No JL que me chegou esta semana, a autobiografia habitual da contracapa é de Carlos Reis, conhecido intelectual, especialista da obra de Eça de Queirós.
Do texto, interessante, respigo um pequeno extracto que reflecte a frustração sentida por uma parte, significativa, julgo, da minha geração, que teve o sonho de transformar Portugal num país digno e onde fosse possível os nossos filhos viverem mais e melhor do que nós e os nossos pais.
"(...) Depois, foi o que se viu: a 17 de abril, sob a liderança do Alberto Martins, que ainda está na vida pública, a universidade foi virada do avesso. Como iniciação política não podia ser melhor. Das semanas agitadas da crise académica de 1969 ficaram-me imagens que prevalecem até hoje. As boas e as más. Destas, sobrevive a figura sinistra do ministro Hermano Saraiva, com o dedo espetado no preto e branco de uma reprimenda televisiva; muitos anos depois, Saraiva declarou que não se recordava de nada - cargas da GNR, estudantes presos, incorporações militares à força -, amnésia estranha em quem, para muitos (não para mim), foi historiador.
Terminado o curso de Românicas (cinco anos, mais uma tese de 300 páginas, pois então), comecei a ensinar na Universidade. Livrei-me da tropa, o que, para um meu antigo professor, não foi nada bom, vá-se lá saber porquê. Empurrado por esse lapso do Destino, entrei na vida ativa a seguir à revolução de 1974; pertenço, por isso, à geração que viveu a ilusão de mudar o Portugal "remorso de todos nós" (O'Neill, claro), fazendo dele um país mais moderno e mais aberto. Algo se conseguiu, não o nego, mas muitas coisas ficaram por cumprir, outras ameaçam voltar atrás, outras ainda já regrediram, sem apelo nem agravo. Por exemplo, o nosso pequeno mundo cultural, hoje devastado pela tristeza em que os ignorantes que nos regem o fizeram mergulhar. (...)
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