"(...) << O que não se vê não existe. >>
Se lhe perguntassem em que consistia o seu trabalho, bastava-lhe responder assim. Eliminar o que não pode ser visto. Engolir, apagar, sufocar, sepultar. Encobrir. Erguer muros. Abrir buracos. Omar era mestre na arte do soterramento e do segredo. Ninguém sabia tão bem como ele contrapor um silêncio opaco e sereno a quem fazia perguntas. Nada conseguiria fazê-lo fraquejar, nem sequer o rosto enlutado das mães que procuravam os filhos ou as súplicas de uma jovem cujo marido desaparecera, uma manhã. Em 1965, durante os protestos estudantis, ele participara na tarefa de apagar os vestígios do massacre. Com os seus homens, assumira o controlo da morgue de Aïn Chock e, durante dias, ninguém pôde entrar ou sair de lá sem que Omar desse o seu aval. Muitas famílias reuniram-se diante do edifício, reclamando os restos mortais dos seus entes queridos. Ele mandou expulsá-las. Depois, uma noite, carregaram os corpos na traseira de uma carrinha, com os faróis apagados. Corpos frágeis e leves, cadáveres de adolescentes e de crianças que não pesavam nada nos braços dos polícias encarregados de os transportar. Deslocaram-se até ao cemitério deserto e Omar ainda se recordava do reflexo da lua nos túmulos e dos buracos que foram abertos, em pontos dispersos, afastados uns dos outros. Os polícias começaram a descarregar a carrinha. Alguém quis rezar, mas Omar não o permitiu. Deus não era para ali chamado.
Naquele país miserável, bastava distribuir umas notas. Ao médico que testemunharia que não vira nenhum ferido. Ao coveiro que, por um punhado de dirhams, se esqueceria que cavara sepulturas para crianças assassinadas. Omar nunca aceitava dinheiro. E, no entanto, ofereciam-lho centenas de vezes. E viu, amiúde, os seus colegas aceitarem maços de notas escondidos num envelope de papel pardo. Viu-os enriquecer e subir na escala hierárquica. Casavam-se com raparigas ricas de boas famílias, cujos pais se alegravam por terem um genro na polícia. (...)"
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