"(...) Sou eu.
Saio de casa, atravesso o jardim e caminho na rua no meio dos desconhecidos que nela passam, também eles portadores de uma vida, nenhuma das quais é menos importante do que outra: todas são humanas, genuínas, e cada um a vive como pode. Não estamos sós, somos iguais ou equivalentes, respiramos o mesmo ar, debaixo do mesmo céu, e, conscientemente ou não, fazemos parte da História.
Ainda é cedo e a manhã está fresca, mas não fria. Olhando em volta vejo que a luz se foi tornando mais clara e a Primavera desponta nos jardins. O céu tem poucas nuvens, vai ser talvez um dia de sol, e a brisa traz consigo uma espécie de alegria.
E quando tiver caminhado o tempo que quiser, até me saciar de ar livre e movimento, vou voltar para casa, sentar-me na poltrona do quarto, perto da janela, e ditar mentalmente a última entrada na Crónica Secreta.
Que nada fique escondido e o secretismo da tua obra e do teu espólio acabe. Que tudo o que foste e escreveste venha à luz do dia, não só do teu ponto de vista, mas também na visão dos que privaram contigo.
No que me diz respeito, que as cartas que trocámos sejam publicadas, sem censura nem cortes, traduzidas noutras línguas e dadas a ler a quem quiser. As duas vozes têm igual direito a ser ouvidas, porque uma carta só está completa se soubermos que resposta recebeu.
Não me preocupei com as tuas teorias, que, como sabes, nunca me convenceram. Mas tudo o que te escrevi é rigoroso e verdadeiro, e não duvido de que terá utilidade - quem sabe, talvez até possa vir a fazer alguma diferença no mundo.
E é com um leve sorriso que ponho um ponto final nesta longa revisitação das nossas vidas. O que quis descobrir foi descoberto, o que de essencial quis dizer foi dito, e não tenho mais nada a acrescentar."