quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Vida difícil

Mandam as mulheres no actual "compêndio" de leitura, e no resto, sem sombra de dúvida.

O novo livro de contos de Teresa Veiga - Vermelho delicado - já está lido e arrumadinho no seu lugar, fazendo companhia aos anteriores de uma autora de quem pouco se sabe e que não aparece em público; em curso, a leitura de mais contos, desta vez de Luísa Costa Gomes - Visitar amigos -, que também se está a revelar excelente, como é costume e de esperar de tão grande mestra; na calha, ou melhor, na ordem da fila, Teolinda Gersão e a sua Autobiografia não escrita de Martha Freud que, pela sinopse e pelo histórico autoral, promete e não irá desiludir; a acompanhar esta maratona está Isabel Rio Novo - Fortuna, caso, tempo e sorte - com um "calhamaço" de mais de setecentas páginas a biografar Camões. Este vai andando, devagar, que as pressas não se justificam.

E a pilha não baixa ...

É difícil a vida de um reformado, leitor inveterado que, qual boião de cultura, leva sempre um livro para todo o lado e nunca consegue chegar ao fim da rima, apesar de aproveitar todos os momentos nos quais, sentado, consegue ter mãos livres.

terça-feira, 22 de outubro de 2024

Perenidade

Quem diria, vinte anos decorridos sobre a gravação, que as palavras de José Mário Branco, se manteriam tão actuais e tão certeiras. 
Até parece mentira, se a mentira ainda existe!

segunda-feira, 21 de outubro de 2024

O papel

Com as novas tecnologias a tornarem-se cada vez mais presentes, apesar dos acidentes de percurso e de pirataria que, por vezes, vão surgindo, o atendimento pessoal tem vindo a diminuir, principalmente após a pandemia Covid-19 ter provado que uma boa parte das tarefas burocráticas pode ser realizada, com vantagens, sem a deslocação aos serviços oficiais.

Assim sendo, pareceria que uma deslocação a uma repartição pública seria entendida como excepção e motivadora para quem atende, percebendo de antemão que a sua utilidade seria valorizada e compreendida como essencial, por a pessoa que trazia o problema, fosse ele qual fosse, não o teria conseguido resolver em casa, com o recurso àquele material disponível vinte e quatro horas e não sujeito a humores.

- Bom dia!

- Hum ...

- Tenho aqui este cheque de reembolso do IRS, mas o beneficiário já faleceu.

- Fez a declaração de bens?

- Claro e o Imposto de Selo já foi liquidado no final do ano passado.

- Tem qu'ir ali ao lado fazer um acrescento ...

Descoberto o "ali ao lado", repete-se a conversa mas, desta vez, a interlocutora era amável e descontraída. Foi acrescentada a receita que, na altura própria, só o Estado conhecia e não cuidou de antecipar, o que evitaria a emissão do cheque e a trabalheira provocada a quem tem mais que fazer ...

- Pronto. Já tem aqui a alteração do Imposto e, agora, volte à minha colega. Ela vai querer ver este documento, só para confirmar o conteúdo.

Regresso à base, com o papel e o cheque a inutilizar.

- Cá estou de novo ...

- Hum ... 

- A sua colega disse para lhe mostrar o documento.

- Tenho de ir tirar fotocópia ... 

E foi! A alteração já constava do sistema mas o papel é imprescindível. Voltou daí a pouco e devolveu o original, sem uma única palavra. A expressão do olhar dizia tudo.

- E agora?

- É esperar!

Não vim convencido mas, três dias depois, o valor do cheque estava creditado na conta bancária. A senhora podia ter dito que não existiria novo cheque e que o valor seria depositado.

Não disse! O importante era o papel ficar bem agrafado ao cheque anulado, coisa que as novas tecnologias ainda não fazem. Estas tarefas são essenciais para quem muito sofre com as alterações!

domingo, 13 de outubro de 2024

Livros (lidos ou em vias disso)

Está quase, quase no fim! E é mais um grande livro! Tal como os anteriores, lê-se quase de um fôlego, com o interesse e a dúvida sempre presentes. Em cada página surge um acontecimento inesperado, sempre bem contado e, afinal, bem plausível.

"(...) e Benilda só pretendia, na verdade, passar muito despercebida, parecia que ia correr tudo bem, casal jovem e exótico, sangue na guelra, a vida toda pela frente e o mundo todo para mudar.

Pedro Vicente convenceu-se de que Benilda se apaixonara por ele pela mesma razão de todas as outras. Porque era irresistível. Um naco de homem latino com cabeça de ideólogo.

Benilda não o via assim. Nem sensual, nem esperteza por aí além. Pedro Vicente julgava ser a luz forte que fascina todos os insectos da noite. Desconhece que os insectos não são atraídos pelas lâmpadas. Uma vez que se guiam pela lua, rodeiam as luzes artificiais porque se sentem muito confundidos. Nós olhamos e julgamos que eles aparecem por alegria, não vemos que estão em sofrimento. Pedro Vicente via uma Benilda fascinada mas Benilda estava só em fuga.

Queria desaparecer na mais ruidosa confusão que encontrasse, onde fosse mais uma da amálgama, onde não se destacasse, para não chamar atenções.

Quando se começa a perceber melhor o que lhe aconteceu, quando o nevoeiro já deixa ver entre fiapos, e os pormenores desfocados ficam nítidos, Nina e Xulio deverão ser vistos como os ingénuos guias de um inesperado inferno.

