sexta-feira, 30 de março de 2018

Bur(r)ocracia

Numa Repartição de Finanças:

Quem está a seguir?
Julgo ser eu ... tenho aqui a senha.
- Diga
- Bom dia
- Diga
- Há cerca de 6 meses cedi este bem (exibo a caderneta predial obtida na Net no próprio dia) e ainda se mantém em meu nome.
- Pagou o Imposto do Selo?
- Sim, claro.
- Aonde?
- Aqui

Volta as costas e dirige-se ao computador.

- Quem pagou o Imposto do Selo foi F...?
- Sim
Meia dúzia de letras / números digitados no teclado.
- Já está!
- Já agora, há aqui uma incorrecção: estão indicados 3 números do Registo Predial mas, tal como na matriz, os 3 prédios foram anexados e agora são apenas um ...
- Isso tem qu'ir à Conservatória.
- Não me parece ... isto diz respeito à matriz
- São eles que fazem 

Conservatória, retiro a senha, aguardo que me chamem e, no atendimento, um bom dia rasgado. Melhorámos, penso.

- Venho aqui por indicação das Finanças ... embora me pareça "um passeio à senhora da asneira". A descrição predial é agora uma só, como pode verificar. As Finanças dizem que a indicação do novo número na matriz também é feita aqui ...
Consulta o sistema informático. Baixinho, diz: "é sempre o mesmo".
- O prédio agora é só um, provém dos 3 anteriores como está aqui indicado. No registo está tudo bem e não temos mais nada a fazer.
- Obrigado e um bom dia

Nova ida à Repartição.

- Na Conservatória está tudo bem e dizem-me que não têm mais nada a fazer ...
- ??? (cara feia)
Dirige-se a um colega. Percebo "... tenta no computador a ver se dá".
- Já está corrigido. Agora tem de fazer um requerimento, acompanhado da certidão do registo predial, para comprovar a alteração
- Mas eu tenho aqui o código de acesso à certidão do registo. É só entrar na página da Predial Online e obtém-se de imediato
- Nós não podemos aceder
- Qualquer cidadão tem acesso e obtém as certidões que quiser, desde que tenha o código.
Vasculha uma pasta de arquivo, coloca-me à frente uma fotocópia com riscos e manchas e ordena:
- Tem de adaptar o texto e dizer o que é para fazer
- Desculpe mas eu não faço requerimento nenhum e muito menos nesse papel. Mando a certidão por mail assim que chegar a casa. Obrigado e um bom dia.

Voltei as costas e saí. De acordo com quem me acompanhou, parece que engoli várias vezes em seco, gaguejei e corei, muito, não de vergonha mas de raiva.
Ignorância ou imbecilidade?

sábado, 24 de março de 2018

Quotidiano

Na praça, hoje de manhã:

- Bom dia. Aqui tem a caixinha para o coelho, conforme combinámos.

- Ah! Ainda bem que veio cá hoje; não pode ser para sábado.

- ???

- Pois, tem de vir buscá-lo quinta ou sexta-feira.

- ???

- Sabe, temos que o matar de véspera e à Sexta-Feira Santa não fazemos mortes ...

- Está bem, venho na sexta de manhã.

- Pois, nós matamos na quinta e na sexta cá estará a caixinha com o bicho.

- Obrigada.

- Bom fim de semana para a senhora e obrigada.

Já devias saber que à Sexta-Feira Santa não há mortes ...

quarta-feira, 21 de março de 2018

Dia Mundial da Poesia

CANÇÃO DE EMBALAR

"Nada a fazer, minha rica. O menino dorme.
Tudo o mais acabou."
Mário de Sá-Carneiro

arranja-me bilhetes para o cinema mãe
quero ver a greta garbo no écran
descansar na ilusão daquele rosto frio
adormecer abraçado àquela imagem

arrenda-me uma casa na consolação
para passar férias com o livro do cesário
a melancolia da água mesmo à mão
para passar férias com a dor no coração

leva-me pão à boca mãe molhado em leite
pendura-me no varal da roupa branca
e para longe sopra este coração depressa ardido
depressa mãe sopra a cinza do meu peito

urgentemente peço que me acabes
que repitas o parto no sentido inverso
urgentemente peço que abras uma cova no teu corpo
para mim
e desce por favor a persiana traz-me gin

José Ricardo Nunes
Na linha divisória
Campo das Letras (2000)

segunda-feira, 19 de março de 2018

Palavras bonitas

(Para o meu pai, que faria hoje 96 anos)

PERSEVERANÇA

Abro o leque da sorte, e mostro o jogo.
Outro lance perdido!
Obras do mundo que eu não tenha erguido
Sobre o suor do corpo e da vontade,
Morrem-me assim nas mãos, num dolorido
Gesto de orgulho e de incapacidade.
Mas o fruto humilhante da falência
Tem um azedo gosto que me excita.
Se o destino se engana, ou se dormita
Na hora crucial do desafio,
Então é o mar que há-de encontrar no rio
O sal da terra em que não acredita.

