Apetecia-me transcrever, na íntegra, a crónica que
Miguel Sousa Tavares publica no Expresso de hoje, mas vou ficar pela
transcrição parcial, por uma questão de espaço e de respeito pelo autor.
Já por diversas vezes reproduzi aqui opiniões de
Miguel Sousa Tavares, pessoa que apenas conheço por ser figura pública, como
escritor e como filho de uma grande poetisa (Sophia de Mello Breyner Andersen,
de quem gosto muito, como é fácil perceber) e de um advogado de "antes quebrar
que torcer" (Francisco Sousa Tavares).
Tenho a convicção firme de que MST não beneficia nada
como as minhas citações, mas hoje a crónica é, mais uma vez, certeira, actual e
mortífera. Vale a pena lê-la toda e aqui fica o aguçar do apetite para que isso
aconteça e a esperança de que os meus netos um dia a leiam e fiquem com a
certeza de que "há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz
não" (Manuel Alegre) e que "vemos, ouvimos e lemos, não
podemos ignorar" (Sophia).
"Segundo percebi, o senhor Presidente da
República, autoprefaciando-se, explicou ao país, de calculadora em punho, que a
dívida do Estado, depois de atingido o estratosférico número de 129% da riqueza
produzida anualmente em Portugal, só era sustentável se aceitássemos viver na miséria
durante uma geração inteira - e, mesmo assim, se durante 25 anos se
repetisse um milagre económico que até hoje não aconteceu em nenhum dos 40
anos que levamos de democracia. Ou seja, naquela sua função de sirene de alarme
que tanto cultiva, Cavaco Silva declarou a República oficialmente falida e a
dívida pública impagável.
Devo dizer que concordo inteiramente com as contas e o
diagnóstico do Presidente, pois que outra coisa não venho escrevendo aqui, de
há anos a esta parte - e não sou professor de Finanças Públicas. Apenas
duas coisas me surpreendem: que, após sete anos de mandato presidencial ( e dez
como primeiro-ministro) só agora e desta forma "nonchalante", Sua
Excelência nos faça esta revelação. E que, tendo meticulosamente feito as suas
contas e não podendo ignorar a inevitável conclusão delas resultante, não lhe
tenha ocorrido uma palavra, uma sugestão, um conselho amigo, um afago, para nos
dizer como é que agora iremos viver durante a próxima geração.
E isto, justamente no momento em que soavam trombetas
de júbilo com o "milagre" da nossa retoma económica e o ambiente,
ajudado pelo sol da Primavera, parecia enfim desanuviar-se um pouco. O
"timing" de Cavaco Silva foi o pior possível. Foi uma desfeita.
(...)
Podemos, é claro, acabar com o SNS para pagar a
dívida. Ou acabar com a escola pública. Ou com as Forças Armadas. Ou com
qualquer pensão de reforma. Ou, como sugere o Presidente, passar uma geração
inteira a trabalhar mais, receber menos e viver como há 50 anos, apenas para
pagar aos credores.
Nenhum destes caminhos é a solução: nem a miséria
garantida nem a bravata isolada. O caminho é procurar conjurados para uma
revolta. Juntar tantas forças dos fracos que elas se transformem numa força
face aos fortes. E exigir a mutualização da dívida, ao menos parcialmente. A
União Bancária. A uniformização fiscal e o fim das "off-shores". A
redução da taxa de juro da dívida institucional e dos empréstimos futuros
concedidos aos Estados a 1% - o mesmo que os bancos pagam junto do BCE. O serviço
da dívida limitado a um referente do crescimento económico - porque não se
pode pagar sem criar riqueza sobejante e, se o custo da dívida é
sufocante, não é possível criá-la.
Mas, para seguir este caminho, precisamos, à partida,
de outra maioria no Parlamento Europeu, de outro governo e de
outro primeiro-ministro em Portugal. De alguém que não tenha vergonha
de nos representar no Conselho Europeu, que não ande de mão estendida a vender
vistos de residência a chineses e quintas no Douro a angolanos. Que não venda a
língua, através de um Acordo Ortográfico que, além de tudo o resto que nos
envergonha, é um acto de prostituição diplomática. Que não venda, a troco
de petróleo ou de esmolas para o Banif, um lugar na CPLP a um país de bandidos
como a Guiné Equatorial. E que, consequentemente, não tenha o dr. Machete como
ministro dos Estrangeiros.
Era disso que precisávamos agora: de um manifesto por
um governo e um Presidente capazes de defenderem Portugal. (...)
Como eu gostava de ter sido
o autor desta prosa...
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