Elogio do sorvete
come sorvetes velha come sorvetesque a morte chega mais cedo do que pensasbem melhor será partires toda fresquinha por dentrocom tanto fogo aceso nas paredes de Maioalém disso ficas mais bonita (tu que já ésde novo uma criança) com a bolacha esguiaa arrefecer-te os dedos frios e a línguaa saltitar na palidez dos lábioscome sorvetes velha come sorvetes quetirando os chocolates do nosso tioFernando Pessoaos sorvetes são a melhor metafísicae tornam os dentes incrivelmente brancosPoesia reunidao pouco que sobrou de quase nadaManuel Alberto ValenteQuetzal (2015)
Casa situada na cidade das Caldas da Rainha, "nascida" em 1976, numa rua sossegada, estreita e, desde Abril de 2009, com sentido único. Produção: dois frutos de alta qualidade que já vão garantindo o futuro da espécie com quatro novos, deliciosos. O blog é, tem sido ou pretendido ser uma catarse, o diário de adolescente que nunca escrevi, um repositório de estórias, uma visão do quotidiano, uma gaveta da memória.
terça-feira, 29 de julho de 2025
Palavras bonitas
segunda-feira, 28 de julho de 2025
Lixo
O mar agitado, o norte zangado, a temperatura desagradável, contrariando os avisos amarelos do IPMA. Dois ou três teimosos atrás dos "tapumes", bem enroladinhos na toalha, que não é altura para apanhar constipações.
Constatação: na Foz, seguidinhos, seguidinhos, vão lá dois dias e é um pau! Amanhã ou depois se verá.
Um passeio até à Lagoa, já com muita gente e sem as agruras do lado do mar. Dificilmente se encontra no país um sítio destes: em pouco mais de quinhentos metros, sai-se do frio quase glaciar para a ausência de vento e mar calmo. Faltam as ondas, é verdade, mas olhando bem, sobra o lixo.
Não aprendemos! De garrafas de água a sacos de papel, de "beatas" a roupa velha, há de tudo um pouco.
E ouve-se: ninguém limpa!
E apetece escarrapachar num letreiro com letras bem grandes:
- Não seja porco! Ponha o lixo no lixo, sua besta!
domingo, 27 de julho de 2025
Bicicletas
Terminou há pouco a Volta à França em bicicleta, ou melhor, o Tour de France. E foram, para quem gosta de ciclismo e de bicicletas, três semanas de alta competição, excelente espectáculo e maravilhosas paisagens, como sempre.
Foi pena o "nosso" João Almeida ter caído. Depositavam-se justas esperanças numa grande classificação, mas o infortúnio acabou com elas. Ossos do ofício ... Vem aí a Volta à Espanha e talvez a costela já esteja em condições de o levar mais alto e mais longe.
As minhas costas e o tempo que levo já não me permitem dar pedaladas como gostava de fazer. Dei muito ao pedal, com alguns trambolhões pelo meio. Dizia-se, naquela altura, que para se conseguir saber bem andar era preciso cair, pelo menos, sete vezes ... e meia! Caí mais de sete vezes, de certeza absoluta. Da meia, não me lembro.
terça-feira, 22 de julho de 2025
Nuvens negras
Julho está quase a chegar ao fim! Muita gente já recebeu o seu ordenado ou a sua pensão, ainda sem as diminuições da retenção do IRS. Muitos nem sabem o que isso é, mas uma boa parte notará bem nas folhas de Agosto e Setembro. A falta de recursos humanos para efectuarem os cálculos é a causa e não, nunca, como apregoam as más-línguas mal intencionadas, a aproximação das autárquicas.
O tempo, que permitiu uns bons mergulhos "fozenses", numa manhã de solinho, com uma brisa agradável, aparece agora com novidades, escurecendo e pingando, pressagiando que, como de costume, o primeiro de Agosto será o primeiro de Inverno.
Ainda dará oportunidade de mais alguns mergulhos, mas o céu está a escurecer e aquilo que pareciam ser "favas contadas" nas presidenciais, surge agora com um resultado imprevisível, mesmo para os grandes literatos do assunto. O cenário apresenta um tempo instável, parecendo que, afinal, o campeonato, que ainda nem começou, vai ter duas rondas e não há ninguém para ganhar "sem espinhas".
