terça-feira, 21 de junho de 2022

Degradação

Nasceu num berço de prata, pelo menos. Os pais pertenciam à média burguesia, sempre viveram bem e, aparentemente, também lhe proporcionaram as melhores condições. O aspecto visual da altura assim o indicava e não havia quaisquer razões para pensar diferente.

Ainda jovem, o vício das drogas tomou conta do seu quotidiano e também do irmão, um pouco mais novo. A degradação foi-se acentuando. Os pais morreram e já não assistiram à derrocada. Está um farrapo, embora ainda conserve algumas regras de higiene. O irmão desapareceu daqui. Não se sabe - eu, pelo menos, não sei - se ainda está vivo.

Hoje, a meio da manhã, estava sentada na esplanada e a cerveja ia quase no fim. Talvez fosse a primeira do dia, mas outras se iriam seguir, entremeadas com o "charro" que não dispensa à vista de todos. A manhã acabará com meia dúzia de cervejas e uns quantos "charritos". Por vezes tem companhia: um "namorado" com quem discute acaloradamente e um cãozito, sossegado, aos pés dos dois. Hoje estava sozinha. Terá tido companhia nestes últimos anos?

Dentro do café, um companheiro de juventude, um pouco mais velho. Antigo craque de futebol, jogou na Luz e acabou no Caldas, onde tinha começado miúdo. Tem a doença da moda. Fui cumprimentá-lo, com a dificuldade de quem não sabe o que dizer. Riu-se muito mas claro que não me reconheceu. A mulher fez o sorriso de circunstância, revelador da necessidade de compreensão do que deve ser uma luta diária e terrível.

Pensei para comigo: vai escrevinhando, lendo e passeando. É bom sinal!

1 comentário:

Anónimo disse...

Bom sinal e decisão sensata.