Cântico do Homem
Miguel Torga
Gráfica de Coimbra (1974)

sexta-feira, 2 de março de 2018

Mãe


Do lado de lá da ponte haverá flores bonitas ...
Se assim for, estarás a tratar do jardim, cuidando para que a primavera as floresça e traga cada dia mais encantos.
Sempre presente, apesar dos catorze anos que já lá vão.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Livros lidos (ou em vias disso)

(...) Só desviando a rota chegamos ao nosso destino.(...)

(...) ele sabia o que Cremilde fazia, ela sabia que ele sabia que ela sabia que ele sabia, e entre saberes e fazeres se comunicavam os dois. O silêncio marcava o respeito de Cremilde para com D. Aniceto; e em silêncio D. Aniceto aceitava as tisanas que a escrava lhe fazia na falta de médico na ilha.(...)

Maria Isabel Barreno
O Senhor das Ilhas
Caminho (1994)

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Netos

Faz hoje um ano deixei aqui um voto de grande confiança no futuro, registando o primeiro aniversário do meu neto mais novo.
Um ano volvido, o meu Miguel corre tudo, entende tudo, diz um não rotundo quando lhe parece que o querem obrigar a algo que não deseja, faz caretas de desagrado, olha de lado com um sorriso matreiro, enche a casa com a mãozita que nos chama para um desejo não alcançável sem ajuda.

"Fica a cepa a sonhar outra aventura ..." com a marcação distinta de ser sempre ele e a sua personalidade que, tudo o leva a crer, vai ser muito forte!

domingo, 4 de fevereiro de 2018

Aprender ... sempre

Porque não pertenço à "multidão que, tendo caído no caldeirão, já sabe tudo de antemão", transcrevo, com a devida vénia, a admiração imensa e o respeito por quem sabe, a crónica de Miguel Esteves Cardoso no Público de ontem:

"Estamos todos a aprender a falar e a escrever português, excepto aquela abençoada multidão que, tendo caído no caldeirão, já sabe tudo de antemão. Sendo omnisciente, não precisa de dicionários ou de livros sobre língua portuguesa. Sendo jovem e despreocupada, basta-lhe a erudição monumental da Internet. Para quê esfoliar a pele dos dedos a folhear (ou, como eles dizem, a desfolhar) pesados cartapácios (eles dizem catrapázios), quando bastam duas carícias no teclado para esclarecer logo todas as dúvidas num dos magníficos dicionários digitais que até fazem o favor de validar os erros mais populares dos internautas?
Claro que já não se passa sem a Internet, mas é preciso cuidado. Já há um ditado e tudo: "Se queres aprender bom português, cinge-te ao Ciberdúvidas, ao Chove Chove e ao Hélder Guégués". 
Foi no excelentíssimo Chove Chove, que tanta coisa boa me tem ensinado que soube do Dicionário de Erros Frequentes da Língua de Manuel Monteiro, publicado em 2015. Li-o de uma assentada, chocado com a quantidade de erros que me acompanhou (ou acompanharam?) à minha formidável idade, entendendo-se este último adjectivo como sinónimo de assustadora.
Se eu mandasse neste país, ofereceria um exemplar desta obra-prima da língua portuguesa a todos os portugueses com mais de 8 anos. Nunca um livro divertiu e ensinou tanto. É devastadoramente útil e urgente. É uma apaixonante e inteligente declaração de guerra à ignorância, à preguiça, à complacência e à estupidez.
Precisamos todos dele."

A começar por mim ...

domingo, 7 de janeiro de 2018

Balanço 2017

Apenas como resquício do passado e para cumprir a tradição aproveitando os recursos informáticos, fica o registo dos livros lidos em 2017, sempre com a esperança de despertar o interesse dos meus mais novos para as leituras que, em cada tempo, considerei valerem a pena.

O ano de 2017 já lá vai! O Presidente Marcelo está quase recuperado da operação à hérnia e vetou o "arranjinho" dos partidos; o Trump discute o tamanho do botão com o Kim Jong e conclui que o dele é maior do que o do coreano; a Comissão Europeia vai (agora) investigar o papel (pardo) vendido pelo BES; o Banco Popular já morreu e decorrem esta semana as cerimónias do seu enterro; o mar continuará a bater na rocha e a lixar o mexilhão. 
Esqueçamos o que já lá vai, façamos votos para que o 2018 decorra sem sobressaltos de maior, que os olhos me continuem a permitir ler e que Portugal seja campeão do mundo na Rússia.




sábado, 6 de janeiro de 2018

Expresso


O "meu" Expresso faz hoje 45 anos e merece o destaque de um fiel leitor que, desde o primeiro número, repete um ritual todos os sábados que, nestes anos todos, não terá sido interrompido mais do que uma dezena de vezes.
Semanas melhores, outras nem tanto, o facto é que o Expresso conseguiu manter-me fiel à edição em papel e, desde há algum tempo, à digital diária.
Longa vida ao Expresso, com a qualidade e a liberdade que tem mantido até aqui.