segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Livros (lidos ou em vias disso)

Mantenho, há muitos anos, o hábito de ler todos os dias, muito ou pouco, consoante a disposição e a disponibilidade. Tempos houve em que conseguia ler dois (às vezes mais) livros em simultâneo e não me "perdia nos caminhos". Agora já não há "paciência" para isso e dedico-me a um exemplar de cada vez.

Depois dos contos de Valter Hugo Mãe, referenciados aqui, já se sucederam mais meia dúzia de obras editadas em 2016 às quais, por uma razão ou por outra, não fiz qualquer referência e quase todas a mereciam. Estou a lembrar-me dos contos de Teresa Veiga (Gente melancolicamente louca) e de Mário de Carvalho (Ronda das mil belas em frol); de um romance de Carlos Campaniço (As viúvas de Dom Rufia), que me divertiu bastante ou do regresso de Possidónio Cachapa (Eu sou a árvore). Também não resisti à pressão do mercado e já li o primeiro volume d'A Amiga genial, de Elena Ferrante. Talvez que o Natal traga os outros três.

Neste fim de semana dei início à leitura das 574 páginas do penúltimo de António Lobo Antunes ( o último sairá esta semana, ainda não chegou à Casa mas já tirou o bilhete para a viagem). 
O que já li de "Da natureza dos Deuses" vai dando para perceber que é mais um grande livro do meu escritor favorito, que exige concentração máxima e muitas voltas atrás. Apenas para ilustrar, a descrição de um diálogo sobre uma "invasão de propriedade" intercalada com muitas outras situações, de tal forma que a conclusão surge duas páginas após o início:

"(...) a Senhora e a mãe da Senhora no sofá, pessoas no pinhal, sobre uma manta, a almoçarem, a mãe da Senhora chamou o empregado de casaco branco
     - Quem é aquela gentinha Marçal?
o empregado de casaco branco a espreitar a janela
     - Parece que estão a comer minha senhora
(...) a mãe da Senhora para o empregado de casaco branco
     - Diga-lhes que não os quero ali porque aquele pinhal é meu
(...), o empregado de casaco branco contornou os canteiros, a estufa, o par de árvores da China na orla do jardim, abriu a cancela para o pinhal, abeirou-se da manta da família, com cestos, marmitas, talheres, apontou o reposteiro onde a mãe da Senhora e a Senhora o espiavam, falou, ouviu, tornou a falar, tornou a ouvir, uma criança ofereceu-lhe uma coxa de galinha, um homem apontou-lhe a colher, um segundo homem tirou a coxa de galinha à criança, brandiu-a no sentido da casa e o empregado de casaco branco principiou a regressar vencido, coçando a orelha, enquanto o segundo homem gritava, o empregado de casaco branco fechou a cancela como se aferrolhasse um cofre forte, passou um discóbolo de mármore, o caramanchão, a Vénus com a sua concha ao alto, apagou-se no ângulo da estufa e surgiu na sala, a mãe da Senhora para ele
     - Falou com a gentinha Marçal?
o empregado de casaco branco numa voz prudente
     - Falei
(...), a mãe da Senhora para o empregado do casaco branco
     - Avisou-os de que o pinhal é meu e não lhes dei licença Marçal?
(...), a mãe da Senhora para o empregado de casaco branco
     - E o que responderam eles Marçal?
o empregado de casaco branco a recuar um passo, a avançar um passo, a abrir a boca, a arrepender-se, a abrir a boca de novo, o empregado de casaco branco, no fim de uma pausa interminável, a conseguir um murmúrio
     - Responderam que
a mãe da Senhora, imperiosa
     - Assim não o oiço Marçal
e o empregado de casaco branco, de repente decidido, todos temos que morrer, não é, cerrando os olhos diante do abismo e a precipitar-se nele de voz cheia
     - Responderam que querem que se senhora se foda. 

