terça-feira, 21 de abril de 2009

Livros (lidos ou em vias disso)

Numa época em que tão maltratada é a nossa língua, um pequeno exemplo de como é possível, com a arte de quem sabe, pintar um retrato com o óleo das palavras:

"... Era o nosso mesmo quartel-mestre da véspera, com o seu quê de sargento e de arrais, brutamontes quando imóvel, desengonçado a andar, olhos pequenos e muito negros inseridos à verruma no rosto de largos planos, descerrando uma acuidade suspeitosa quando fitavam. Tinha uma larga e peluda manápula, dedos grossos, patorra comprida e achatada, quase barbatana, como é próprio dum lobo do mar. Primava pela barba turca, tão retinta que, depois de escanhoado, quedava a salpicar-lhe a tez uma escumilha de azeviche que nem vaporizada à pistola. Pois que fora marítimo quando moço, resultara daí conservar maneiras assimétricas e a brusquidão de quem medrara sobre o balancé dos saveiros e ao encontrão dos homens das companhas. Por outra, nada mais natural que a forma mal esfalcada do tronco e toda a sua rudeza primitiva espirrassem dos alinhavos brancos do latim e das letras que assimilara tão de afogadilho..."

Um escritor confessa-se
Aquilino Ribeiro
Bertrand (2008)

1 comentário:

Artur R. Gonçalves disse...

Não é por acaso que se costuma dizer ser a escrita é uma pintura com palavras e a pintura uma poesia com imagens.
Os quadros de Aquilino Ribeiro são um pouco rudes, mas, mesmo assim, plenos de poeticidade.