sexta-feira, 27 de março de 2009

Livros (lidos ou em vias disso)

"(...) Razões afins levarão um dia a que, no algarve, como alguém terá o cuidado de escrever, toda a praia que se preze, não é praia mas é beach, qualquer pescador fisherman, tanto faz prezar-se como não, e se de aldeamentos turísticos, em vez de aldeias, se trata, fiquemos sabendo que é mais aceite holiday's village, ou village de vacances, ou ferienorte. Chega-se ao cúmulo de não haver nome para loja de modas, porque ela é, numa espécie de português por adopção, boutique, e, necessariamente, fashion shop em inglês, menos necessariamente modes em francês, e francamente modedeschäft em alemão. Uma sapataria apresenta-se como shoes e não se fala mais nisso. E se o viajante pudesse catar, como quem cata piolhos, nomes de bares e buates, quando chegasse a sines ainda iria nas primeiras letras do alfabeto. Tão desprezado este na lusitana arrumação que do algarve se pode dizer, nestas épocas em que descem os civilizados à barbárie, ser ele a terra do português tal qual se cala. (...)"

A viagem do elefante
José Saramago
Caminho (2008)

4 comentários:

J L Reboleira Alexandre disse...

Esta reflexão trouxe-me à memória a explicação que um ex-colega e amigo comum me deu para um trabalho de tradução de Inglês para Português. Perguntava eu para aí, como se chamavam em bom português aqueles painéis exteriores de publicidade que se encontram um pouco por todo o lado. Resposta do meu contacto vinda lá de Faro: em português diz-se OUTDOORS. Pois é....

Artur R. Gonçalves disse...

… Pois é, só que a informação completa rezava assim:
«... Como saberás, o português-típico sempre teve uma grande propensão ao longo dos séculos por se colar sistematicamente às línguas alheias, apropriando-se primeiro de palavras/expressões e integrando-as, de seguida, no próprio idioma pátrio. O latim estará na origem, associado em muitos casos ao grego, depois foi a vez do árabe, do francês-provençal-italiano, muito castelhano, uma pitada de línguas exóticas dos quatro cantos do mundo, de novo bastante francês e, já nos nossos tempos, o inglês. A expressão mais adequada em português para os painéis publicitários é mesmo esse de "painéis publicitários", a que podemos endossar o modificador (de) interior / (de) exterior. Todavia, a solução que todos repetem para os "painéis publicitários de exterior" é mesmo outdoors, vá-se lá perceber porquê. Como defensor da transparência e autenticidade da nossas língua, aconselharia mesmo a etiqueta "painel publicitário"». Já agora, desejo óptimas viagens literárias aos dois na companhia de Saramago e do elefante Salomão.

J L Reboleira Alexandre disse...

O Artur, como eu previa colocou os pontos nos iis.

O meu amigo tradutor, cuja lingua mãe é o Árabe, usou a expressão que me fora aconselhada, e nem sonha que no português do dia a dia se usa «outdoors».
Pudera!

Abraço amigo para vocês.

Casa da Ginja disse...

É um privilégio ver o meu "diário" (?) ser usado com esta elevação , por dois amigos tão distantes.
Por mim, podem continuar a utilizar o espaço, que só o engrandecem. Talvez assim isto tenha algum interesse...
Já acabei a Viagem do Elefante e agora estou com Doutor Pasavento, de Enrique Vila-Matas, escritor espanhol que leio pela primeira vez. Se encontrar qualquer coisa que me "desperte", farei o "post" ... se não, fico à espera que o Artur, que de certeza conhece o livro e o autor, arranje um pouco de tempo para o comentário, e, já agora que o Zé, lá longe onde a neve é "snow", riposte.
Um abraço aos dois