nortada e, de repente, o vento muda e a trajectória altera-se, sem dar tempo, sequer, para dizer de sua justiça e obstar a um novo rumo que, normalmente, até nem é do seu agrado.
Todavia, como é perseverante, lá prossegue o caminho ditado, não escolhido, sempre atenta à hipótese de tornar ao seu destino preferido, tendo consciência que o importante é fazer aquilo que se gosta e gostar daquilo que se faz. É o sul que lhe agrada, lhe manifesta clareza, lhe dá horizonte, a deixa sonhar e lhe torna, nos dias mais sombrios, uma réstea de esperança que o vento mude.
Contudo, o vento é demasiado teimoso ou dotado de uma personalidade forte para lhe fazer a vontade de forma simples, preferindo sempre os caminhos mais ínvios: roda para sul, depois para nascente, um saltinho a nordeste, uma viragem rápida ao oeste marítimo. Não permanece muito tempo na mesma direcção, não se entende com o imobilismo, adora mudar, dar velocidade à nuvem, mudar-lhe a cor, fazê-la acinzentada, muitas vezes negra, clarinha em outras. A nuvem reclama, barafusta, tenta sempre contrariar. Desistir, nunca.
É a vida ... da nuvem, claro!
domingo, 7 de setembro de 2025
sábado, 6 de setembro de 2025
sexta-feira, 5 de setembro de 2025
Expresso
Preparemo-nos, afincadamente, para o curso intensivo de modas e bordados que a China se prepara, com toda a calma e paciência, para ministrar a todo o mundo, sem necessidade de matrícula nem de propinas.
No Expresso desta semana, como sempre, o cartoon de António põe o dedo na ferida ...
quarta-feira, 3 de setembro de 2025
Livros (lidos ou em vias disso)
Vai longe o tempo em que ler Aquilino "obrigava" a ter o calhamaço da Porto Editora sempre à mão. Agora, o telemóvel dá uma ajuda fácil e preciosa, se bem que surjam, de quando em vez, alguns vocábulos, frases ou expressões que a IA ainda não "aprendeu".
O livro chegou há cerca de um ano e é uma (re)edição de 2023 da Bertrand, com o apoio do Município de Moimenta da Beira. Juntou-se aos antigos que por cá "habitam", mas só agora teve direito a leitura. Nem sempre há disposição, e tempo, para o "castigo" que é ler Aquilino ... mas vale sempre a pena. A língua portuguesa tratada pelo Mestre é, ainda, mais maravilhosa.
"(...) Desde aquele momento, a velha igreja adormecida, que o tempo ia consumindo com limar silencioso, acordou à sanha renovadora de meu pai. Dias a fio, o rebuliço quebrou o laborioso encanto da Biblioteca. E uma manhã, uma revoada de aves noctívagas veio abater-se espavorida por detrás dos volumosos tomos de Cornélio Alapide e de Silveira, doutos comentadores de textos.
Minha mãe, na lacrimosa fonte dos monges, lavou de sol nado e sol-pôr. Às braçadas, dos arcazes profundos da sacristia e da casa da fábrica, lhe acarretou meu pai todas as alfaias de linho raso e pano holanda que havia. E tantas eram, que, no dizer de meu mestre, sobejavam para enroupar um albergue de desvalidos. Quando todos estes objectos, artificiosamente obrados, de doce nome e de corte extravagante, alvas, amictos, palas, sanguinhos, frontais, manípulos, corporais, bolsas, secavam ao sol, lembraram-me os estendedoiros de Maria de Nazaré que, antes de ser vaso de eleição, fora modista e lavadeira de delicados dedos.
As minhas devoções cumpri-as agora perante o Cristo exposto no baldaquino da Livraria. Em tempo ordinário, todas as manhãs, antes que meus dedos folheassem livro, dirigia-me à capela a orar e a contemplar. Era um louvável costume que meu mestre me inculcara como fonte copiosa de actividade. Sozinho na nave imensa, a meio dum vagalhão de sombras, o espírito penetrava no meu espírito como o sol por uma vidraça. Do alto tecto alteroso, em uma só curva, a pomba do Paracleto, com rémiges vermelhas laivadas a branco, voejando sobre um bulcão de labaredas, soltava as vozes doloridas: in nidulo tuo moriar. Pisando aquelas lájeas funerárias, eu ouvia-as sempre com a angustiosa obsessão dum peregrino perdido a monte. Em cima, na tribuna, S. Francisco e S. Domingos cresciam em sua estatura severa de gigantes; intimidava-me neles a expressão de força e ombratura de centuriões romanos.
- Não era podoa nenhuma este imaginário - disse-me um dia o senhor padre Ambrósio, apontando com o índex. - Foram assim, apoucados no jeito, grandes no gesto. Rezam as histórias que o papa Honório, terceiro deste nome, em vésperas de confirmar a Ordem dos Pregadores, fundada por S. Domingos, tivera uma visão. O filho de Deus aparecera-lhe armado de três lanças, lívido de cólera, prestes a destruir o mundo que três vícios, a soberba, a cobiça e a luxúria, devoravam. <<Tate! Meu Jesus - acudiu a dulcíssima Virgem Maria - os homens são fracos, são filhos de Adão pecador, mas regeneram-se.>> E, só com mostrar-lhe S. Francisco e S. Domingos, obteve a clemência de Jesus ... De facto, os dois vagabundos dos caminhos salvaram da morte o mundo cristão. Este estatuário não era podoa, Libório, não era ... (...)"
segunda-feira, 1 de setembro de 2025
Tão longe ...
Porque hoje é o "primeiro dia do resto da tua vida", fica por aqui uma escolha tão do agrado do teu filho, meu neto caçula, assinalando a quarta capicua de uma vida que se espera, e deseja, traga muitas.
Parabéns, meu filho!