terça-feira, 28 de agosto de 2007

O barrete do Manelinho

O barrete era peça sempre presente na sua indumentária. Protegia do sol, do frio e da chuva, que os poucos cabelos dispersos pela careca já não cumpriam essas missões.

Diga-se, porém, que não foi a calvície que determinou o seu uso e julga-se, até, que terá contribuído fortemente para a queda do adorno capilar. Se assim aconteceu, a importância do barrete fica muito diminuída e prejudica a sua reputação, enquanto peça essencial do vestuário.

Na época, o barrete já era raro nos campos, substituído, com vantagem, pelo boné de pala, que se apresentava muito mais cómodo e ... mais bonito.

Tinha sido abegão na casa!

Quando o conheci já "mancava" da perna direita, por via da queda de um cavalo, em condições que nunca ouvi explicar bem.

Por essa altura já os cavalos de quatro patas tinham sido substituídos pelos de quatro rodas e o velho abegão deixara de ser o professor de equitação das crianças, o apoio das senhoras no acto de montar e o moço de recados para os ditos, urgentes.

A perna já só era direita no nome de baptismo. O joelho quase encostava ao seu irmão do lado e o pé afastava-se para fora, num simulacro de chuto na bola ... sem ela. A perna fazia um ângulo obtuso, com o vértice situado no joelho. O homem andava, coxeando, num misto de saltinhos e passos, por entre as flores e os canteiros do jardim, local onde passou a trabalhar após a "recuperação" da queda.

A idade, a deficiência e o gosto já não ajudavam na execução das tarefas da jardinagem. Todos, incluindo os patrões, o respeitavam e ninguém comentava a sua fraca ou nula produtividade.

Era desajeitado nas flores.

Não conseguia podar uma roseira, não sabia transplantar um alporque de cravo, não cortava uma sebe de buxo, de nada servia ensiná-lo a semear um canteiro de sécias.

Apesar da perna, nunca estava parado. Corria o jardim de ponta a ponta, vezes sem conta.

Conhecia todas as luras dos coelhos, os sítios onde melros e tordos bebiam água, os locais onde perdizes e codornizes faziam os ninhos.

Era um caçador exímio!

Quando aparecia, na hora do almoço ou da merenda, mandava atiçar o lume e sacava o barrete: bem lá do fundo surgia um melro, apanhado desprevenido na rede, montada no pequeno charco onde fora saciar a sede; um tordo, que se colara no visgo do ramo de loureiro, quando pretendia saborear uma baga da cheirosa árvore; um láparo, apanhado no laço, armado à saída da loca.

Nos pássaros, um pequeno corte dado pela navalha junto a uma das patas ... e as penas saíam, num repelão, agarradas à pele. No coelho, o sistema era idêntico e esfolá-lo era uma questão de segundos ...

A cor avermelhada da carne punha todos a salivar. Antes de o petisco ser posto no lume, era "amanhado" pelas mãos habilidosas e pela "naifa" afiada, "moradora" permanente no barrete.
A dose era curta e mal dava para a "cova do dente" de cada um.

O barrete do Manelinho era a caixinha de surpresas que todos queriam abrir!

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