quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Quotidiano

Num dia que começou atribulado, com pouco mais de oitenta quilómetros percorridos em quase três horas, por uma auto-estrada com obras que nunca mais terminam, com a chuva a misturar-se com o pó e a fazer uma estranha "papa" que alimenta os acidentes, com o "senhor" do rádio a dizer que o trânsito está parado no IC 19, no nó de Frielas, na A5, no viaduto do Feijó, etc.,  e a recomendar aos "senhores" condutores que conduzam com a máxima precaução (necessária para não dar um toque no da frente, quando se distende, por momentos, o pé que está no travão), segue um número inacreditável de veículos a passo de caracol.

No final da jornada, cansativa e longa, a mesma dança, com a chegada a casa atrasada com mais acidentes, numa altura em que a noite, sem ser ainda velha, já tinha passado há muito a adolescência.

Valha-nos ser quinta-feira, dia em que Vargas Llosa foi distinguido com o Nobel da Literatura, prémio que ainda não foi desta que contemplou António Lobo Antunes. Talvez seja melhor assim, não fosse dar-se o caso de o marketing do Nobel tirar o tempo ao nosso escritor para nos oferecer os, como ele diz, nossos livros - entregar-nos-á outro ainda este mês - e as crónicas com que, quinzenalmente, nos delicia na Visão. A desta semana, conta a história de um cabo ferrador que cumpriu serviço militar em Chaves e termina assim:

" (...) - Tenho dormido num degrau, sabia?

levantou-se da cadeira e foi-se embora, aposto que sem pensar em Chaves, nos montes, nas gajas, todo inteiro no interior de uma incomodidade com picos que o atormentavam, o filho morto em criança, a mulher ida com um caixeiro viajante, os duzentos euros, a sopinha. Mas havia de acabar por animar-se

- Isto já passa amigo

porque não há azares que um cabo ferrador como deve ser não aguente, em sentido para o toque a silêncio, que nos mexe a todos por dentro e é o mais bonito que existe."

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