terça-feira, 13 de novembro de 2012

Sopa de cardos

Baixava-se e, com rapidez, cortava uma folha, que escondia no regaço, por debaixo do avental. Percebia-se que não estava à vontade. Não podia ser receio do dono da terra, uma vez que o terreno era baldio, pertença de todos e de ninguém, e não tinha qualquer aproveitamento. 

Não havia dúvidas: o que a constrangia era o acto em si, o medo de ser vista. No íntimo, fazia algo que não estava certo, fugia ao padrão, era passível de crítica, tinha vergonha.

Fingindo a distracção própria dos garotos, que todos percebem ser artificial, fui-me aproximando. As felosas saltitavam nas figueiras e os pintassilgos, em coro com os rouxinóis, chilreavam nos salgueiros do riacho. O fingimento obrigava-me a olhar a passarada, tentando que a curiosidade fosse satisfeita sem que parecesse ser esse o único interesse da ronda.

Apanhava cardos. Escolhia as folhas maiores, tirava-lhes a nervura central e escondia-as de imediato.

Não resisti.

- Para que quer os cardos?

- Para a sopa, mas não digas a ninguém.

Sabia que se fazia sopa de feijão, de hortaliça. de grão, de nabos, até de abóbora, mas de cardos?!

- Tirando os picos, fica quase como couve. De manhã apanhei caracóis, grandes, vou assá-los. Com a sopa, ficaremos todos bem ceados.

Já haverá por aí quem tenha voltado à sopa de cardos?

Lembrei-me agora: há anos que não vejo cardos daqueles.

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