terça-feira, 26 de dezembro de 2023

Sorte

Uma troca ou alguma desatenção própria da época trouxe ao Oeste um livro em duplicado, deixando outro sem direito à viagem aprazível que, pela certa, adoraria fazer. O contacto telefónico resolveu a questão.

- Não tem problema. Amanhã ou depois a carrinha passa por aí e recolhe-o. Entretanto, vamos enviar o correcto de imediato.

O diálogo ainda prosseguiu com as desculpas pelo sucedido, os votos da época e o "disponha sempre" para fechar.

A programação foi cumprida. A campainha tocou e o estafeta, já conhecido, apresentou-se a recolher a encomenda, que havia entregado alguns dias antes.

- Oi, sinhô Orlando, como vai?

- Bem, obrigado. E o senhor?

- Muito cansado, muito mesmo ...

- Começou cedo?

- Saí de casa ainda não eram seis ... e só vou chegar bem perto das nove, se tudo correr bem.

Notava-se que precisava de uma pausa, para desabar, desanuviar, descansar, falar com alguém que o ouvisse.

- Todo o dia é isto ... descanso ao Domingo. Imagina quanto ganho?

- Não faço ideia e nem quero dar palpite.

- Não chega a setecentos e vinte limpos ...

- Claro que sobram dias todos os meses ...

- Vai ser só até ao final do ano. Já arranjei outra coisa. Vou continuar a trabalhar muito, mas pagam um pouco mais ...

Um sorriso aberto, talvez por o ter ouvido, ainda que de sobrolho franzido.

- No Brasil era pior. E ainda consigo, de vez em quando, mandar para lá algum ...

Sentou-se ao volante da carrinha, despediu-se com um aceno prolongado e um sorriso interminável.

- Boa sorte, foi tudo o que consegui dizer.

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