quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Peixeiro

Era M. da Nazaré, revelando o apelido a origem da vila piscatória a que voltava, duas, três vezes por semana, sempre que lhe "cheirava" haver peixe. Utilizava o burro para fazer cerca de trinta quilómetros e trazia a mercadoria nos dois alforges que o asinino carregava, para além do peso do dono. O peixe era adquirido vá lá saber-se como porque, na altura, não havia lota nem ASAE.
Chegado ao poiso, enchia duas canastras ligadas por um pau grosso, que lhe permitia carregá-las ao ombro, sem grande esforço aparente. O peixe maiorzinho - chicharro, carapau, talvez um goraz - ficava na canastra da frente; a da traseira era cheia com as petingas, os carapaus do gato, as cavalas, algumas sardas. 
E. a pé, lá corria ele toda a aldeia, bem cedo, anunciando a sua presença com o roncar de um búzio, enorme, que se ouvia bem longe. Vendido o peixe, era tempo de desfrutar dos lucros. Arrumado o "veículo", a corrida para a taberna era imediata, que os cobres ganhos já pesavam na algibeira e chegavam para a bebedeira que começava à hora a que havia de almoçar e se prolongava até àquela a que devia jantar.
A companheira aguardava-o na soleira da casa (barraco) e, à distância, avaliava se havia condições para ali permanecer ou era melhor arranjar onde passar a noite, para que a tempestade de estalo e pontapé não lhe fizesse mais negras do que as que trazia sempre. 
Os vizinhos, mais afoitos, questionavam de vez em quando:

- Você, quando está são, até nem é má pessoa, mas bêbado ... até a desgraçada da mulher tem de fugir para não comer pela medida grossa.

- Desgraçada?! Tem sorte em estar comigo. Não presta para nada ... até lhe faltam bocados.

Sem comentários: