Talvez princípios dos anos oitenta do século passado ou até finais da década de setenta. O funcionamento da Banca estava longe, muito longe, daquilo em que se viria a tornar, quer na forma quer no conteúdo. Os computadores estavam a dar os primeiros passos e tudo passava pelos olhos e pela esferográfica que preenchia e assinava.
O senhor H. era um cliente conhecido de todos pela sua arrogância, considerando-se com direitos especiais face à sua categoria e capacidade, e sempre disponível para abrir a porta do gabinete do gerente, queixando-se do atendimento de algum ou de ter sido preterido em favor de alguém menos "importante", ainda que chegado primeiro.
Naquele dia, trazia os cupões da Obrigações FIP, para receber os juros pagos semestralmente pelo Estado. As obrigações FIP - Fundo de Investimento Público eram tituladas por folhas enormes, impressas na Casa da Moeda, que exibiam na parte inferior os cupões que eram cortados em cada semestre e apresentados a pagamento. Também semestralmente, o Estado sorteava os números das obrigações que pretendia (ou podia) liquidar antecipadamente e reembolsava o capital de algumas delas. A vida máxima podia ir até aos dez anos e muitas permaneciam "vivas" até final. Ditavam o reembolso a evolução das taxas de juro e a disponibilidade do erário público.
- Quero receber estes juros, disse o senhor H., sem nenhum cumprimento, o que ninguém estranhava.
Entregou o montinho e dirigiu-se ao gabinete para cumprimentar o "poder".
- Dá licença, senhor N.?
- Diga, diga ...
- O senhor H. traz uma obrigação que foi sorteada há seis meses. Já não podemos pagar estes juros.
- Ninguém me disse nada. São uns incompetentes!
A voz já estava alterada e as faces ruborizadas.
- Quero receber o capital e os juros dos seis meses.
O gerente garantiu de imediato a satisfação da exigência.
- Fique descansado, senhor H.. A sua conta será creditada hoje pelo valor total.
E foi. Os arquivos foram visitados e identificados os dois distraídos que tinham aposto a sua assinatura no documento de pagamento, sem cuidarem, primeiro, de verificar a lista das obrigações sorteadas. A espada caiu sobre as duas cabeças ...
- Vocês sabem muito bem ... o cliente tem sempre razão e a responsabilidade é toda vossa.
Nesse dia, cerca de um quarto do ordenado mensal de cada um dos "malandros" distraídos foi parar à conta do senhor H. que, naturalmente, nunca agradeceu nem isso fazia parte do seu vocabulário.
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