Tudo indica que terei de votar sem óculos ...
segunda-feira, 21 de julho de 2025
Livros (lidos ou em vias disso)
"(...) Por recomendação de uma amiga da minha mulher, enfarinhada em gozos acessíveis à bolsa, marcámos férias no hotel da FNAT na Foz do Arelho. Face à minha irresolução Noémia trataria de tudo, não desistindo de me estimular entretanto com projectos e projectos durante a estadia. Era para ela como se nos deslocássemos em veraneio à Côte d'Azur, ou aos Mares do Sul, e uma prodigiosa aventura se abrisse à nossa frente. Preparou quatro malas com o conveniente ao efeito, mudas de roupa, toalhas e óculos escuros, duas almofadas insufláveis, e o inevitável bronzeador. Além disso incluiria para mim uma trousse de latex que, e ainda à antiga, denominava <<o maillot>>, e uma indumentária para ela, estampada com uma minudência de palmeiras e ananases, e expondo-lhe com modéstia algumas zonas do corpo, à qual chamava <<o fatinho de sol>>.
Aquilo transformar-se-ia porém num desterro insuportável, desprovido da papelada que significava a coluna dorsal dos meus dias, e por isso encolhia-me num amuo acidulado. Mantinha-me à sombra do mastodôntico edifício que tresandava aos restos acumulados das insípidas refeições, e votara um ódio sem fim à mera ideia das ardências do areal. Quanto aos hóspedes, e referindo-me primeiro aos do sexo masculino, arrastavam-se em tardes e noites de campeonatos de sueca, ou de king, e os mais velhotes tombavam de borco, ora taralhoucos, ora ensonados, sobre as perdas do dominó. Relutantes a desvendar as misérias das banhas, as idosas mães de família sentavam-se em perpétuo num minúsculo banquinho de madeira, tapando os joelhos com uma écharpe de chiffon, no intuito de que não lhes devassassem as coxas branquíssimas. As novas em conclusão falazavam sem parança, e todas a um tempo só, acerca de coisas e loisas, e entre contos e ditos.
Certa vez, e como se condescendessem em nos oferecer um lauto presente, trouxeram para nos divertir um cantor de olheiras cavadas, carpindo em boleros os seus dissabores de corno inato, mas levantando atrás de si os haustos das fãs sem aconchego. Setembro chegado, dera de assobiar um ventinho barbeiro que enregelava até mesmo os intrépidos, e sempre que eu procurava fugir a tão triste desconchavo, topava nas traseiras do casarão com as cozinheiras, e as respectivas ajudantes, fardadas como pessoal de enfermagem, mas de bata encardida, que lavavam à vassourada os panelões do seu ofício. Regressei espavorido, enjoado por um travo de enxúndias moídas, e temperadas em excesso. De tripa assanhada, ora pelos comeres que empanzinara, ora pela cólera para que não descobria refrigério, jurei e trejurei, e muito contra o silêncio de Noémia, jamais repetir o esquema balnear. (...)"
domingo, 20 de julho de 2025
Atleta aniversariante
O Algarve, mais concretamente a cidade de Loulé conta, há já alguns dias, com a presença de um nadador ilustre, a disputar o Campeonato Nacional de Infantis de Natação Loulé 2025.
Não teria nada de extraordinário - mais um entre tantos - mas este é especial: é o meu neto, segundo na escala da chegada e último na cronologia dos aniversários anuais. E se, só por isso, já se justificaria o destaque, acontece que hoje o Vasco completa 14 anos, lá bem no sul do país, debaixo de uma canícula forte e muito diferente da oestina, e "apenas" com a companhia dos pais, do irmão e dos elementos da sua equipa.
É diferente do costume, mas será um aniversário inesquecível.
Parabéns, meu neto. Estás um homem, já maior do que eu. Amanhã dar-te-ei aquele abraço apertado, bem merecido, pelo aniversário, pela força e pela qualidade. BOM DIA!
sexta-feira, 18 de julho de 2025
Vejam bem ...
Vejam bemQue não há só gaivotas em terraQuando um homem se põe a pensar(...)José Afonso
O estado da Nação esteve ontem em debate na Assembleia da República e proporcionou um espectáculo bem elucidativo da miséria a que chegámos.
Fanfarrões e frouxos, cobardias e ofensas, citações eloquentes mas erradas, àpartes de taberna já fora de horas, houve de tudo, ilustrando, sem margem para dúvidas que, cada vez mais, os debates são mais acesos quanto menor é o nível dos discursos.
E como se isto não fosse suficiente, parece ser "voz" corrente nas redes ditas sociais que há muita, mas mesmo muita, gente nova a torcer para que "a moda" se propague sem roque mas com rei à espreita.
Embora o caminho se faça caminhando, há muita gente com a ideia de que o importante é calar a opinião do outro.
Haverá preço e não serão os velhos a pagá-lo ...
quinta-feira, 17 de julho de 2025
Barracas
Apetecia-me escrever sobre Gaza, Ucrânia, Síria, ou sobre o Bairro do Talude, em Loures. Falta-me em competência o que me sobra em rancor e correria o risco de ser mandado às urtigas por me meter onde não sou chamado, arrimado na minha condição de burguês bem instalado numa casa a sério.
Não resisto a uma pergunta elementar, que ainda não vi respondida, talvez por me faltar a pachorra necessária para escutar as explicações tipo "e, para cúmulo da chatice, tanto falou e nada disse". A pergunta é esta: há quanto tempo começaram a ser construídas as "casas" do Tapume? Talvez a resposta seja: no início da semana passada. Se assim foi, aquela gente merece ser contratada desde já para um lugar de responsabilidade nas grandes obras nacionais, dada a capacidade evidenciada para construir num instante.
Se assim não foi, surgem outras perguntas pertinentes: ninguém deu por aquilo antes? Foi decidido demolir agora, por se presumir que os habitantes estariam de férias no Algarve?
Não se brinque com coisas sérias! As (re)eleições não podem justificar tudo!
quarta-feira, 16 de julho de 2025
Actualidade
Ontem foi noite de teatro e, um pouco fora do habitual, até nem estava frio. O casaquinho do costume fez jeito e deu o conforto suficiente para a atenção que foi necessária.
A plateia estava completa, para assistir a mais uma excelente produção do Teatro da Rainha - a comemorar 40 anos e com uma exposição, linda, no céu de vidro -, desta vez em parceria com o Teatro das Beiras.
"A noite dos visitantes", de Peter Weiss, com encenação de Fernando Mora Ramos, trouxe a parábola, velha, às tristes ruínas a que chegou a antiga Casa da Cultura. A peça mostra que a história vai repetindo episódios e o teatro continua a carregar o dever de nos lembrar isso mesmo. Aquilo que parece novidade é, afinal, mais um episódio copiado e a maior parte das vezes pior que o original.
Continuamos a ser egoístas, a assobiar para o lado e a aceitar normalizar comportamentos que nos deveriam envergonhar.
Viva o Teatro!
Nota: A peça está em cena até ao próximo dia 21 de Julho e tem entrada livre.
segunda-feira, 14 de julho de 2025
Normalidade
Não era difícil acertar. É o saber da experiência feito de que falava Camões.
A Foz e o oeste, há muito que nos habituaram a isto: nortada, bem forte, mar bruto, bandeira vermelha, água fria, que até "corta" os tornozelos. Há-de fazer bem a qualquer coisa ...
E ninguém estranha, a não ser os que por aqui estão de passagem e julgaram ter mais uns dias como ontem.
Esperem, calminhos, sentados e abrigados. Pelo sim, pelo não, tenham um casaquinho sempre à mão!
domingo, 13 de julho de 2025
Manhã de excepção
Hoje a Foz permitiu furar as ondas, sentir o mar a roçagar as costas, dar umas braçadas sem cuidados de maior, ir e voltar várias vezes, tirar a fotografia de grupo, falar disto e daquilo, resolver todos os problemas excepto aqueles que não têm qualquer solução. Convém ter sempre presente que só há dois tipos de problemas: aqueles que o tempo resolve e os outros que nem o tempo consegue resolver.
Aproveitamento máximo. Nunca se sabe o dia de amanhã ...
E a água nem estava (muito) fria!
sábado, 12 de julho de 2025
Livros (lidos ou em vias disso)
"(...) Em setembro, como era moda médica nesse tempo, o doutor Bravo da Mata declarou a minha absoluta necessidade de ser operado às amígdalas. Vários dos meus amigos tinham voltado do hospital, meses antes, e, apontando para o fundo da garganta, diziam: << Não estás a ver nada porque me tiraram as amigas. >> Sobre a dificuldade do processo não se abriam, mas estava mais ou menos determinado que acabaríamos todos com estes orgãos extraídos preventivamente. Modas não se discutem e lá acabei, tal como muitos outros, totalmente separado da minha família, pela primeira vez na vida, durante uma semana.
