quinta-feira, 8 de junho de 2023

Livros (lidos ou em vias disso)

Lealdade invisível

(...) No País de Gales, o turismo, divisa ou fachada de quase todos os países da actualidade, já se encontra em grande medida nas mãos dos ingleses, desde o pub ao hotel supostamente sofisticado (mas não muito, na verdade). São poucas as lojas de bairro que não fecharam. Metade dos postos de correios estão nas mãos de ingleses. E a imensa vaga de famílias inglesas que para aqui vem faz com que até as escolas, de cujo programa a língua galesa faz parte, fiquem mais ameranglicizadas a cada período que passa - pois por cada criança que para cá vem e se torna galesa, meia dúzia de crianças que sabem falar galês já não usam a nossa língua no recreio. Todos os dias do ano há mais umas centenas de casas das zonas rurais galesas que são vendidas a ingleses por preços que muito poucos galeses do campo poderiam pagar, muitas vezes para se transformarem em cabeça de ponte de corrosão cultural.

Quanto a mim, meio galesa e meio inglesa, não sou certamente nenhuma racista, e só por pouco me considero nacionalista, pois já não acredito em nacionalidades, nem na porcaria do Estado-Nação. No entanto, sou uma culturalista e parece-me que, infelizmente, os povos têm de alcançar a condição de estado para preservarem o seu próprio ser. Na minha opinião, seria uma tragédia medonha se os pequenos povos como o nosso desaparecessem realmente do mapa - não do mapa geográfico, o que provavelmente não acontecerá no próximo milhão de anos ou assim, mas do mapa político, o que pode acontecer a qualquer momento.

Mas atrevo-me a dizer que aqueles cartógrafos do Compêndio Estatístico do Eurostat estariam a expressar subconscientemente uma verdade quando relegaram o País de Gales ao esquecimento. De certa forma, o nosso país já é invisível ou, pelo menos, oculto. <<Assim que entrámos no pub>>, dizem os ingleses que gostam de contar histórias quando voltam para casa, <<aquela gente desatou a palrar em galês.>> Que disparate. Já estavam a palrar em galês muito antes de lá entrar, meu senhor, muito antes de os seus antepassados atravessarem o Severn e pode acreditar que continuarão a palrar quando se for embora.

Assim será porque muita da cultura galesa é privada. (...)"

Alegorizações
Jan Morris

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