Na última ida à piscina, numa pausa entre braçadas, diz uma:
- Vamos lá, há ir e voltar ...
- Há mar e mar, há ir e voltar, acrescenta outro.
- Sabe de quem é, pergunto eu.
- ???
- Alexandre O'Neill
- Não sabia. E olhe que até gosto, embora conheça pouco.
- Quinta-feira trago-lhe um livro, velhinho, que lá tenho e tem um nome engraçado: "Tomai lá do O'Neill!". Tenho mais dois ou três mas este é uma antologia, vai gostar, espero.
Fui à "secção" da poesia e lá estava ele, numa edição de 1986, do Círculo de Leitores.
Folheei e, antes de ele ir passear ... tomai lá, para aperitivo:
PELO ALTO ALENTEJO/2
Meto butes à inteira planura.
Esboroa-se a terra. Lá pra trás
sobraram o paleio e a literatura.
Aqui, na aparência, só a paz.
Mas que paz se desdobra a toda a anchura
do horizonte a que olhar se faz?
Esta página em branco (ou sem leitura)
não terá uma chave por detrás?
Eu sei ler a cidade, mas, aqui,
sou um dedo parado em letra morta.
Uma guerra haverá, com o alibi
da paisagem que a outras me transporta.
Hei-de voltar a ler e a presumir,
quando Alentejo se puser a rir ...
AUTO-RETRATO
O'Neill (Alexandre), moreno português,
cabelo asa de corvo; da angústia da cara,
nariguete que sobrepuja de través
a ferida desdenhosa e não cicatrizada.
Se a visagem de tal sujeito é o que vês
(omita-se o olho triste e a testa iluminada)
o retrato moral também tem os seus quês
(aqui uma pequena frase censurada ...)
No amor? No amor crê (ou não fosse ele O'Neill!)
e tem a veleidade de o saber fazer
(pois amor não há feito) das maneiras mil
que são a semovente estátua do prazer.
Mas sofre de ternura, bebe de mais e ri-se
do que neste soneto sobre si mesmo disse ...
1 comentário:
E na arte de rir de si próprio, o poeta faz-nos o retrato de todos os homens.
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