Na entrada do hospital, fui entregue aos cuidados de uma freira sem idade que me levou para uma enfermaria conventual, com diversas camas. Outros rapazes dormitavam nelas. Entre eles, numa alegria breve, avistei o Ica, um dos gémeos que moravam perto.
<< Vens tirar as amigas, também? >>
<< Não, parti um braço em três sítios >>, respondeu-me, tristemente.
A queda da bicicleta sobre um terreno rochoso tinha provocado a necessidade de intervenção cirúrgica. Estava pálido, dentro do pijama de riscas do hospital. Acenou-me, uma vez mais, com a mão em bom estado, e mergulhou nos lençóis antes que a freira se chateasse. Eu ainda não o sabia, mas estas vigilantes de hábito impunham, naquele lugar escuro, de janelas altas, o silêncio a todas as crianças. Ajudava a curar, diziam elas. Mesmo às crianças, habituadas ao riso.
A que me acompanhava disse-me que me despisse completamente, deixando-me apenas uma pequena toalha para tapar a tímida genitália. Demorou a voltar com um pijama e, eu, nu e sozinho, senti ainda mais a falta de casa. (...)"
sexta-feira, 11 de julho de 2025
quarta-feira, 9 de julho de 2025
Tubarão
"Cada vez que fala verdade, cai-lhe um braço ..." Ainda tem os dois.
- Foi colocada a bandeira vermelha porque foi avistado um tubarão.
Ninguém acreditou. Está sempre no gozo e foge das conversas sérias como "o gato das brasas".
A maré estava a encher e, quando se deu o banho, havia algumas correntes "contraditórias". Nada que fugisse ao normal da Foz. Sentados na conversa, não demos conta da saída de toda a gente da água, incluindo os surfistas.
Estava na hora do regresso e só nessa altura foi apercebida a mudança de cor das bandeiras.
- Os agueiros aumentaram e os banheiros querem estar sossegados ..., comentou a má língua, sempre viperina.
No caminho, a estória do tubarão que, vinda de quem vinha, não trazia qualquer hipótese de credibilidade. "Cesteiro que faz um cesto, faz um cento!"
Afinal era verdade! Tão injustos que nós somos ... O tubarão passou ao largo e a Capitania, zelosa, ordenou a saída de toda a gente da água, para que ele pudesse nadar sem obstáculos. "Não vá o diabo tecê-las ..."
Já tudo voltou à normalidade e amanhã, se o tempo deixar, voltaremos ao banho da manhã, tão frio que há-de fazer bem a qualquer coisa. O tubarão rumou para outras paragens e não regressará, acreditemos.
terça-feira, 8 de julho de 2025
segunda-feira, 7 de julho de 2025
Gostos não se discutem
Como facilmente percebe quem por aqui vai espreitando, sou um eclético ouvidor de música, sem quaisquer receios de manifestar preferências, mesmo que estas não sejam consensuais ou estejam na berra.
Ouço música de Cabo Verde há muitos anos! Como parece cada vez mais normal, a gaveta foi resgatar memórias antigas quando ouviu notícias sobre as comemorações dos 50 anos da independência daquela antiga colónia portuguesa.
Há mais ou menos sessenta anos convivi, durante alguns meses, com dois cabo-verdianos, um deles com idade para ser meu pai - cerca de 40 anos -, o outro um pouco mais velho do que eu: cantei-lhe os parabéns, com a voz bem desafinada, no dia em que fez 18 anos.
Ainda não se falava de Cesária Évora ou Tito Paris, muito menos de Tété Alhinho ou Sara Tavares. Adelino, o mais velho, e Cula, o jovem, ensinaram-me as diferenças entre a morna e a coladera e abriram-me a boca de espanto nas muitas vezes em que os ouvi tocar e cantar. Tocavam cavaquinho e daqueles dedos negros saíam ritmos frenéticos ou dolências mimosas, desconhecidos para mim e que me habituei a ouvir, calado e deliciado. O Cula fazia percussão com qualquer coisa, da caixa de sapatos ao tampo da mesa, do colchão ao prato da sopa virado ao contrário.
