"(...) Em setembro, como era moda médica nesse tempo, o doutor Bravo da Mata declarou a minha absoluta necessidade de ser operado às amígdalas. Vários dos meus amigos tinham voltado do hospital, meses antes, e, apontando para o fundo da garganta, diziam: << Não estás a ver nada porque me tiraram as amigas. >> Sobre a dificuldade do processo não se abriam, mas estava mais ou menos determinado que acabaríamos todos com estes orgãos extraídos preventivamente. Modas não se discutem e lá acabei, tal como muitos outros, totalmente separado da minha família, pela primeira vez na vida, durante uma semana.
Na entrada do hospital, fui entregue aos cuidados de uma freira sem idade que me levou para uma enfermaria conventual, com diversas camas. Outros rapazes dormitavam nelas. Entre eles, numa alegria breve, avistei o Ica, um dos gémeos que moravam perto.
<< Vens tirar as amigas, também? >>
<< Não, parti um braço em três sítios >>, respondeu-me, tristemente.
A queda da bicicleta sobre um terreno rochoso tinha provocado a necessidade de intervenção cirúrgica. Estava pálido, dentro do pijama de riscas do hospital. Acenou-me, uma vez mais, com a mão em bom estado, e mergulhou nos lençóis antes que a freira se chateasse. Eu ainda não o sabia, mas estas vigilantes de hábito impunham, naquele lugar escuro, de janelas altas, o silêncio a todas as crianças. Ajudava a curar, diziam elas. Mesmo às crianças, habituadas ao riso.
A que me acompanhava disse-me que me despisse completamente, deixando-me apenas uma pequena toalha para tapar a tímida genitália. Demorou a voltar com um pijama e, eu, nu e sozinho, senti ainda mais a falta de casa. (...)"
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