Da natureza dos Deuses
António Lobo Antunes
Dom Quixote (2015)

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

ONU

Terminou hoje o processo de eleição / designação do novo Secretário-Geral das Nações Unidas, depois de todos os candidatos terem prestado provas, ainda que um (uma) deles apenas tenha chegado para o exame final sem ter ido às "frequências" (devia ser "candidato auto-proposto").

A Assembleia Geral aprovou, por unanimidade e aclamação, a nomeação do português ANTÓNIO GUTERRES para um mandato que terá início no próximo dia 1 de Janeiro e terminará em 31 de Dezembro de 2021. Durante cinco anos, um nosso compatriota terá sobre os seus ombros a difícil tarefa de compreender e facilitar o entendimento dos interesses antagónicos do mundo, promover a paz entre os povos, diminuir as tensões religiosas, étnicas, regionais, económicas e sociais.

No seu discurso, Guterres chamou a atenção para a dignidade humana (ou a falta dela), para a guerra, para a fome, para os refugiados, sublimando os dramas com que convivemos no dia a dia, num replicar da Idade Média no Século XXI.

Estou convicto que António Guterres vai tentar tudo para deixar o mundo melhor do que o encontra e que, no final do seu mandato, não irá trabalhar para um Banco ...

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Emoções

Hoje não foi a ansiedade de Paris nem o nervoso "graúdinho" de ver o tempo a passar e a bola a não entrar; não foi o "terror" de olhar para o relógio e não entender como ele demorava uma "eternidade" para chegar aos 120 minutos; não foi o pulo nem o grito, o grito ou o pulo, não no singular mas num plural sem conta, majestático porque comemorava um feito de majestades.
Hoje foi a emoção: o meu País, pelas mãos de um Presidente da República eleito por sufrágio universal, entregou medalhas aos que fizeram de Portugal Campeão Europeu de Futebol, numa jornada memorável em terras de França, que a todos nos encheu de satisfação, alegria e orgulho.
Entre os medalhados estavam o Fernando Santos, a quem me une uma amizade que dispensa quaisquer adjectivos e tem mais de 50 anos, e o meu filho, que amanhã completa 35 anos.
Ouvir o Chefe do Protocolo do Estado chamar Ricardo Miguel Cândido de Sousa Santos encheu-me (encheu-nos) tanto de orgulho que as lágrimas saltaram do saco e derramaram num "rio" selvagem e sem controlo.

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Livros (lidos ou em vias disso)

Foram vários (seria "pecado" dizer muitos) os livros com que me deliciei nestas férias. Do "Amor  em Lobito Bay", de Lídia Jorge ao "Macaco infinito" de Manuel Jorge Marmelo, passando por "Vamos comprar um poeta", de Afonso Cruz, por Mário Vargas Llosa (Cinco esquinas), Maria Teresa Horta (Anunciações), Pepetela (Se o passado não tivesse asas), pelos "Navios da noite" de João de Melo e pelas inquietudes das mulheres do "velho" Camilo, foram uns milhares de páginas que me distraíram, inquietaram e me deram prazer.

Quase no fim, senti-me de novo na adolescência com os "Contos de cães e maus lobos", de Valter Hugo Mãe, dos quais ficam aqui pequenos exemplos da beleza das palavras, quando são bem tratadas.

As mais belas coisas do mundo

"(...) Convenci-me que as coisas mais belas do mundo se punham como os mais profundos e urgentes mistérios. Eram grandemente invisíveis e funcionavam por sinais dúbios que nos enganavam, devido à vergonha ou à matreirice. O que sentem as pessoas é quase sempre mascarado. Deve ser como colocarem um pano sobre a beleza, para que não se suje ou não se roube, para que não se gaste ou não se canse.(...)"

Bibliotecas

"(...) Adianta pouco manter os livros de capas fechadas. Eles têm memória absoluta. Vão saber esperar até que alguém os abra. Até que alguém se encoraje, esfaime, amadureça, reclame o direito de seguir maior viagem. E vão oferecer tudo, uma e outra vez, generosos e abundantes. Os livros oferecem o que são, o que sabem, uma e outra vez, sem se esgotarem, sem se aborrecerem de encontrar infinitamente pessoas novas. Os livros gostam de pessoas que nunca pegaram neles, porque têm surpresas para elas e divertem-se com isso. Os livros divertem-se muito.(...)"

