segunda-feira, 27 de outubro de 2025

Livros (lidos ou em vias disso)

"(...) O problema e a razão pela qual esta atitude causa tanta estranheza, é que o coração tem um prestígio inexplicável. Ora, o coração, recordo, é uma bomba hidráulica. Uma aborrecida, burocrática, e fabril bomba hidráulica. Suga sangue por um lado, esguicha sangue pelo outro. Não sente nada, não ama coisa nenhuma. É um músculo. No entanto, exerce sobre as pessoas um fascínio incompreensível. Sobretudo em comparação com o cérebro, que tem muito má fama. O coração é sempre santo, o cérebro é sempre diabólico. Às vezes, alguém diz <<agora eu vou falar do coração>>, como se fosse uma coisa boa. Eu respondo sempre: <<Não, obrigado. Fala do cérebro, que eu prefiro.>> Falar do coração, normalmente, significa exprimir sentimentos inalterados pelo raciocínio. Ou seja, é dizer coisas sem pensar. É uma opção muito comum em quem devia ter preparado um discurso mas não esteve para se dar ao trabalho. Transforma a preguiça e a falta de consideração pelos outros em <<honestidade>> e <<franqueza>> (uma operação bastante indecente que o coração patrocina a toda a hora) e fala de improviso. Eu desconfio demasiado dos meus sentimentos para os exprimir dessa maneira. De vez em quando sinto coisas que, pensando bem, são absurdas. Mas é curioso que o coração nunca tem culpa. Há sempre uma maneira de atribuir a responsabilidade dos sentimentos desagradáveis ao cérebro. <<Sim, ele disse isso, mas estava de cabeça quente.>> A culpa é do cérebro. O coração é sempre puro. Comigo não contam para esta mistificação. (...)"

Coisa que não edifica nem destrói - Vol. II
Ricardo Araújo Pereira

Sem comentários: