Ninguém escreve como António Lobo Antunes!
E, para quem gosta, é um prazer enorme ter mais um livro para saborear. Editado este mês, chegou à Casa na passada terça-feira e já leva umas boas dezenas de páginas lidas.
A beleza da forma como Lobo Antunes descreve uma paisagem, uma personalidade, um acto, é deliciosa e única.
(...) não assim, ao contrário, Larouco primeiro Falperra depois, por favor não me troquem a ordem das recordações na prateleira da memória que depois me vejo grego para alinhá-las como deve ser, qual o sítio do meu pai, qual o sítio do sarampo que me dão ideia de faltarem, mesmo antes da primeira pequena com quem estive o incisivo quebrado por uma diferença de opinião aos dezasseis anos, a amiga do general de ligas pretas e anéis a brilharem pertíssimo de mim quando me prendeu o queixo
- Maroto
comigo a segurar-me sabe Deus com que dificuldade, no caso da minha mulher demoro séculos a pegar fogo, com a amiga do general nem risquei o fósforo e já ardo que é uma beleza, estávamos nesta vidinha quando principiaram as maçadas na Baixa do Cassange, os pretos e os plantadores de algodão às turras e desafios e ameaças e pontes destruídas e sanzalas desertas e os armazéns em chamas e os brancos a amontoarem-se em Malanje, a seguir à serra da Falperra a serra do Gerês, o professor
- E depois e depois?
eu vazio a folhear a memória enquanto a trégua crescia (...)
António Lobo Antunes
A outra margem do mar
Dom Quixote (Set. 2019)
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