"(...) E pensar que, indiretamente, o Rio deve isso a um homem sem o menor humor e que nunca andou por estas bandas: Napoleão. Em 1808, pretendendo golpear a Inglaterra, ele apontou seus canhões para Lisboa, velha aliada estratégica dos ingleses. Incapaz de reagir ou mesmo resistir, a corte portuguesa tomou os navios e fugiu às pressas para o Rio, trazendo tudo que podia carregar, inclusive a coroa e o trono. Foi escoltada no mar pela Armada inglesa, sacramentando uma decisão com que a Inglaterra sonhava há muito: a abertura dos portos brasileiros, para que ela pudesse negociar diretamente com a colônia. Pois os portos se abriram e os tapetes vermelhos se estenderam à Inglaterra na aduana carioca. Nem Portugal, que, afinal, ainda era o dono do pedaço, passou a ter tantas vantagens alfandegárias em seus negócios com o Brasil.
Num instante, os ingleses tomaram o Rio: marinheiros, industriais, comerciantes, mineradores, fazendeiros, diplomatas, pintores, artesãos, naturalistas, escritores, missionários, aventureiros. O que animava os sonhos desses homens a virem enfrentar o sol do meio-dia? Não era apenas enriquecer ou salvar almas. Alguns ainda deviam acreditar nas narrativas sobre indígenas nuas, outros talvez quisessem encontrar a si próprios no fundo da selva e outros quem sabe queriam simplesmente livrar-se da mulher. De qualquer modo, o porto do Rio tornou-se o mais agitado do hemisfério, com os navios ingleses despejando gente e mercadorias que eles estivessem vendendo ou comprando. No próprio ano de 1808, entraram noventa navios. Em 1810, já eram 422. Às vezes cometiam-se gafes: um inglês trouxe para vender tecidos de lã, sapatos para neve e aquecedores de casas - e conseguiu vender tudo. A maioria se deu tão bem que nunca mais voltou para a Europa. Os ingleses eram tantos que, em poucos anos, construíram um cemitério só para eles, na Gamboa, para não passarem pelo desconforto de se verem enterrados ao lado dos católicos, dos negros e dos nativos. (...)"
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