Eles não enganaram Benilda. Eles acreditavam no que viam em Pedro Vicente. E acima de tudo. Benilda Temeroso, a bebé japonesa deixada à sua sorte num farol da Foz e criada por Maria Virgínia, sabia perfeitamente em que lago negro estava a mergulhar. A deixar-se mergulhar. A única surpresa foi a profundidade. Mas sabia. Pressentia, poderia fechar os olhos no primeiro dia e ver, na clareza da lua cheia que guia todos os insectos, o que a esperava. 

Foi para as Benildas que alguém escreveu a pedir - <<não entres tão depressa nessa noite escura>>.

Ela quis entrar. (...)"

Matarás um culpado e dois inocentes
Rodrigo Guedes de Carvalho
D. Quixote (2024)

sábado, 12 de outubro de 2024

Orçamento

Como é anualmente costume, tenho andado assoberbado desde meados de Setembro, após, como a maior parte da população, ter recuperado das canseiras do querido mês de Agosto, traduzidas nas férias de sonho vertidas e bem ilustradas nas redes. As caminhadas pelos areais algarvios (ou das Caraíbas), as braçadas no oceano tranquilo e as noitadas de farra, têm de ser compensadas. Embora habituais, dão muito trabalho e carecem de recuperação ...

Elaborar o orçamento para o ano seguinte é uma tarefa ciclópica e exigente, comum a todos os mortais e também a quem o não é. Primeiro há necessidade de elencar as despesas, todas, que vão ser efectuadas durante os doze meses seguintes ao Natal: a luz, a água, os telefones, a televisão e a net, o gás, a gasolina, a alimentação, do arroz às batatas, das alfaces aos pimentos, os impostos, os cafés e os bolinhos, as viagens e a saúde, tudo isto ordenado alfabeticamente de modo a ser fácil detectar as falhas, na revisão imprescindível. E não adianta olhar para a lista do ano anterior, porque tudo muda!

Depois desta trabalheira, é forçoso quantificar - orçamentos são números -, tarefa hoje bem mais facilitada, com o recurso ao Excel e à sua vertiginosa facilidade de fazer contas, sempre certas.

Obtido o total das despesas, a tarefa seguinte é bem mais simples. Afinal, só um tipo de receitas, o que torna o trabalho facílimo. Coloca-se na tabela o valor mensal e as fórmulas previamente explicitadas fazem saltar o total da receita e o resultado. Negativo, défice, vermelho, não é possível!

E agora? Corto nos tomates ou na gasolina? Aumento a receita para o saldo ser nulo ou diminuo os canais da TV para obter um saldinho positivo? Faço desaparecer a compra de livros ou omito  a necessidade de mudar o óleo aos carros?

Fica assim! Ninguém vai ler isto na íntegra e muito menos analisar ao pormenor. Ainda por cima, nem se nota que as contas foram mal feitas e que se vai gastar mais do que se recebe.

Para quê preocupações: paga-se com o cartão e nem se dá por isso!

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Algodão

A escola que mais marcou a minha juventude foi inaugurada no dia de hoje, há precisamente sessenta anos; quarenta e cinco anos depois de mim, a minha filha foi operada ao menisco (felizmente sem ligamento cruzado avariado); há um ano (re)começava a guerra no Médio Oriente, que já deixou marcas impressionantes mesmo para os mais distraídos e promete não parar de bater tristes recordes; a guerra na Ucrânia já quase não é notícia.

Hoje é o Dia Mundial do Algodão e o algodão não engana: muda muita coisa mas as repetições são imensas!

sábado, 5 de outubro de 2024

República

E se, de repente, a República desaparecesse e desse lugar a um trono de reizinhos que por aí pululam, espreitando às janelas, acenando as cabeças e aguardando, ansiosos, a abertura de uma nesga de porta para se instalarem na cadeira?

Tenho esperança que não aconteça, por vezes surgem-me dúvidas e já tive muito mais certezas.

sábado, 28 de setembro de 2024

Vulto

A Berlenga lá ao fundo, o mar bem zangado com a vida e a manifestar essa ira, o vento, norte, a fustigar a areia e os passeantes, e ele ali plantado, por certo a meditar nos anos que já passaram.

- Sossega, meu velho! Nem deste pela foto, mas talvez ela te possa garantir o início de uma longa carreira, não de procurador mas de meditador. Já terás setenta? 

sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Natal

O Natal aproxima-se a olhos vistos. E não é preciso olhar para as nuvens que já tomaram conta do céu ou para a necessidade de procurar o guarda-chuva, perdido algures entre as bugigangas estacionadas na garagem.

Basta estar atento às notícias das editoras que divulgam a chegada ao mercado de livros novos. Num frenesim desenfreado, quase a roçar o absurdo, as mensagens electrónicas, as divulgações nos jornais e revistas, as notas nas rádios e nas televisões, alertam-nos para o que está previsto, já saiu ou vai chegar em breve, tudo a não perder, sem sombra de dúvida.

E não é que têm resultados! Cá por mim, já adquiri algumas das novas obras, seguramente com um pouco de influência da publicidade (seria mais actual escrever marketing), mas apenas dos autores que têm a porta cá de casa sempre aberta e sobre os quais até arrisco sem folhear.