Há finais de dia em que o Sol tem aquela cor indefinível, muito bela, que nos obriga a prestar atenção e a tecer elogios com todo o vocabulário que sabemos e se adequa à situação.
- É um vermelho maravilhoso! Ou será amarelo torrado, doirado, mistura de todo o arco-íris, castanho-avermelhado, cor de mel com laivos de framboesa, lindo!
A incapacidade para a definição matemática da cor que o Sol apresenta trouxe-me à memória uma história que não recordo se foi lida, ouvida ou contada.
Aclarou-se-me a memória: era uma história que meu pai contava, à laia de adivinha ...
A gaveta memorialística, por vezes e sem razão aparente, abre-se e deita cá para fora algo que, se o nosso cérebro funcionasse como uma máquina insensível, nem à porta assomaria.
"Era uma vez um rei com uma grande barriguinha ..."
Nada disso. O rei era um homem de grande porte, elegante, venerado e considerado pelos seus súbditos, que não se cansavam de elogiar o seu carácter e a sua inteligência.
Acontece que o rei apenas tinha uma filha, o que não agradava à corte, que preferia um varão que assegurasse a sucessão com clareza e sem intervenções terceiras.
A princesa era de uma beleza ímpar (como são todas as princesas) e todos os nobres, novos e velhos, ambicionavam com ela casar. Todavia, os seus olhos de esmeralda não se fixavam na nobreza, antes se perdiam na vastidão da corte.
Nas suas deambulações, a princesa percorria todas as terras e contactava com toda a gente do reino e, consequência inevitável, os amores surgiram e chegaram aos ouvidos da preocupada rainha, que já se apercebera do alheamento que a princesa devotava à vida na corte.
Confrontada pela mãe, a princesa confirmou que só tinha olhos para um plebeu, de seu nome Afonso, que descreveu como belo, meigo, inteligente, terno e bonito, e que só a ele uniria o seu destino.
A rainha pensou, pensou, e resolveu aproveitar um momento mais íntimo para partilhar as suas preocupações com o rei e pedir-lhe que recebesse o plebeu e desse o seu consentimento ao noivado.
- Está bem, fidelíssima rainha. Mas só com três condições cumpridas, que me permitirão medir a inteligência desse tal Afonso e aquilatar se tem condições para integrar a casa real. Ele que se apresente amanhã no castelo mas:
- Nem de noite nem de dia;
- Nem a pé nem a cavalo;
- Nem nu nem vestido.
A rainha ficou em pânico por não conseguir imaginar como poderia Afonso cumprir as ordens do rei. Apesar disso, chamou a aia de confiança e ordenou-lhe que transmitisse ao pretendente as exigências do rei.
No dia seguinte, Afonso apresentou-se na corte após o Sol ter desaparecido no horizonte mas antes de a noite ter caído; vinha com um pé num estribo do cavalo e o outro mancando pela estrada de acesso ao castelo; trazia uma rede que lhe cobria todo o corpo, sem uma única peça de vestuário.
Moral da história: não há problema sem solução!
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