Regressaram à sua terra e nunca mais deles ouvi falar ou tive qualquer notícia. Talvez já não pertençam ao mundo dos vivos. Vieram-me à memória e devo-lhes o ter aprendido a gostar da belíssima música cabo-verdiana, que continuo a ouvir regular e regaladamente.
sábado, 5 de julho de 2025
Bom e expressivo
A roda dentada do tempo não avaria, nunca! E prossegue, inexorável, o seu afã de fazer crescer cada um, a velocidades bem diferentes aos olhos de cada qual.
O meu neto GRANDE faz hoje 19 anos, tantos quantos o avô tinha há 54, quando a tal roda quase lhe parecia que não andava e o tempo teimava em se deslocar a velocidade de caracol. Afinal, a rodinha revelou-se, aplicou-se, esmerou-se, foi trazendo cada dia atrás do outro e cada vez com mais velocidade. Pelo menos, assim parece!
BOM E EXPRESSIVO
Acaba mal o teu verso,mas fá-lo com um desígnio:é um mal que não é mal,é lutar contra o bonito.Vai-me a essas rimas quetão bem desfecham e quesão o pão de ló dos tolose torce-lhes o pescoço,tal como o outro pediase fizesse à eloquência,e se houver vossa excelênciaque grite: - Não é poesia!,diz-lhe que não, que não é,que é topada, lixa três,serração, vidro moído,papel que se rasga ou pe-dra que rola na pedra ...Mas também da rima <<em cheio>>poderás tirar partido,que a regra é não haver regra,a não ser a de cada um,com sua rima, seu ritmo,não fazer bom e bonito,mas fazer bom e expressivo ...Tomai lá do O'Neill!Alexandre O'NeillCírculo de Leitores (1986)
quinta-feira, 3 de julho de 2025
Passagem aérea
Quarta passada, semana acabada! E hoje já é quinta, com mais de dois terços do dia cumpridos e a caminho da noite. Adivinha-se meiga, bem diferente do quotidiano oestino.
Talvez justifique uma voltinha pela cidade, sem pressa e utilizando a nova passagem aérea, com elevador e tudo, que poupa uns valentes degraus, bem difíceis, que o antigo "galinheiro" obrigava a subir.
Com o desaparecimento do "lixo" da velha, a Rua 15 de Agosto ficou mais desanuviada, mais bonita e com grande vontade de receber, espera ela, a praça prometida.
Quase me esquecia, mas ainda vai a tempo: se houver passeio, convém levar um casaquinho, não vá o oeste pregar a partida costumeira.
terça-feira, 1 de julho de 2025
Livros (lidos ou em vias disso)
"(...) Agora, incluída no seu projecto, já posso perguntar. Afinal que livro quer o meu pai escrever. Responde que lhe chamou Teoria Geral da Insubmissão. Nada mais, nada menos. E eu a pensar num Lusitânia Revisited, ó mágoa, ó Tejo mudo a correr entre o Algarve e o Minho. Não admira que nunca tivesse chegado ao fim.
O sonho e o destino do país tenham paciência, que o deixem em paz. O meu pai considera a insubmissão o único sentido da História, o único sentido da vida.
Excepto quando me exige obediência. Discorda quase sempre das minhas escolhas. Irrita-se. Desorienta-me. Escolho não discutir, não suporto as suas iras.
Começa a traçar o plano de escrita, não tarda a dispersar-se. Divaga.
Então vai ser assim, tu sacas do tablet, eu digo umas larachas, acrescentamos claras em castelo, umas pedrinhas de sal, uma calamidade, um susto, umas palavras-formigas, umas frases-cigarras, pimenta na língua bárbara, murros nas trombas do poder. Achas que chega? Talvez encontres mais ingredientes no tablet, livros instantâneos, como os pudins. No meu tempo só havia uma ardósia e giz, tudo cinzento, mais tarde umas folhas pautadas e uma caneta de tinta permanente. Quando me puseram uma máquina de escrever na secretária nunca mais quis outra vida. Verdade que o teclado HCESAR não ajudava. Ainda se fosse o AZERT, o internacional. Mas não, o Saladas queria a pátria espremida em teclas orgulhosamente sós. Através do teclado, dois destinos divergentes, a repartição e a poesia. Via-os inimigos, mas só porque era míope, ingénuo e acagaçado. Afinal, quando bati com a porta da repartição, a miragem ficou lá dentro, encerrada no teclado. Orgulhosamente europeu dessa vez, pelo menos já era AZERT. Tomaste nota? (...)"