Contos de cães e maus lobos
Valter Hugo Mãe
Porto Editora (2015) 

terça-feira, 23 de agosto de 2016

Palavras bonitas

Para o meu pai, que partiu há um ano.

CERTEZA
Sereno, o parque espera.
Mostra os braços cortados,
E sonha a primavera
Com os seus olhos gelados.
É um mundo que há-de vir
Naquela fé dormente;
Um sonho que há-de abrir
Em ninhos e semente.
Basta que um novo sol
Desça do velho céu,
E diga ao rouxinol
Que a vida não morreu.

Diário II
Miguel Torga
Gráfica de Coimbra (1977)

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Férias

Acabaram as férias e regressaram as rotinas, por definição repetitivas, entediantes e massacrantes.
Os chinelos e os calções deram lugar às meias, aos sapatos e à vestimenta costumeira.
O "boneco" fica composto com a carteira dos documentos, umas notas no bolso das calças, a esferográfica, a lapiseira, o maço de lenços, o portátil e o pente, acessórios que estiveram inactivos nas últimas três semanas.
O identificador da Via Verde estranhou a ausência de movimento e surgiu amarelado. Foi reformado sem apelo nem agravo no caixote do lixo da empresa e substituído por um novo, pequeno mas elegantíssimo, como convém.
Quanto ao resto, tudo na mesma! 
Faltam só 157 dias (in)úteis.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Netos

Na ordem da idade, é o segundo; na cronologia dos aniversários, o Vasco é o último e faz hoje 5 anos.
Ontem, ao final da tarde, passou por aqui numa visita rápida. Ao pegar-lhe para mais um abracinho, disse-lhe ao ouvido:

- Amanhã ficas maior ...
- Não, avô, só um "cadinho"!

E lá foi, com o pai e o irmão, a correr, como tanto gosta.

sexta-feira, 15 de julho de 2016

Livros (lidos ou em vias disso)

A França foi ontem, de novo, vítima da barbárie e da intolerância de alguns, que redunda sempre em prejuízo de todos.


Estou quase no fim  de um livro escrito por um autor que desconhecia e de quem nunca tinha ouvido falar. Angolano, chama-se Adolfo Maria e, no livro, pretende relatar (nem analiso se com alguma parcialidade) a realidade da vida da maioria da população angolana.

A personagem que "fala" no pequeno extracto abaixo é João Sousa, conhecido no Bairro do Cazenga como kota Medito.

" (...) medito em tudo o que aqui foi dito, medito na difícil situação que estamos a viver, medito nisto que todos do bairro estamos a fazer e que é muito importante, estamos a mostrar a nossa dignidade. Por isso, não posso aceitar propostas de violência sobre os nossos, todos estamos a sofrer e umas pessoas aguentam mais que outras. No mundo não somos iguais a reagir, só somos iguais na nossa condição de humanos, que pensam e querem ser minimamente felizes. Portanto, proponho que se fale a verdade àqueles que estão a ficar receosos; dizemos-lhes, sim senhor, que a situação é difícil, mas se conseguirmos resistir - e tem de ser todos porque isso é que dá força - se conseguirmos resistir, vamos poder ganhar a nossa causa e, depois, ter melhores tempos para todos."

Naquele dia naquele Cazenga
Adolfo Maria
Edições Colibri (2016)

O Sequeira no lugar certo


O quadro "A Adoração dos Magos", de Domingos Sequeira, foi ontem colocado no renovado Piso 3 do Museu Nacional de Arte Antiga, após ter sido adquirido na sequência de uma campanha pública iniciada em Outubro de 2015 na qual foi feito o apelo para que a participação das pessoas impedisse que a obra fosse vendida a particulares ou saísse do País.
Contribuí com alguns "pontinhos" e conto, agora que iniciei as férias, dar um salto à capital para o admirar no local que lhe pertence: acessível a todos.
Feliz ideia que tal permitiu.