sexta-feira, 3 de julho de 2015

Cavaco versus La Palice

A Visão, que mudou esta semana de direcção mas continua na senda da qualidade, abre com (mais) uma extraordinária crónica familiar de António Lobo Antunes e finaliza com a habitual Boca do Inferno, de Ricardo Araújo Pereira. O título é "Introdução ao estudo da cavacada" e, num texto hilariante e inteligente, RAP discorre sobre as lapalissadas em contraste com as cavacadas, a propósito da confirmação aritmética de que 19 menos 1 são 18.
Numa semana em que, profissionalmente, deixei de ser o que fui mais de 40 anos para não saber aquilo que sou numa simples tramitação legal, sabe bem ao ego ler um texto deste nível.

"O pobre senhor de La Palice nunca terá proferido uma lapalissada. O que se passa é que o seu epitáfio dizia qualquer coisa como: <> Alguém tresleu maldosamente a palavra <<envie>> (inveja) e tomou-a por <<en vie>>, o que transformava o epitáfio no seguinte truísmo: <<Aqui jazz o senhor de La Palice, que se não estivesse morto estaria ainda vivo.>> Cavaco não tem a desculpa do epitáfio. Há, neste momento, um razoável consenso entre especialistas no sentido de considerar que o Presidente se encontra ainda vivo. As cavacadas distinguem-se, por isso, das lapalissadas, na medida em que o seu autor é verdadeiramente responsável por elas. A cavacada é genuína, ao passo que a lapalissada não passa de um logro. A cavacada é a única que reúne condições, designadamente ao nível da certificação e da origem demarcada, para se candidatar a património imaterial da UNESCO, e no entanto, é diariamente ultrapassada pela lapalissada em popularidade e prestígio. Talvez as coisas estejam a mudar. Esta semana, Cavaco Silva disse: <> Estive a fazer contas e obtive o mesmo resultado. Esta cavacada não é, porém, uma cavacada qualquer. Trata-se de uma banalidade que banaliza, o que constitui uma inovação na história das platitudes. Uma coisa é dizer: <<O Carlinhos tem 19 maçãs. Se perder uma fica com 18 maçãs.>> É apenas uma banalidade. Mas, se a maçã que o Carlinhos perder conseguir bichar as outras 18 maçãs, ou transformar as outras 18 maçãs em maçãs mais pequeninas, ou em 17 maçãs, a mera aritmética não consegue explicar a catástrofe que se abaterá sobre a fruteira do Carlinhos.
É possível que se torne mais claro o efeito da fria utilização de uma subtracção simples para descrever perdas na zona euro se a aplicarmos, digamos, num velório. Imagino que Cavaco se aproxime de um familiar enlutado e diga: <<Soube que um dos seus progenitores morreu. De acordo com as minhas contas, ainda lhe sobra um.>> 
É verdade, mas acaba por confortar pouco. Proferida a cavacada, o Presidente acrescentou ainda: <<Eu penso que o euro não vai fracassar.>> Uma vez que se trata do mesmo vidente que profetizou que os portugueses podiam confiar no BES, gostaria de comunicar ao sector bancário que, a partir deste momento, estou comprador de dólares."

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