sábado, 7 de setembro de 2013

Negócio

- Grande negócio!

A alegria era evidente e o entusiasmo contagiante. O sorriso de "orelha a orelha" denunciava que algo de muito importante tinha acontecido naquele dia. Era sexta-feira e, como habitualmente, fazia-se a reunião de balanço da semana e de preparação da seguinte.

Era o tempo em que a debulha do trigo se fazia numa eira de circunstância, normalmente instalada numa terra de pousio cedida por um agricultor da região.

Já se ouviam rumores de que, na América, o trigo era colhido e de imediato debulhado pelas grandes ceifeiras debulhadoras. Dizia-se que, com apenas um homem e em um dia, se ceifava mais na América do que em Portugal na época toda. As máquinas ceifavam, debulhavam, ensacavam e enrolavam a palha, tudo automático e sem outra intervenção que não a do condutor.

Dizia-se ... mas, por cá, continuava-se a ter grandes ranchos de homens e mulheres, que segavam o trigo e o atavam em rolheiros, que as galeras, as carroças e os poucos tractores transportavam para as eiras. Nesse ano, a debulhadora estava instalada na Foz, ali a dois passos de uma das quintas, onde se tinha semeado bastante e a colheita parecia ir ser boa. Faziam-se palpites e acreditava-se não ter menos de quinze sementes.

A máquina era enorme, deslocava-se por si, de forma muito vagarosa, levando acoplada a enfardadeira.

Os atados do trigo eram colocados em grandes medas e o dia da debulha marcado pelo encarregado, de acordo com a ordem de chegada e com o "peso" do agricultor. O custo do trabalho era pago em cereal, com retenção da maquia ajustada, logo no início da debulha.

Na eira, a azáfama era enorme e o pó insuportável. O trigo era ensacado em sacas de serapilheira, atadas com o barbante que o homem a quem competia esse trabalho tinha cortado previamente do rolo e que lhe enchia os bolsos. Da enfardadeira, colocada na traseira da debulhadora, saía o fardo de palha, um paralelepípedo atado com três arames.

- Vendi 1.000 fardos de palha a 4$50 cada! E na eira! O homem vai carregá-los amanhã e já me deu o cheque!

Cheques, na época, circulavam pouco e não eram usados habitualmente em negócios de ocasião, como este tinha sido. Só aos clientes habituais se autorizava este luxo.

Ficou o cheque no cofre, para no sábado, de manhã, se ir "rebater" ao Banco Lisboa & Açores. Na ida semanal ao Banco, levavam-se todos os cheques recebidos na semana e trocavam-se pelo dinheiro necessário para pagar as jornas, depositando-se a diferença na conta. Se a receita da semana não chegava, o patrão, na reunião da sexta-feira, entregava um cheque, para reforço da caixa.

A pasta transportava o dinheiro necessário, bem trocado em notas e moedas, para ser fácil pagar a cada um o (pouco) salário que lhe cabia na semana, de acordo com as presenças anotadas nas folhas de férias, até sexta-feira, e completadas no sábado, antes de se proceder ao pagamento. 

- Esta semana tem cinco dias e um quartel!
- Na segunda-feira fui ao enterro dum tio ...

A lista do desdobramento da verba era entregue em conjunto com os cheques, e o Sr. M. ia ao interior do banco e voltava com tudo muito bem organizado, as moedas em rolinhos, as notas em macetes.

Na semana seguinte, a entrada no banco teve uma saudação especial.

- Tenho um presente para ti!
- ??

- Um cheque devolvido por falta de "chapéu".

Nunca tinha acontecido, mas a surpresa não foi grande ao confirmar que era o cheque da palha. Tínhamos feito um grande negócio na venda. O preço e as condições tinham sido extraordinárias. Só nos faltou receber o dinheiro ... mas isso foi apenas um pequeno pormenor.

1 comentário:

Anónimo disse...

Grande e autêntico documento de vida tão dura quanto ignorada, hoje.